Sou Ufal: Conheça a história da professora Gabriela Costa
Angolana veio ao Brasil para fugir da guerra, fez do país seu abrigo e da Ufal, sua casa
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Rosiane Martins – estudante de Jornalismo
A Universidade Federal de Alagoas presta mais uma homenagem a todas as mulheres que fazem parte do seu quadro de servidoras. Além da exposição Sou Mulher, Sou Ufal! e de toda programação especial elaborada para celebrar este mês, o Portal do Servidor apresenta, agora, uma história de superação: Gabriela Costa, professora da Faculdade de Letras (Fale), criada na Angola, veio ao Brasil para fugir da guerra, fez do país, seu abrigo e da Ufal, a sua casa. Confira abaixo.
“Gabriela é daquelas pessoas que tem doçura e força. Que por ser extremamente inteligente é a distração em pessoa e, claro, nos lança “pérolas” que só ela seria capaz de fazer. Mulher absolutamente incrível, deixou o seu “chão”, atravessou uma guerra, refez a vida. Várias vezes. Por vários motivos. Ela é a tradução do que é recomeçar". Essas foram as palavras escolhidas por Irina Costa, filha de Maria Gabriela Cardoso Fernandes da Costa ou Gabi (como é carinhosamente chamada) para definir a mãe.
Nascida em Portugal, no ano de 1947, Gabi foi criada em Angola onde cursou Letras na Faculdade de Filologia Românica com base no Francês feito na Universidade de Luanda (1974). Por um bom tempo teve que conviver com uma guerra que existia desde o ano de 1961 e acontecia, praticamente, no quintal de casa.
E foi o desejo de recomeçar que a fez vir ao Brasil; país ainda desconhecido, mas que por um acaso da vida ou, por força maior do destino, veio morar. Na verdade, ela veio refugiar-se e deixar para trás as intempéries trazidas pela guerra que a faz conhecer o medo, a angústia e a solidão. “Eu e meu marido nos desencontramos, não sabia onde ele estava, nem se estava morto ou vivo. Um pesadelo sem fim. Nesse momento, meu irmão Sérgio que também morava em Angola, veio visitar o Brasil e gostou do que viu. Levamos em consideração o fato de a língua ser o português, o que facilitaria muito e resolvemos vir pra cá. Chegamos na véspera de Natal, um amigo do meu irmão alugou uma casa para nós na mesma rua onde morava. Ele nem nos conhecia e mesmo assim nos convidou para passar o Natal”, relembrou.
Recém-chegada, conta que ficou encantada com a hospitalidade das pessoas, mas não esquece as lutas que enfrentou. “Cheguei aqui com a mão na frente outra atrás, não sabia onde estava meu marido, não tinha emprego e minha filha era muito pequena. Irina nasceu em Angola, ouve falar, mas não conhece. De início, achei tudo uma confusão, uma desordem no trânsito, não sabia por onde andar. Às vezes fico revoltada e penso: se pudesse, iria embora. Mas, a familiaridade me recebeu de braços abertos. Não trocaria o Brasil por nada”, relatou.
Apesar da chegada apreensiva e de todos os medos que pairavam, Gabi fez amizades e contatos e em 1977 começou a trabalhar como professora de francês. Em 1979, virou professora colaboradora da Universidade Federal de Alagoas e foi aí que começou sua trajetória na Ufal, uma parceria que já dura mais de 30 anos.
"Em 1980 fiz o concurso, passei e virei professora efetiva. Eu digo que a Universidade foi um dos meus portos de abrigo. Durante esses anos todos fui madrinha de casamento de aluno, comecei a me dedicar a extensão, dei cursos, palestras… Esse é o meu chão, em especial a relação que tenho com meus alunos; trato todos pelo nome", destacou.
Gabriela conhece a Ufal como poucos e vivenciou cada transformação. O lugar que ela fez de casa cresceu. "Eu tenho saudade de antigamente, a Ufal não era tão grande, não tinha tanta gente, a Universidade expandiu. Eu tenho saudade de quando não tínhamos tantas facilidades, computadores, datilógrafos, hoje tudo é mais moderno, o que é muito bom, mas a proximidade com as pessoas muda", ressaltou.
Na Ufal, Gabriela participou de eventos importantes como a criação da Casa de Cultura. "Em 1987, o coordenador do curso de Letras e o Pró-reitor de Extensão, Salomão de Barros Lima, nos desafiou a criar as Casas de Cultura e o Fórum das Nações. Na época, só havia a Casa de Cultura Britânica [CCB]. Colocamos aulas de espanhol e alemão," relembra.
Para ela, ser Ufal é saber aceitar desafios. “É ter que, todos os dias, aprender com as dificuldades. O Brasil foi minha grande experiência, mas a Ufal, sem dúvida, minha lição de vida, aprendi a lhe dar com pessoas, a enfrentar obstáculos e tive meus aprendizados”, concluiu Gabriela.
Ensinar
“Todos os dias aprendo a ensinar e os meus alunos a aprender. É uma troca. Têm que driblar as dificuldades. Queria estudar línguas, o meu pai dizia: só não trabalha para ser professora. Mas, não teve jeito eu sempre quis ensinar. Meu ofício é sobre tudo respeitar, se não respeitamos os alunos, não conseguimos ser respeitados, sempre procurei conhecer cada um e suas dificuldades”, diz a professora.
Brasil
“Eu brinco que sou trinacional: uma mistura de Angola, Brasil e Portugal. As raízes herdadas são fortes, Angola durante muito tempo foi um paraíso. Lá, eu fui feliz. Depois, transitei nas duas culturas, cresci entre o fado e o batuque. Eu sinto uma brasilidade, essa maneira mais afável. Aqui foi meu porto, abrigo”, salientou Gabriela.
Guerra
Uma lembrança? Momentos difíceis. “Depois que fugi da guerra, nunca mais voltei a Angola”, disse ela. No início deste mês Gabi realizou mais um sonho: escrever um livro contando um pouco de si mesma, suas lutas, conquistas e das experiências que a vida trouxe .
"[…] Fujam! A palavra de ordem era fugir… Por isso os homens corriam, as mulheres rezavam, as crianças eram juntas como gado. Um cheiro de guerra ficou ali para sempre! O som da morte passou a ser nosso vizinho mais próximo! E eu perguntava-me quando é que íamos parar de fugir, quando é que íamos parar de ter medo![…]”
Hoje, temos a certeza de que ela não tem mais medo.