Mulheres falam dos desafios superados para participar da comunidade acadêmica
Reflexões e celebrações das conquistas das cientistas, neste 8 de março - Dia Internacional da Mulher
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Neste dia 8 de março, vamos celebrar as conquistas das mulheres, mas também conhecer os obstáculos que ainda precisam superar todos os dias, para construir uma carreira na Universidade. Segundo dados da ONU, nessas instituições, as pesquisadoras tendem a ter carreiras mais curtas e com menor remuneração. Embora representem 33,3% de todos os pesquisadores, apenas 12% dos membros das academias de ciências nacionais são mulheres .
A partir desses dados, vemos que há ainda muito o que mudar para valorizar a importante participação das mulheres na Universidade, lembrando que é uma presença recente. No Brasil, a primeira mulher a se graduar foi Rita Lobato, em 1887, no curso de Medicina da Universidade Federal da Bahia. A mesma instituição onde a alagoana Nise da Silveira se formou, em 1931, sendo a única mulher numa turma de 158 graduados.
A professora Marília Goulart, pesquisadora com 45 anos de carreira, com dois pós-doutorados em Química, em universidades da Alemanha e Inglaterra, e membro da Academia Brasileira de Ciências desde 2015, cita um artigo escrito pela pesquisadora Elisa Orth (UFPR), em colaboração com outras pesquisadoras mulheres, intitulado Mulheres Cientistas na Química Brasileira. "Não deveria haver distinção de gênero em Ciência. Os requisitos são qualidades intelectuais: rigor científico, dedicação e persistência. Mas há, sim, distinção de gênero e a mulher tem sido prejudicada ao longo dos séculos”, ressaltou a cientista.
Segundo Marília Goulart, são várias as circunstâncias que devem ser consideradas. “E não se pode atribuir a escassez de mulheres em atividades de alto nível apenas a discriminação direta e ostensiva. É importante fazer uma avaliação do papel da mulher na história das Ciências, onde as cientistas são na maioria das vezes invisíveis. Poucos nomes femininos que se destacaram em importantes descobertas são lembrados pela sociedade de um modo geral”, refletiu a professora.
Marília também lembrou frases que eram proferidas não só em ambientes de senso comum, mas nos círculos científicos, do tipo: o saber estraga as mulheres e as distrai de seus afazeres domésticos. “Ao entrar, com muito esforço, nas Universidades, as mulheres tiveram que se deparar com a falta de paradigmas femininos. Além disso, há o princípio das vantagens acumuladas, porque nesse ambiente, os homens comandam. Todo esse contexto histórico leva a menor representatividade feminina na Ciência”, explicou Marília Goulart.
Conciliar os vários papéis socialmente atribuídos às mulheres, com as exigências do ambiente acadêmico, não é fácil. São horas de dedicação e muitas vezes mudanças para estudar e trabalhar em outros estados e até mesmo países. A argentina Ana Milani, por exemplo, fez a graduação em Economia em Buenos Aires (Argentina), o mestrado na Bahia, o doutorado no Rio Grande do Sul e, atualmente é professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEAC) da Universidade Federal de Alagoas.
Milani destaca que o 8 de março é um dia para celebrar a luta das mulheres por seus direitos, também na comunidade científica. “As mulheres são mais da metade da população, mas somos minoria nas Ciências. A pesquisa científica é fundamental para o desenvolvimento da sociedade e o papel que as mulheres desempenham deve ser fortalecido. Apesar de ganhos importantes ao longo dos anos, a falta de reconhecimento à produção das mulheres contribui para o equívoco de que elas não podem atuar nas Ciências”, denunciou a professora.
Ana Milani fala da própria experiência, dos desafios que precisou superar. “Eu sempre quis ser pesquisadora, no entanto, na minha família, não se entendia que profissão era essa. Foi um esforço muito grande para mostrar que o lugar da mulher é onde ela quiser. E hoje, sou muito feliz em ser pesquisadora. A Ciência me traz uma outra percepção dos problemas sociais. Neste dia 8 de março, eu digo às mulheres que continuem lutando, apesar dos diferentes olhares da sociedade. Precisamos ganhar espaços dentro da Ciência”, ressaltou.
