Instituto de Psicologia aprova carta compromisso com ações antirracistas

Documento construído coletivamente foi motivado por mobilização estudantil

Por Thâmara Gonzaga - jornalista
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Todas as vidas importam. É fato. Mas quando se refere à vida das pessoas negras, essa máxima precisa ser refletida diante de uma realidade que, constantemente, coloca à prova a existência e a capacidade de resistir dessa grande parcela de brasileiras e brasileiros.

E os dados demonstram isso: negros são maioria nas estatísticas de vítimas da violência letal no Brasil e minoria nos cargos com melhores remuneração. Esse é só um recorte da desigualdade e das dificuldades que marcam a população negra e que refletem uma estrutura social marcada pelo preconceito e categorização de pessoas pela cor da pele.

Em busca de promover diálogos constantes e trazer práticas que colaborem para modificar essa situação, estudantes de graduação e da pós, docentes e técnicos do Instituto de Psicologia (IP) da Ufal se uniram na construção da Carta Compromisso por uma Universidade Antirracista.

De acordo com o documento aprovado por unanimidade pelo Conselho do IP, no fim de setembro, considerando “o abismo existente entre pessoas negras e brancas, a carta surge da necessidade de implementação efetiva de políticas afirmativas, da necessidade de reconhecimento da história de grande parcela da população, do não apagamento de suas vivências e lutas”.

A motivação para elaborar a carta surgiu da provocação do Centro Acadêmico (CA) de Psicologia, gestão Carolina Maria de Jesus, junto ao grupo de Pretinhos e Pretinhas da Psico-Ufal. Segundo o estudante Adson Correia, os movimentos resolveram se mobilizar diante dos supostos casos de fraudadores de cotas raciais, feitas através de um perfil no twitter.

“A Psicologia foi o segundo curso da Universidade com o maior número de denúncias nas redes sociais, ficando atrás apenas da Famed [Faculdade de Medicina]. Diante do cenário exposto, os estudantes solicitaram expressamente uma posição do Instituto de Psicologia diante das denúncias. O documento é fruto da mobilização e atuação do Centro Acadêmico e de estudantes pretos e pretas do IP”, destaca a estudante e membro do CA de Psicologia Carolina Maria de Jesus, Yasmin Silva, que participou do coletivo para construção da carta.

Mas as discussões foram além e trouxeram outras reivindicações, como o compromisso com a defesa das pessoas indígenas. Reunindo um coletivo de pensamentos em torno de um objetivo comum, o diretor do IP, Jefferson Bernardes, considera que o texto representa “um marco importante na história do IP em prol do desenvolvimento de ações afirmativas que combatam o racismo e promovam igualdade social e econômica”.

“Produzida a muitas mãos, principalmente, por discentes e docentes articulados a movimentos sociais e grupos de pesquisa que trabalham questões étnicas e raciais, a carta marca o compromisso de toda a comunidade do IP com uma agenda antirracista”, ressalta Bernardes.

Objetivos

Promover o debate sobre as relações étnico-raciais na Universidade, dar visibilidade à produção intelectual de negros e negras na grade curricular do curso, defender o acesso a mais espaços na academia, além de condições para permanência, e denunciar as violências sofridas pela população negra são alguns dos objetivos da Carta Compromisso do IP.

“A finalidade, em última instância, tem como proposta enegrecer a Psicologia, dando visibilidade às violências sofridas por estudantes negros, o caso das fraudes é um exemplo disso, como também à grande potencialidade de suas construções que são visíveis quando se tem acesso ao pensamento de autoria negra. O efeito prático é criar essa nova sensibilidade e engrossar a luta antirracista ao propor uma série de ações e práticas que modificam o dia a dia do fazer docente no Instituto”, define a professora Érika Oliveira.

De acordo com o diretor Jefferson Bernardes, o texto aprovado propõe uma série de ações concretas envolvendo as seguintes medidas: promover e fortalecer as políticas de ação afirmativa nos cursos de graduação e pós-graduação do IP, lutando para efetivar medidas que assegurem o acesso e a permanência de pessoas negras na universidade, sejam docentes, estudantes ou técnicos; acompanhar os casos de fraudes nas cotas destinadas a estudantes negros e indígenas, bem como estimular a participação de servidores no processo de capacitação e composição das bancas de heteroidentificação promovidas pelo Núcleo de Estudos Afrobrasileiros e Indígenas (Neabi) da Ufal.

Outra iniciativa proposta é o apoio institucional à luta protagonizada por docentes, estudantes, técnicos da Universidade e movimentos sociais pela reposição de vagas destinadas à população negra em concursos para docentes na Ufal. “Considerando a necessidade de efetivar uma política de inclusão, necessária para a minimização das desigualdades raciais e a radicalização da democracia, o IP apoia a luta pela reposição das vagas perdidas, ampliando, paulatinamente, o número de vagas destinados a negros nos concursos futuros, tanto para técnicos quanto para docentes de nossa instituição”, detalha o professor Marcos Mesquita.

No âmbito acadêmico, é prevista a realização anual de um encontro e da criação de uma disciplina obrigatória no curso sobre psicologia e relações étnico-raciais, além do desenvolvimento de estratégias para atender a demanda dessas questões no Serviço de Psicologia Aplicada (SPA).

Mudanças esperadas

Reposicionar a formação em Psicologia a partir da realização de um debate contínuo sobre as relações étnico-raciais no interior do curso é uma das mudanças, do ponto de vista acadêmico, que se pretende alcançar com a implementação das ações da Carta Compromisso.

De acordo com Letícia Santos, estudante da pós-graduação que fez parte do movimento para construir a carta, o objetivo é possibilitar “pensar, discutir e problematizar os processos históricos que culminaram na marginalização e subalternização da população negra e indígena, principalmente, diante do contexto político atual que insiste em negar ainda mais direitos sociais, políticos e de reconhecimento”.

Ela ainda defende que proporcionar esses “diálogos transdisciplinares é trazer para dentro da Psicologia, enquanto ciência e profissão, epistemologias não-hegemônicas na medida em que os saberes conversam com outras áreas da ciência e com conhecimentos de grupos, movimentos sociais e comunidades outras, fora do âmbito acadêmico”. E também acrescenta que essa “articulação teórica servirá de alicerce para pesquisas futuras, promovendo a ampliação dos estudos dessa temática dentro da psicologia brasileira, nordestina e alagoana”.

Para conferir o teor da Carta Compromisso do IP, acesse o link abaixo: