Neabi avalia Lei de Cotas e prepara relatório sobre ações afirmativas da Ufal

Há 40 anos o núcleo amplia os debates étnicos-raciais em Alagoas

Por Manuella Soares - jornalista
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Reparar e transformar a história são as direções seguidas pelo Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (Neabi) da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Há 40 anos o Núcleo repete em coro a importância do olhar atento e ativo para as questões raciais e, constantemente se vê obrigado a revisitar políticas públicas para reforçar suas lutas.

Sempre que ganham voz, a exemplo da reunião da última semana de junho com o secretário Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Paulo Roberto, os representantes do Neabi avançam em debates contra retrocessos e na promoção da igualdade. Saiba mais aqui.

“Atualmente, o Neabi tem trabalhado no sentido de avaliar e ampliar as ações afirmativas na Ufal, além de desenvolver projetos de pesquisa e extensão”, destacou o coordenador Danilo Marques.

E esse trabalho já rendeu importantes resultados. Mais de 20 mil alunos pretos e pardos ingressaram na Ufal nos últimos dez anos. Mas antes mesmo da Lei de Cotas (2012), que garante a reserva de 50% das matrículas por curso e turno na graduação das instituições federais de ensino, a Ufal já havia aderido às cotas raciais desde 2004, por meio do Programa de Ações Afirmativas (Paaf).

Em 2018, 35% da população discente ingressou a partir das cotas sociais, educacionais e étnico-raciais. Desse total, 20,7% entraram por meio das vagas para pretos, pardos e indígenas. A política que está deixando a Universidade menos exclusivista e homogênea permitiu que o público estudantil seja composto, hoje, por mais de 65% de ‘não-brancos’, como apontou o Neabi numa nota técnica em repúdio à extinção da Portaria do MEC que induzia ações afirmativas nos programas de pós-graduação.

Com autonomia universitária, a Ufal continua deliberando sobre as cotas em mestrados e doutorados. Só no período letivo 2021.1, mais de 60 candidatos negros ingressaram nos programas na Universidade.

E para acompanhar a evolução desta e de outras ações afirmativas, o Neabi submeteu em edital o projeto de iniciação científica intitulado Neabi/Ufal: Histórias do Movimento Negro em Alagoas (1980-2020).

“A pesquisa vai ao encontro do debate em torno dos dez anos da Lei de Cotas. Podemos contribuir com a defesa e a ampliação das cotas raciais, sistematizando argumentos para a continuação desta importante política afirmativa”, reforçou Danilo.

Expansão e inclusão

Atendendo a uma antiga demanda da comunidade indígena, desde dezembro de 2019 o anteriormente denominado Núcleo de Estudos Afro-brasileiros (Neab) incluiu o “I” em sua sigla para acolher os povos indígenas com aprovação do Conselho Universitário (Consuni).

O mesmo ano é marcado pela interiorização do Neabi para os campi Arapiraca, sob coordenação da professora Marli Santos; do Sertão, que tem como coordenador o ex-aluno da Ufal e atual professor, Vagner Bijagó; além do Neabi Ceca, coordenado pelos professores Cícero Calazans e Regla Massahud.

“Recepcionamos a chegada do Neabi com muito entusiasmo. Posto que, uma boa parte dos nossos estudantes é de indígenas e quilombolas e o nosso campus é, por conseguinte, um lócus indígena e quilombola do ponto de vista da sua geografia, dos seus estudantes, do seu espírito, logo, de um modo geral, do seu povo”, destacou o professor Danilo.

Em pouco tempo e, em contexto da pandemia, os núcleos do interior, conseguiram alavancar as pesquisas e promover debates utilizando plataformas virtuais para reunir importantes estudiosos e lideranças indígenas e quilombolas.

Já houve publicação de dois dossiês na Revista de Ciências Humanas Caité, além de parcerias estabelecidas com pesquisadores de outras instituições. Outra questão de grande empenho nos núcleos do interior é o acolhimento aos estudantes cotistas.

“O ato de se reconhecer na instituição é de suma importância para o processo de aprendizagem”, afirmou Bijagó, e avalia: “Considerando a vulnerabilidade dos povos indígenas e quilombolas, a interiorização do Neabi no Campus do Sertão significa uma proximidade maior da Ufal com os povos originários, no sentido de criarmos uma plataforma de parcerias horizontais e simétricas, com vistas à produção de conhecimentos que futuramente possam retornar para a comunidade via políticas públicas”.

História de avanços

A Ufal foi a primeira do Brasil a ter um Centro de Estudos Afro-Brasileiros (Ceab), criado em 1980, durante a Semana Zumbi, evento realizado na Serra da Barriga. “Foram os pesquisadores deste centro de estudos da Ufal que construíram as justificativas sociais e científicas para que a Serra da Barriga, sede do antigo Quilombo dos Palmares, fosse tombada e se transformasse em um dos primeiros patrimônios imateriais da cultura brasileira, hoje também patrimônio do Mercosul”, contextualizou Rosa Lucia Correia, vice-coordenadora do Neabi.

Três anos mais tarde o Centro se torna Neab, com sede em Maceió. E até colocar a Ufal como uma das três instituições pioneiras no desenvolvimento das ações afirmativas com a implantação do sistema de cotas, foram 20 anos de luta e resistência.

“Desde então, o Núcleo se tornou uma referência regional para as discussões das ações afirmativas, sempre atuando para a ampliação das políticas institucionais para negros. Foi assim que, nos anos de 2018 e de 2019, o Neab dá à Ufal, mais uma vez, uma posição entre as pioneiras em implementar o sistema de cotas na pós-graduação e instituir as bancas de heteroidentificação, procedimento complementar à autodeclaração étnico-racial para evitar fraudes nas cotas”, destacou a professora Rosa.

Com a pandemia, as bancas passaram a ser realizadas de forma virtual, para não prejudicar os candidatos que se submetem aos processos seletivos e concursos públicos da Ufal. O sistema já é modelo para outras universidades da região Nordeste.

Vários cursos e eventos com temáticas étnico-raciais são promovidos pelo Núcleo, como exemplo destaca-se: Negras Conexões, Abril Indígena, Novembro Negro, Conferência sobre o Dia da África e o Seminário Neabi Ufal: 40 anos de aquilombamento. No formato virtual, foi possível reunir pesquisadores e expectadores de vários lugares. As discussões também ampliaram para debates decoloniais, feministas e LGBT+.

São muitas temáticas para difundir, aprender e reproduzir com consciência. Nesses quase 41 anos dedicação às ações afirmativas, cada gestor que passou pelo Ceab, Neab ou Neabi deixou sua marca de contribuição. Zezito Araújo (anos 1980 e 1990), Moisés Santana, Clara Suassuna (anos 2000), Lígia Ferreira (2016-2020), Rosa Lucia Correia e, atualmente, Danilo Marques segue nessa construção diária por representatividade e direitos.

Todos os Núcleos, dos quatro campi da Ufal, estão empenhados na missão de avaliar a primeira década da Lei de Cotas (nº 12.711/2012) e preparar os dados das ações afirmativas da Ufal para tornar públicos. É a via para que os pesquisadores e a sociedade conheçam, preservem e respeitem.