Nas Ciências Jurídicas, os desafios para as mulheres não são menores. A professora Elaine Pimentel, diretora da Faculdade de Direito e doutora em Sociologia, conhece bem o esforço para romper barreiras na profissão. “São muitos os desafios para uma mulher na vida acadêmica. Historicamente nós fomos distanciadas dessa produção do conhecimento, porque isso nos aproxima também das formas de poder dentro da sociedade. Aos poucos, com muita resistência, temos a possibilidade de participar de todas as áreas de produção de saberes”, destacou a professora.
Elaine Pimentel ressalta que hoje as mulheres ocupam espaços importantes e têm feito estudos e pesquisas relevantes para a humanidade, mas alguns desafios ainda se impõem. “Porque algumas áreas ainda são muito fortemente dominadas pelos homens. A área das Ciências Exatas, assim como a minha área, das Ciências Jurídicas, são campos predominantemente masculinos. Embora as mulheres estejam nas Universidades, da graduação ao doutorado, os espaços de poder são preponderantemente marcados pela presença dos homens. As mulheres que atuam nesses espaços têm o enorme desafio de derrubar essas barreiras culturais”, afirmou a jurista.
Não é só a discriminação que impede o avanço da maioria das mulheres. “Há uma sobrecarga. Tivemos alguns avanços, mas os cuidados com os filhos e com a casa continuam pesando sobre as mulheres. É preciso um esforço grande para lidar com isso e ainda manter o tempo de estudo, a dedicação, a concentração exigida pela produção científica. Essa situação ficou muito evidente nesses tempos de pandemia, onde as creches fecharam, todos ficaram em casa e o trabalho remoto teve que ser conciliado com os cuidados domésticos. São vários relatos do cansaço mental e físico das mulheres”, registrou Elaine Pimentel.
E será que na área de Comunicação Social, com maior presença feminina, o espaço das mulheres é mais tranquilo? Não mesmo. Basta consultar a tese de pós-doutorado recentemente defendida pela professora Lídia Ramires, do curso de Comunicação Social da Ufal, na Universidade de Tolouse (França). Com o tema Deixa Ela Trabalhar: jornalismo esportivo e gênero, o trabalho relata o assédio às mulheres jornalistas na cobertura esportiva no Brasil e em outros países. O estudo foi motivado pela experiência pessoal da pesquisadora e pela observação do relato de outras profissionais sobre as mesmas situações que ela vivenciou, na cobertura esportiva ao redor do mundo. “No final da década de 1990, eu trabalhei como repórter esportiva para a Rádio Difusora e para a Rádio Gazeta, mas não integrei a equipe de cobertura da Copa do Mundo de Futebol na França, em 1998, por ser mulher”, contou Lídia.
Esse impedimento de atuar numa cobertura internacional, fez com que Lídia Ramires escolhesse outras direções para a carreira. “Resolvi pesquisar a relação de gênero e mídia, especificamente, a presença da mulher no mercado de jornalismo. Minha pesquisa de pós-graduação analisa o Movimento Deixa Ela Trabalhar, criado por 52 jornalistas, que sofreram assédios em várias coberturas, em 2018”, relatou a pesquisadora.
Em homenagem a todas as mulheres que se desdobram para conquistar seus espaços sociais, a vice-reitora Eliane Cavalcanti envia uma mensagem. “O dia 8 de março reflete a luta e a resistência de uma grande parcela da população mundial, que somos nós as mulheres. Somos fortes, ativas, guerreiras, prudentes e cuidamos das nossas famílias. Na Ciência, na História, na vida temos grandes nomes. A nossa instituição também tem grandes mulheres que demonstram uma imensa dedicação nesse momento dramático da pandemia. Parabéns a todas!,” homenageia Eliane Cavalcanti.