Professora integra projeto que capacita mulheres para atuarem na construção civil
Iniciativa busca ampliar participação feminina no setor
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Enxergar-se capaz de realizar determinado trabalho, mas não encontrar espaço para começar. Essa é a realidade de muitas pessoas diante da falta de oportunidades. No caso das mulheres, a tendência é ser ainda mais difícil por causa dos preconceitos que insistem em limitar a atuação delas.
A quantidade reduzida de mulheres nos canteiros de obras ilustra bem essa situação. Elas são a maioria da população, no entanto, são poucas as que ocupam vagas na construção civil, um dos setores que mais empregam. Em Maceió, um projeto da iniciativa privada, que buscou na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Ufal o apoio científico para sua execução, vem promovendo capacitações para ampliar a participação da mulher nesse setor.
“O projeto surgiu pela observação do mercado de trabalho, onde, nesse meio extremamente masculino, víamos mulheres se inserindo apenas na área administrativa, enquanto a mão de obra do canteiro permanecia sempre muito restrita aos homens”, explica a mentora da iniciativa, a engenheira e empresária Gessica Ferreira.
Ela conta que, observando as qualidades das poucas mulheres que trabalhavam em campo, foi encorajada a atuar nesse nicho do mercado. “Buscamos proporcionar oportunidades reais para que elas pudessem demonstrar seu potencial, pois muitas até buscaram uma capacitação participando de alguns cursos, mas não conseguiram a sonhada inserção no mercado”, relata.
Para efetivar o projeto, era preciso acompanhamento acadêmico. Por meio de indicação, a empresária chegou até a docente da FAU, Thaisa Sampaio Sarmento. “Mostramos a ideia e isso gerou uma identificação imediata da parte dela”, conta. A professora da Ufal integra o projeto como pesquisadora em Design e Inovação, atuando no desenvolvimento da metodologia de trabalho e na elaboração dos materiais didáticos a serem usados na capacitação. Thaisa destaca a importância dessa ação no sentido de ampliar a presença feminina nas diversas etapas da obra.
“Em Alagoas, não há dados consistentes sobre a inserção de mulheres na construção civil. Nota-se que apenas em funções de nível superior há inserções, como arquitetas, engenheiras, administradoras. Nas funções de trabalho direto nos serviços ainda são poucas e a área costuma ser de difícil inserção. Estamos atuando para mudar esse cenário, para uma maior inclusão de mulheres nesse mercado de trabalho”, ressalta a professora.
Gessica pretende, com essa iniciativa, contribuir para criar um ambiente de trabalho mais equilibrado entre homens e mulheres, onde todos tenham as mesmas oportunidades. “A mensagem que queremos passar vai além da área específica da construção civil. Queremos que a sociedade entenda que as diferenças existem e devem ser respeitadas, mas qualquer pessoa deve ter o direito de escolher a área em que deseja atuar, pois, quando o assunto é trabalho, as características que devem ser levadas em consideração são qualificação, competência, comprometimento, responsabilidade, e não apenas o sexo”, argumenta.
Promovendo capacitação
O projeto Dellas - Inovação social e tecnológica para inclusão de mulheres na construção civil tem como meta desenvolver um serviço inovador em engenharia e arquitetura de interiores com inserção social da força de trabalho feminina, promovendo a capacitação de mulheres para atuarem na cadeia da construção civil.
A ação é financiada pelo Programa Tecnova 2 - AL Fapeal/Secti/Sebrae-AL/FIEA/IEL (edital 05/2020), que busca apoiar a criação de bens, serviços ou processos inovadores de empresas brasileiras para o desenvolvimento dos setores econômicos considerados estratégicos para o estado e o país. São parceiros do programa o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MICT) e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).
Sarmento explica que, por meio do projeto, as mulheres participam de aulas teóricas e práticas, aprendendo conhecimento técnico para atuarem na execução dos serviços de engenharia, tais como alvenaria, acabamentos de superfícies, execução de piso e contrapiso, pintura, forro, texturas, que são os serviços básicos mais demandados pela empresa contemplada no edital, a Dellas Engenharia e Arquitetura. “Nossa meta é capacitar no mínimo 30 mulheres e absorvermos na própria empresa as que mais se destacarem nas atividades”, afirma Gessica.
