Rede de sementes e viveiros em Alagoas vai garantir sustentabilidade
É a quarta do Nordeste e é resultado da união da Ufal com vários parceiros
- Atualizado em 03/07/2025 14h45

A criação da Rede de Sementes e Viveiros Florestais de Alagoas (Rede Craibeira) é uma iniciativa da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e vai articular todos os atores que trabalham com restauração florestal ou na cadeia produtiva da restauração. O lançamento da rede aconteceu em setembro de 2024, na sede do Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA), um dos parceiros do projeto. A rede pretende garantir a sustentabilidade dos recursos naturais e florestais do estado, resultado do trabalho da Ufal que une ensino, pesquisa e extensão.
A ideia para a criação da rede surgiu a partir de discussões sobre a necessidade do fornecimento de sementes e mudas, tendo como precursoras as professoras Marília Grugiki, engenheira florestal do Campus de Engenharias e Ciências Agrárias (Ceca); e Flávia Barros, docente do Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde (ICBS) e coordenadora do Centro de Referência em Recuperação Áreas de Degradadas (Crad), localizado na Ufal, no Campus A.C. Simões, em Maceió. A parceria para tornar concreta a rede envolve o IMA e outros órgãos ambientais ou agrários responsáveis por demandas sobre a temática: a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (Semarh), o Ministério de Desenvolvimento Agrário e de Agricultura Familiar (MDA), o Ibama e a Embrapa, dentre outros.
Em julho de 2024, a professora Marília procurou Flávia para saber se o Crad dispunha, oficialmente, de alguma rede de sementes e mudas. “O projeto, em termos de articulação da rede Craibeira, começou em julho. No entanto, tanto eu quanto a professora Flávia, estamos há um tempo, de certa forma, participando de discussões e de projetos de extensão para capacitar os produtores rurais ou os membros de comunidades tradicionais nesse processo de coleta de sementes e produção de mudas”, explicou a docente do Ceca.
O Crad atuará no suporte científico e pesquisa. Os viveiristas e o mercado vão obter os insumos. Para a professora Marília, a articulação de Flávia foi fundamental no processo. “A professora Flávia tem vasta experiência na área, e uma atuação muito relevante no meio acadêmico, científico e político. O papel dela enquanto docente, pesquisadora e coordenadora do Crad tem sido fundamental nas articulações”, destacou.
São vários os atores na rede de sementes e viveiros. Os coletores de sementes serão integrantes de comunidades rurais e tradicionais. A rede realizará uma intensa capacitação para que os coletores consigam fazer, de forma técnica e satisfatória, a coleta das sementes que serão armazenadas no Crad para análise. Existem leis e portarias que exigem a realização de análises das sementes para determinar parâmetros de viabilidade, germinação e se são sementes sadias. Após os estudos, pesquisas e testes, os lotes de sementes serão direcionados para a comercialização, abrangendo diferentes fins, como produção de mudas e até mesmo biojoias.
Além dos atores mencionados, algumas associações devem se organizar para representar as comunidades. O Crad vai representar o Campus A.C. Simões e o Ceca. Além disso, outras empresas e organizações não governamentais também poderão participar. A participação do IMA, da Semarh e de outros órgãos contribui também na parte de formação e de subsídio econômico e legal. A Ufal e o IMA estão articulando uma instrução normativa para que 50% das mudas adquiridas nos processos de compensação ambiental seja dos viveiros que fazem parte da rede –já são seis iniciais–, mas a ideia é ampliar.
Como Grugiki trabalha com restauração florestal, ela pode afirmar com precisão sobre a dificuldade quando se precisa de sementes ou de mudas, independente da finalidade, seja para restauração, educação ambiental ou arborização urbana. Segundo a professora, em Alagoas, são poucos os viveiros comerciais regularizados e que vendem mudas nativas, tanto da Mata Atlântica quanto da Caatinga.
Boas matrizes
Vários fatores influenciam no processo de qualidade e viabilidade das sementes, a exemplo do material utilizado para a embalagem do produto, a época de coleta, se foi coletada na árvore ou não, se já estava na serapilheira, o tipo de beneficiamento e de secagem da semente. Grugiki fala sobre a necessidade de escolher boas matrizes para a coleta das sementes e não de indivíduos aleatórios. De acordo com ela, é preciso antes observar algumas características relacionadas ao fenótipo das espécies e às características genéticas. Por isso, a equipe tem professores pesquisadores voltados para o estudo da genética de populações de espécies florestais.
