Musicalização infantil da Ufal difunde música como ciência, arte e linguagem
Projeto de extensão já expandiu suas aulas para outras possibilidades, como ukulele e coral de crianças
- Atualizado em 30/05/2025 20h08

Os objetivos do curso de graduação em Música da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) são puramente didáticos, pedagógicos e musicais. A música não é pensada enquanto ferramenta para desenvolver outras habilidades. É pensada enquanto ciência, arte e linguagem. Com esse olhar, o grupo do Laboratório de Pesquisas e Práticas em Educação Musical (Lappem), que busca integrar a prática e a teoria do ensino com a extensão e a pesquisa, promove o curso gratuito de Musicalização Infantil aberto à comunidade, que acontece no Espaço Cultural, instalado no Centro da capital.
Trabalhar música com crianças traz benefícios extras musicais, relacionados à motricidade, concentração, socialização, neuroplasticidade, conexões das sinapses, entre outros. No entanto, esses não são os objetivos do curso de Musicalização Infantil. “Nosso foco é o desenvolvimento musical. Claro que, muitas vezes, quando a gente faz uma atividade com a música, trabalha coordenação motora, equilíbrio, conceitos de dentro e fora, alto e baixo, mas esse não é o foco. Isso acontece por trás dos objetivos pedagógicos musicais. No nosso caso, a música é o principal. Não é apenas uma ferramenta. Ela é tudo! E o restante acaba se tornando uma consequência”, esclareceu Ziliane Teixeira, coordenadora do curso de licenciatura em Música da Ufal e do Lappem, vinculado ao CNPq.
Acontece que o poder da música é tão intenso que essa atividade de extensão contribui para despertar e desenvolver a percepção e a produção musical das crianças, promover uma maior interação entre comunidade e universidade, além de transmitir o conhecimento musical por meio do canto, de jogos musicais, de movimentos, de improvisação, de execução musical e de brincadeiras. E não para por aí. A musicalização infantil auxilia para desenvolver a percepção musical e as relações sociais afetivas das crianças, instiga a criação espontânea, amplia o repertório musical dos pequenos e pequenas participantes.
Essa ação do Lappem se alinha com os projetos da Ufal, com a questão de a educação universitária estar comprometida com a qualidade na formação dos alunos da instituição, no caso, os discentes da licenciatura em Música; os professores em formação, mediante a conscientização crítica dos processos sociais, do exercício da cidadania e a necessidade de articulação entre a graduação, o ensino, a extensão e a pesquisa.
Deste projeto, participam oito alunos voluntários e uma bolsista, todos do curso de Música que atuam como monitores, instrutores e pesquisadores. Universitários de outras graduações, que desejarem atuar no curso de Musicalização Infantil como Psicologia, Educação Física, especialmente, Pedagogia são bem-vindos. Ziliane é explícita sobre o desejo da ampliação. No entanto, reconhece que o fato de funcionamento da graduação de Música ser na parte baixa da cidade e os demais na parte alta, atrapalha um pouco no que diz respeito a concretizar a questão multidisciplinar. A licenciatura em Música possibilita a formação para a musicalização com disciplinas específicas de Fundamentos de Educação Musical, Didática da Musicalização, entre outras, que ajudam nesse preparo, o que funcionaria como um espaço de um laboratório prático para alunos de outras graduações.
Chegou para ficar
A aprovação de um edital pelo Programa de Fomento a Atividades Extensionistas (Profaex) da Ufal, em agosto de 2023, que teve validade até dezembro de 2024, viabilizou a realização do curso de Musicalização Infantil. “Essa atividade continua neste ano de 2025 independente da renovação ou não do Profaex. Os cursos de Musicalização Infantil são algo que chegou para ficar”, afirmou Ziliane.
São ofertadas duas turmas, sendo uma com alunos de 2 e 3 anos de idade, e outra de 4 e 5 anos. Cada turma tem entre 15 e 20 crianças. Os cursos são gratuitos, o período de inscrição é divulgado nos canais oficiais e a seleção, normalmente, é feita por ordem de inscrição. Com a chancela da Ufal, as vagas para os cursos são bem disputadas e costuma ter lista de espera.
