Exemplo de persistência: estudante moçambicana veio ao Brasil para se tornar pedagoga musical

Em entrevista, Sônia André, aluna do mestrado em Educação Brasileira na Ufal, conta um pouco de sua trajetória e seus planos para contribuir com a educação musical em Moçambique


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Sonia dando palestra no Colégio Princesa Isabel com a filha ainda bebê nas costas (arquivo pessoal) | nothing
Sonia dando palestra no Colégio Princesa Isabel com a filha ainda bebê nas costas (arquivo pessoal)

Jacqueline Freire – jornalista colaboradora

A iniciativa de vir para o Brasil junto com a filha recém-nascida foi resultado de uma preocupação com o povo moçambicano. Sônia André percebeu a falta de professores na área de educação musical em seu país e resolveu se especializar na área. Hoje, após se formar em Música-licenciatura e fazer especialização em Ensino da Arte-Música pela Universidade Federal de Alagoas, ela é aluna do mestrado em Educação Brasileira também na Ufal. Na entrevista a seguir, conta um pouco de sua trajetória e seus planos para contribuir com a educação musical em Moçambique.

Ascom - Como surgiu a ideia de vir ao Brasil?

Sônia André - Minha vinda ao Brasil surge com a preocupação que o governo moçambicano tinha e ainda tem de formar professores em Pedagogia Musical, por ter reintroduzido nas escolas Moçambicanas a disciplina de Educação Musical. Como não tinha professores suficientemente preparados na área para atender àquela demanda, o Ministério da Educação, o qual aproveito para agradecer pela atenção, encorajamento e acompanhamento nos trabalhos que desenvolvo como professora e pesquisadora,  me enviou ao Brasil pelo programa PEC-G ( Programa de Estudantes Convênio e Graduação) em 2007.

Ascom - Você se formou em Pedagogia em Moçambique?

Sônia André - Olha que essa é questão de terminologias. Fiz Música licenciatura na Ufal - que é para o ensino – e essa modalidade em Moçambique se trata de pedagogia musical.

Ascom - Como foi o processo de adaptação no Brasil?

Sônia André - Não foi fácil, deixei meu país, minha família para trás e só pedi a benção aos nossos Deuses que acompanhassem a mim e, sobretudo, proteção a minha pequena. Cheguei ao Brasil trazendo comigo minha filha, Thandy da Conceição Massuanganhe, de apenas 6 meses. Sem ter onde morar, fui acolhida por uma pessoa, a quem também devo minha gratidão: Vitória, de Guiné-Bissau (que na época fazia enfermagem). Ela teve que ceder o quarto dela até encontrar um lugar para eu morar com minha filha. Difícil estudar com uma criança de apenas meses, levá-la sempre às aulas no meio de chuva e calor. Marinheira de primeira viagem, única moçambicana desde lá até 2011, única estudante africana no departamento de artes, tinha que dar conta da minha missão e muito mais. Sempre que lembro dos primeiros passos da minha chegada e vendo minha filha hoje com 6 anos dá um nó na garganta e lágrimas escorrem no meu rosto. Mas em outra parte vejo nisso uma alegria de ter conseguido me formar, de ter me tornado mulher (pois sempre fui pai e mãe da pequena com muito orgulho). Não fosse por isso, jamais chegaria onde cheguei nem teria aprendido que tudo se constrói na base de luta e perseverança. Mas em parte senti-me querida e protegida pela Ufal assim como todos os estudantes africanos se sentem, pois, sempre que precisei de um ombro amigo, um professor ou colega estavam ali para me ajudar, me escutar e diziam “simbora negona”. Para ocupar os tempos vagos me envolvia em projetos acadêmicos que carinhosamente a Ufal e meu País, por meio do Instituto de Bolsas de Estudos, acolhiam e acompanhavam com muito carinho. E hoje estou nessa caminhada de estudante e pesquisadora graças a essa trajetória e acompanhamento permanente de todos que citei e os que não pude citar.

Ascom - Por que o mestrado em Educação?

Sônia André - Mestrado em educação para aprofundar meus conhecimentos na área educacional e fazer um paralelo, pelas metodologias, com a música e o seu processo de ensino e aprendizagem, com vista a trabalhar a realidade moçambicana.

Ascom - O que você considera que foi mais importante no seu aprendizado desse período?

Sônia André - Todo o aprendizado colhido de forma formal e informal; as amizades que pude fazer; professores que me consideram amiga, colega e companheira de trabalho; e ter me tornado uma mulher que acredito que se estivesse no meu país não seria. Jamais me esquecei da homenagem feita a mim pela ONG Maria Mariá, liderada pela Arísia Barros, indicada pela Ufal, pela então reitora Ana Dayse. Um momento único, me tornando primeira estudante a ser reconhecida no Brasil; isso ainda mexe comigo. Também me sinto muito grata por ter entrado no cinema Alagoano por meio do filme Guerreiros de Jorge, sob a direção do Chico de Assis, que me convidou para interpretar o papel da “Nêga Fulô”, dos poemas do Jorge de Lima. Bom demais ser atriz! (risos)

Ascom - Quais os seus planos para o futuro? Pretende construir a carreira aqui ou voltar a Moçambique?

Sônia André - Não vou ficar no Brasil, ainda que considere um país irmão que me acolheu e me formou, onde tenho amizades feitas, risadas dadas... Vai doer deixar, mas tenho que voltar para minha terra, minha querida pérola do Índico. Voltar e contribuir com o que aprendi aqui, pois as escolas moçambicanas precisam também da educação para o mundo artístico.

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