No período de 8 a 12 de novembro de 2021, foi realizada a primeira capacitação com uma turma de dez mulheres que já atuam ou pretendem ingressar nas profissões do setor da construção civil. Na ocasião, elas aprenderam sobre serviços de pintura, construção de alvenaria, instalações elétricas e hidráulicas, entre outros. A participação na capacitação é custeada com recurso federal por meio do Programa Tecnova 2 – AL.
O Conselho de Engenharia e Agronomia de Alagoas (Crea-AL) é parceiro do Dellas. Na sede da entidade, são realizadas as aulas teóricas. A parte prática ocorre em obras que estão sendo realizadas pela empresa responsável ou por profissionais parceiros.
“Como não há um cadastro de mulheres que atuam em Maceió nesses serviços, a empresa convidou as que já trabalhavam em pequenos serviços para participar dessa primeira turma. Estas, por sua vez, convidaram outras que gostariam de começar a atuar no setor, mas não sabiam como iniciar ou não tiveram oportunidade dada por empresas já estabelecidas”, conta a professora da Ufal.
Outras turmas serão abertas em 2022. O projeto tem duração de 48 meses e será encerrado em julho de 2023. O contato para participar é com a empresa Dellas Engenharia e Arquitetura, com a arquiteta Nayane, responsável pelas inscrições. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (82) 98802.9160.
As ações do projeto podem ser acompanhadas no Instagram
Interessados em parcerias futuras podem enviar e-mail para dellasengenhariaearquitetura@gmail.com
Boas perspectivas para as mulheres na construção civil
O setor da construção civil é um dos maiores empregadores do país, por isso a importância de capacitar mulheres e gerar oportunidades de trabalho para elas nessa área de atuação. “Em 2020, o setor apresentou perspectivas de crescimento de 3%, com potencial para criação de até 200 mil postos de trabalho formais”, relata Thaisa Sarmento.
E acrescenta: “Alagoas fez parte do grupo de 12 estados nos quais a construção civil ocupou o primeiro lugar na geração de empregos, registrando a criação de 1.449 vagas com carteira assinada em 2020. Entretanto, essas vagas ainda são majoritariamente direcionadas para a mão de obra masculina que, somente em Maceió, emprega mais de 18 mil pessoas”, esclarece a docente ao citar dados da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC).
A professora informa que a empresa responsável pela execução do projeto também realizou uma pesquisa de mercado, em novembro de 2020, por meio de formulário eletrônico, sem identificar autores e participantes, questionando se os empregadores contratariam mão de obra feminina.
Foram obtidas 245 respostas. De acordo com os dados citados pela docente, entre os que responderam, 90,6% afirmaram, efetivamente, que contratariam mulheres para gerir, projetar e executar serviços de engenharia, arquitetura e afins em seus imóveis. Outros 5,3% afirmaram que contratariam para testar inicialmente e, depois, emitir opinião posterior. Enquanto 3,7% afirmaram que contratariam mulheres a depender do tipo de serviço. Apenas um dos respondentes deu resposta negativa para a pergunta, baseada no gênero do prestador do serviço. “Esses dados apontam uma abertura de mercado para a execução desse projeto e a grande chance de sucesso na implantação das inovações pretendidas”, afirma a pesquisadora da Ufal.
E justifica: “O mercado para as mulheres na construção civil cresceu cerca de 120% de 2006 a 2018, demonstrando um salto de 108.229 trabalhadoras registradas em 2007 para 239.242 em 2018. Nas construtoras, na maioria das vezes, as mulheres ingressam em cargos como engenheiras, arquitetas, técnicas de edificação e de segurança, devido à assiduidade feminina na educação, especialmente, na formação profissional superior”, explica a pesquisadora tendo como base os dados de 2006 e 2018 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Thaisa Sarmento aponta o cenário de mudança e a necessidade de iniciativas que promovam oportunidades de trabalho para as mulheres em locais até então com predominância masculina. “O momento atual no Brasil possibilita reflexões sobre o papel da mulher no mercado de trabalho formal. Historicamente, essas relações de trabalho são marcadas por desigualdades e assimetrias. Dados dos últimos 20 anos, mostram que este cenário vem mudando no sentido da redução das desigualdades”, enfatiza.