As aulas acontecem semanalmente com duração em torno de 50 minutos, em um período total de 20 semanas. As crianças com 2 e 3 anos de idade são acompanhadas por um responsável. As maiores ficam apenas com os professores e monitores do projeto. O aluno ou a aluna concluinte de cada ciclo tem prioridade para continuar, mas sempre há novas vagas sendo abertas.
As crianças são envolvidas em um universo sonoro antes mesmo do nascimento. Quando nascem, vivem a experiência das canções de ninar e brincadeiras. Por isso, no curso de musicalização, o que já faz parte do universo dos pequenos e pequenas é transformado em uma forma mais didática com um direcionamento pedagógico. São aulas dinâmicas, lúdicas, a partir da vivência musical, com atividades variadas, trabalhando músicas com gestos e movimentos, com percussão corporal e acompanhadas de instrumentos de percussão.
Produção de artigo
Como o projeto trabalha com a perspectiva da extensão e da pesquisa científica, a proposta dos integrantes é produzir um artigo sobre essa experiência. Para isso, alguns pais das crianças participantes do curso foram entrevistados sobre como eles têm percebido a musicalização nos filhos na questão social e o próprio interesse pela música, pelos instrumentos, por ouvir música e estar nas aulas. “A gente vê que já tem apresentado resultados pelos relatos dos pais e mesmo notando o desenvolvimento das crianças, principalmente, as que já estão conosco há mais de um ano. Conseguimos notar o desenvolvimento de noção de ritmo, de pulsação, de timbre, de andamento, de alturas dos sons. Tudo isso através das brincadeiras cantadas, das músicas, da ludicidade da maneira como a gente trabalha as crianças”, explicou a coordenadora.
As duas filhas de Mikaelle participam do projeto. Sofia, hoje com 5 anos, começou as aulas na primeira turma, no ano passado. Na oportunidade, Cloe, a filha mais nova, ainda não tinha um ano de idade, mas já acompanhava a irmã e acabava usufruindo do repertório das aulas como ouvinte. “Amo o projeto, pois tem ampliado o repertório cultural das meninas. Elas estão também deixando o ouvido mais sensível porque aprendem sobre os instrumentos e o projeto auxilia até na alfabetização, porque vai cantando rima e trabalhando algumas onomatopeias, fonemas”, destacou a mãe, entusiasmada.
Mikaelle destaca ainda a importância da participação da família e o quanto, principalmente a filha mais nova, ama todos os encontros. “Sou muito grata pelo projeto de extensão. As crianças têm toda exposição aos estímulos sonoros e a turma também é muito completa com o apoio dos monitores que permitem com que as crianças tenham uma atenção maior”, comentou.
A professora Emanuela Rodrigues, mãe da Manuela Maria, 3 anos, participante desse curso de extensão universitária desde agosto de 2023, afirma que a atividade tem se mostrado a cada fase mais dinâmica, mais inclusiva e desenvolvendo novas etapas que contribuem ainda mais para a evolução das crianças, como, por exemplo, a integração com os ritmos, o conhecimento dos instrumentos e a possibilidade de os pequenos e pequenas criarem vínculos com outras crianças. “O curso de musicalização oferecido pela Ufal é, sem dúvida, de uma importância muito grande para as crianças porque promove um momento de socialização, de integração, de desenvolvimento a partir da música sobre todos os aspectos. As crianças não têm acesso a esses momentos em outros lugares ou em outras situações”, ressaltou.
Metodologia
O curso de Musicalização Infantil não segue uma única metodologia. Entre algumas aplicadas, destacam-se a Josette Feres e a Keith Swanwick. A primeira, é uma musicista brasileira, já falecida, que desenvolveu a musicalização com bebês. Nessa linha, as aulas buscam seguir uma rotina com a canção inicial, atividades diversificadas, músicas com gestos, com instrumentos, sem instrumentos, brincadeiras de roda e parlendas. E há um relaxamento no final.
