Assentados, agricultores e extrativistas são diplomados pela Ufal

Foram 24 jovens e adultos que fizeram parte da primeira turma do curso de Agroecologia do Pronera

Por Simoneide Araújo - texto e fotos
- Atualizado em 16/04/2025 16h27
Auditório da Reitoria da Ufal com familiares, amigos e novos profissionais cheios de esperança e sonho realizado
Auditório da Reitoria da Ufal com familiares, amigos e novos profissionais cheios de esperança e sonho realizado

Sob aplausos e olhos marejados, 24 pessoas do campo, cada uma com histórias de vida distintas, ganharam um novo capítulo na última quinta-feira (10). Numa cerimônia cheia de emoção, a Universidade Federal de Alagoas (Ufal) entregou esses novos profissionais à sociedade. A colação de grau da turma, a primeira do curso de bacharelado em Agroecologia, celebrou não apenas a conclusão de uma etapa acadêmica, mas a realização de um sonho coletivo: o de ver o saber do campo reconhecido, valorizado e transformado em ciência.

Todos quilombolas, assentados da reforma agrária, agricultores e extrativistas jovens e adultos, enraizados no meio rural e na luta camponesa, vindos dos municípios alagoanos Major Izidoro, Flexeiras Atalaia, Paripueira, Piaçabuçu, Viçosa, Girau do Ponciano São José da Lage, Junqueiro, Batalha, São Luís do Quitunde. Também tem graduados de Santa Maria da Boa Vista-Pernambuco e de outras cidades dos estados da Paraíba, do Rio Grande do Norte e do Ceará.

A solenidade, presidida pelo reitor Josealdo Tonholo, que ressaltou a importância da educação para transformar a vida das pessoas por meio do conhecimento, também teve a participação de muitos convidados da comunidade universitária, da sociedade e órgãos parceiros, como o Incra. A mesa de honra foi extensa e representou o apoio da Universidade à luta das comunidades do campo e o incentivo à produção sustentável. Além de representantes das pró-reitorias, também se fizeram presentes a coordenadora da área de educação do MST em Alagoas, Marcela Nunes, a professora do Centro de Educação da Ufal e do Pronera, Sandra Lira, e o professor Elton Lima Santos, representante do Campus de Engenharias e Ciências Agrárias (Ceca), que abriga o curso de Agroecologia, e o coordenador Rafael Ricardo Vasconcelos Silva.

Esses profissionais fizeram parte do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), mantido pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que viabilizou em 2018, em parceria com a Ufal, um curso superior de Agroecologia, à época inédito no Brasil. É a primeira graduação da Ufal voltada exclusivamente à população do campo e a primeira turma de bacharelado em Agroecologia do Pronera em todo o país. Uma conquista histórica, construída com os pés na terra e os olhos no horizonte, que simboliza o compromisso com a justiça social, a educação libertadora e a soberania alimentar.

“Uma noite histórica para a reforma agrária e para a educação no campo. Celebramos essa conquista incrível, um momento de grande alegria e realização para todos nós. Nossa turma é um exemplo de diversidade e união e, durante seis anos, fomos resistência, luta, sonhos e realizações. Para chegarmos aqui tivemos muita ajuda. Quero agradecer ao Incra por criar o Pronera, à Ufal, que abriu as portas para nossa turma, aos professores e professoras por toda dedicação”, declarou o orador da turma, Victor Teixeira do Monte, em seu discurso.

E continua: “Agradeço ao Campus de Engenharias e Ciências Agrárias, que foi nosso lar nos últimos anos, e aos movimentos sociais, em especial o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, que nos inspirou e nos apoiou ao longo do curso e foi fundamental para nossa formação. A luta pela reforma agrária, a defesa dos direitos dos agricultores familiares, a luta pelo acesso à educação e à promoção da agroecologia como uma alternativa sustentável à agricultura convencional são apenas alguns exemplos de como os movimentos sociais podem fazer a diferença. Vida longa ao MST”.

A cerimônia de colação de grau foi cheia de emoção e homenagens, principalmente ao professor que deu nome à turma in memoriam, Rafael Navas. “Ele foi pioneiro em nossa turma e sempre nos incentivou com palavras, cuidado e muito amor”, declarou o orador.

Cada diploma entregue carregava o valor do conhecimento e o compromisso com um futuro mais justo e sustentável para as pessoas do campo. Gerson Justino, do assentamento Leonardo Silva, em Ceará-Mirim, no Rio Grande do Norte, falou como o curso mudou e o que ainda vai impactar sua vida a partir dessa formação na Ufal: “Para mim e para nós assentados é muito importante ter uma forma de manter o homem do campo no campo. É uma forma de nós, agricultores, camponeses, podermos ajudar o próximo também. Porque hoje uma das dificuldades da reforma agrária é ter acesso à assistência técnica, e, agora, nós vamos ter um bacharel em agroecologia no próprio assentamento. Nossa comunidade tem 25 famílias e era uma antiga área de plantação de mamão, de uma exportadora de mamão que usava muito produto químico. Então, eu trabalhei no TCC [trabalho de conclusão de curso], junto com a comunidade do assentamento, uma forma de nós fazermos a transição do convencional para produzir de forma agroecológica”.