O trabalho da equipe respeita as características das espécies na hora da coleta, pois existe semente que precisa ser coletada ainda no indivíduo, depois do ponto de maturação. Outros tipos de espécies são menos exigentes e podem ser coletadas quando as sementes caem no piso florestal. Tem as que precisam ser armazenadas em ambiente refrigerado; outras, não.
O trabalho da rede vai utilizar sistemas de informações geográficas. Isso porque quando selecionadas as matrizes, é importante ter as suas coordenadas geográficas para encontrá-las novamente em campo. “Podemos fazer o monitoramento desses fragmentos por drone. Hoje em dia, existem várias técnicas que a gente consegue visualizar e obter informações de vários aspectos ecológicos com imagens de satélites ou de drones”, explicou.
Existem várias redes no Brasil como um todo. Na região Nordeste, há outras três redes, sendo duas no sul da Bahia e uma em Petrolina-PE. “O que demonstra a necessidade de articular a rede de sementes e viveiros florestais aqui em Alagoas, onde existe uma quantidade elevada de áreas a serem restauradas e muitas demandas na arborização urbana. Inclusive, Maceió está elaborando o Plano Municipal de Arborização Urbana, o que demanda, também, mudas de espécies nativas de qualidade”, comentou Grugiki.
A rede em Alagoas terá sementes coletadas em diferentes regiões do estado, da Mata Atlântica e da Caatinga. “Isso vai aumentar a biodiversidade genética das espécies, o que é excelente”, comemorou a docente. Para fazer restauração, é preciso ter sementes e mudas de qualidade, elevada diversidade genética e em grande escala, e o estado tem essa lacuna. Ela compartilha a experiência de vários colegas que trabalham com restauração em empresas do setor privado ou por meio de consultoria ambiental que não conseguem encontrar sementes e mudas em Alagoas. “Inclusive, existe hoje uma técnica de restauração que tem sido muito utilizada, que é a própria semeadura direta, ou seja, eu restauro áreas apenas fazendo lançamento, ou seja, lançando sementes. É lógico que isso vai depender de características das áreas e das paisagens do entorno. Então, de todos os setores, arborização urbana, educação ambiental, mercado florestal mesmo, a pesquisa, tenho certeza que a restauração florestal é a área que mais será beneficiada e impactada”, ressaltou.
Relacionamento com a floresta
O principal parceiro na rede são as comunidades tradicionais indígenas, quilombolas, outras organizações de comunidades tradicionais e assentados. O trabalho na rede é exatamente contar com essas pessoas. “A gente sabe que essas populações têm uma forma de se relacionar com a floresta de uma maneira muito diferente dos centros urbanos. Então, o nosso principal elemento são essas comunidades que fazem a coleta e a produção de mudas. Até porque essas áreas de fragmentos florestais estão inseridas dentro dessas comunidades”, observou Grugiki, ao reforçar que estudos provam o aumento de área com cobertura florestal e a preservação, após a ocupação de uma determinada área ou por comunidade indígena, quilombola ou assentados.
As comunidades inseridas na rede poderão fazer da coleta de sementes uma fonte de renda. Há exemplos de coleta de sementes, por meio das redes, que tem garantido a sustentabilidade econômica de diversas comunidades. Além disso, há os benefícios sociais, entre eles o de permanência das pessoas no campo nas comunidades. “Existe um movimento de saída de jovens das comunidades rurais e tradicionais por falta de oportunidade, e a rede vem também com o propósito de impactar social e culturalmente a vida dessas comunidades, dando oportunidades diversas para que os jovens permaneçam nesses locais”, destacou.
Os benefícios da criação da rede podem resultar até em melhoria da saúde, ao considerar relatos de pessoas que estavam doentes emocionalmente. De acordo com Grugiki, o envolvimento delas nessas redes contribuiu para uma significativa melhora, e destaca também como ponto positivo a questão do pertencimento das comunidades nas áreas em que residem.