O segundo é outro educador musical, um britânico. A abordagem fala da integração entre composição, apreciação, performance, técnica e audição, denominado Clasp, do idioma original inglês. Os cinco elementos musicais são incluídos nas aulas a fim de que o aluno seja protagonista do fazer musical. Com isso, a criança tem pleno desenvolvimento na música, ou seja, não apenas reproduza. “Tentamos permitir essa questão da improvisação dos alunos, a composição. Temos momentos de apreciação, de histórias sonorizadas, de escuta”, afirmou Ziliane, ao completar que, além disso, é feita uma roda de instrumentos na qual cada semana um graduando, uma graduanda ou docente do curso de Música toca um instrumento para as crianças. Uma oportunidade de apresentar outras possibilidades musicais.
Na faixa etária dos 2 a 5 anos, não é ensinada teoria musical. As crianças aprendem alguns conceitos musicais, principalmente, os parâmetros do som (grave, agudo, longo, curto, forte, fraco, em silêncio) e timbres. Ziliane explica que os conceitos são trabalhados a partir da escuta ativa e da parte prática, por meio de músicas, brincadeiras, gestos, de questões onde vai movimentar o corpo, mas não é teorizado porque são muito pequenos.
Os instrumentos utilizados pelas crianças são basicamente de percussão, a exemplo do triângulo, caxixi, chocalho, pandeiro, ganzá, castanholas, tambores, xilofone e metalofone. Já os professores utilizam violão, ukulele e teclado como recursos nas atividades musicais. Além dos instrumentos, outros objetos são utilizados na aplicação das atividades, como varetas, bambolês, bolas e tecidos.
O curso de Musicalização Infantil tem crianças neurodivergentes, a exemplo de Transtorno do Espectro Autista (TEA) e Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), mas o foco não é terapêutico. É a musicalização, a educação musical. “Elas são bem-vindas e, desde a primeira edição, tivemos crianças neurodivergentes participando junto do projeto”, disse Ziliane.
Expansão
A assinatura de um acordo de cooperação técnica entre a Ufal e a Sociedade Monte Pio dos Artistas viabilizou, neste ano de 2025, um polo de pesquisa e extensão no município de Penedo. Trata-se de um acordo proposto a partir da graduação em Música, por meio do grupo de pesquisa do Centro de Musicologia de Penedo (Cemupe), liderado pelo professor Marcos Moreira. O Cemupe é um grupo de pesquisa registrado no CNPQ, vinculado ao curso de licenciatura em Música da Universidade, e que, há 15 anos, desenvolve pesquisas na área de educação musical, musicologia, composição e análise.
Com o acordo de cooperação técnica, o Lappem irá colaborar com uma turma de Musicalização Infantil na Sociedade Monte Pio dos Artistas, assim como outros projetos de extensão do curso de licenciatura.
O curso de Música j´expandiu as ações para outras atividades. No início, foram apenas as turmas de Musicalização Infantil. Em julho de 2024, começou uma turma de ukulele, direcionada a crianças de 7 a 10 anos, e o coral infantil, com crianças de 6 a 10 anos. Isso representa um aumento significativo na oferta de vagas.
Segundo Ziliane, a pretensão para aumentar o núcleo infantil é real. Provavelmente, inserir flauta doce, futuramente teclado e outros instrumentos. No entanto, isso esbarra na questão financeira. Os alunos que estão à frente das turmas de ukulele e canto coral não recebem bolsa, apesar de estarem totalmente à frente desses projetos.
“O que os levam ao voluntariado é apenas a busca pela experiência e a paixão de fazer o que gostam. O projeto tem sido um espaço formativo para os futuros docentes, para os licenciados, e tem cumprido seu papel junto à comunidade porque, além das questões que dizem respeito ao âmbito musical, que obviamente é o mais importante, tem corroborado na interação e no desenvolvimento das crianças, tanto no aspecto social quanto pedagógico”, ressaltou a coordenadora do projeto.