O jovem Justino celebrou a conquista de estar formado e graduado. “Essa formatura, para nós, é uma prova de nossa resistência porque foram quase sete anos. Começamos em 2018, depois veio a pandemia, a morte do nosso coordenador, o professor Rafael [Navas], também perdemos a coordenadora do curso, Silvana Soares. Enfim, foi um longo caminho para chegar até aqui. Eu sou do MST, fico muito feliz porque, primeiro, agradecer a luta do movimento social, a luta do MST, que é um movimento muito importante para nós”, reforçou, ao declarar: Nós precisamos nos preocupar com a educação, porque o conhecimento que ninguém tira é o saber. Nós, formados, vamos levar para nossas comunidades uma bagagem de conhecimento. Conhecimento para comprovar para os demais companheiros que é possível produzir de forma agroecológica, sustentável; que é possível produzir alimento para nossa subsistência, mas também para doar para os demais companheiros que realmente precisam, e mostrar para o agronegócio, que acaba destruindo o nosso planeta, que a agroecologia vem se contrapondo esse sistema. E para nós é esse desafio”

Quem também se graduou foi a extrativista Rita Ferreira, de Piaçabuçu-AL, cidade da Foz de Rio São Francisco, que celebrou a conquista de se formar no ensino superior. “Esse momento, para mim, é a realização de um sonho de, aos 40 anos, conseguir terminar o ensino superior pelo Pronera. E isso foi o diferencial para eu poder chegar nesse momento aqui. Sou extrativista, já fui presidente de associação, faço parte do Comitê da Bacia de São Francisco. Represento as comunidades tradicionais dentro do Comitê, e foi nele que conheci o jornalista e ambientalista Anivaldo Miranda, que veio hoje celebrar essa conquista junto comigo. Lutamos juntos em defesa do São Francisco. Sou ribeirinha e sobrevivo do rio. Sou extrativista do Cambuí, da Aroeira e do Ingá”, contou.

Ela se orgulha de ser mulher, que trabalha com o extrativismo, e é dele que tira o sustento da sua família. “Faço a coleta das frutas de lá da foz, mas de forma sustentável. Por isso que quando surgiu o curso, o edital para este curso, fiz a minha inscrição e hoje estou aqui, seis anos depois, enfrentando muitas dificuldades, mas, enfim, estamos aqui nessa noite maravilhosa. Isso é a conclusão do sonho de muitos, de muitas famílias”, contou, orgulhosa, a mãe de três filhos e avó de uma netinha de 6 anos.

Rita disse que sua conquista de entrar em uma universidade pública inspirou seu filho de 19 anos. “Sou mãe e sou avó e toda minha conquista inspirou meu filho a também fazer um curso superior. Ele está na Universidade Federal de Pelotas, no Rio Grande do Sul, cursando Medicina Veterinária também pelo Pronera. Então, assim, a minha garra, a minha inspiração de fazer esse vestibular fez com que também meu filho tivesse também a vontade de dar continuidade ao sonho. Muitas das vezes eu pensei em desistir porque tive muitas dificuldades, mas não fiz isso. Eu inspirei o meu filho e muito orgulha que eu vou ter um filho doutor”,

Marcela Nunes, coordenadora na área de educação do MST em Alagoas, participou da solenidade como convidada e falou sobre o que essa formatura de 24 bacharéis em Agroecologia representa para as comunidades do campo, muitos de assentamentos da reforma agrária. Esse momento representa uma conquista muito grande, principalmente num estado em que o coronelismo atuou durante muito tempo, em que a universidade também era área de domínio da burguesia, da elite. E, agora, a gente conseguiu ocupar esse espaço, a universidade, e conseguir profissionais que conseguem pegar os nossos métodos, as nossas metodologias, os nossos modos de produção, que a gente vem desde as origens e melhorando e qualificando elas e passando para os nossos assentados, divulgando para as nossas áreas e podendo melhorar e propagar ainda mais o conhecimento na produção. É uma luta e uma conquista muito grande”, declarou.

E reforça: “A gente vai conseguir, agora dar uma melhorada, aproveitar o conhecimento que o povo já tem, porque nosso povo, ele nasceu na roça, então eles sabem da produção, mas a gente pode trazer os conhecimentos para a melhoria e o aumento dessa produção. Então, esses profissionais graduados vêm para beneficiar, para aumentar, para melhorar a nossa produção, para beneficiar o que é possível na produção. E aí, com certeza, é mais qualidade. E melhorar a qualidade de vida das pessoas também. Então, a gente tanto beneficia a cidade como eles se beneficiam no campo também.”

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