Professora do Cedu conta sua história de superação e luta pelos sonhos
Coordenadora da Pós-graduação do Centro de Educação, Dolores Fortes desde cedo aprendeu a conviver com as adversidades
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Nascida em Mata Grande-AL, quarta filha de uma família de migrantes nordestinos, que mudou para São Paulo na década de 1970, a professora Maria Dolores Fortes Alves, docente do Centro de Educação da Universidade Federal de Alagoas desde 2014, tem uma grande história de luta e superação. Hoje, após quatro livros publicados e 12 outras publicações em parcerias, ela ministra aulas na graduação, pós e em cursos de extensão, escreve artigos, livros e orienta estudantes de mestrado e doutorado. Mas, uma das maiores contribuições dela, enquanto pessoa humana e com deficiência física, é incentivar as pessoas a enfrentarem seus obstáculos e realizarem seus sonhos.
Escritora, palestrante internacional; pesquisadora e militante nas áreas de Educação, Formação de Professores e Inclusão, a professora Dolores se define como “sonhadora, resiliente e tenaz. Acredito muito em meus sonhos e sigo com muito ânimo! Sou autora de meus pensamentos e caminhos. Modelo minha vida com arte; a arte de viver”.
E é com essa determinação que ela conta sua trajetória de vida e de sonhos até chegar na Ufal, como servidora. Professora Dolores está no quadro Minha história na Ufal, que compõe a programação dos 60 da Universidade, e faz um relato emocionante sobre os diversos obstáculos que conseguiu vencer, superando suas limitações físicas.
Infância de lutas
Desde cedo ela aprendeu com a família o valor do trabalho. Seu pai foi desde lavrador no sertão de Alagoas, até servente de pedreiro e metalúrgico em São Paulo. “Papai fazia o que podia, para sustentar os quatro filhos, pagar aluguel e demais despesas. Em nossa casa, quando havia sardinha em lata, era um banquete!”, relembrou a professora.
A mãe, humilde cultural e financeiramente, além de cuidar da família e da casa, era costureira, lavadeira e fazia outras atividades para colaborar na renda de casa. “Ainda, cuidava de mim com problemas de saúde e deficiência física, bem como, de meus irmãos pequenos”, contou.
Dolores desenvolveu artrite reumatoide aos três anos de idade. Após uma infância sofrida, onde passou a maior parte do tempo hospitalizada. Diagnosticada com Artrite Reumatoide Infantojuvenil aos seis anos, somente pôde entrar na escola aos nove, sob indicação médica e passando por cima de inúmeros desafios. “A escola era um barracão de madeira e tinha 30 degraus. Eu os subia e os descia de joelhos, sentada ou carregada por minha mãe. Ir à escola, mesmo com inúmeras dificuldades, era uma felicidade enorme. Seis meses depois, mudamos para um prédio novo que, apesar de distante da minha casa, não tinha degraus. Faltava muito às aulas, pois precisava fazer fisioterapia. Às vezes, não tinha como ir até a escola, não havia dinheiro para pagar transporte ou comprar uma cadeira de rodas. Tinha apenas uma cadeira de madeira com rodinhas de rolimã feita pelo meu vizinho. Em virtude das impossibilidades, estudei sozinha diversas vezes, sem professor ou auxílio de alguém. Porém, papai, mesmo com pouco dinheiro, sempre que alguém lhe oferecia livros, ele os comprava. Tínhamos até a enciclopédia Barsa, o que me auxiliava muito nos estudos”, lembrou em relatos de seu livro autobiográfico.
Ela passou muito tempo no hospital Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, onde fazia tratamento para a artrite. “Era minha segunda casa, onde passei maior parte de minha infância e juventude. Desde meus 15 anos tive indicações para fazer diversas próteses nas articulações a fim de recuperar alguns movimentos. Contudo, minha família não tinha condições financeiras para custear, tampouco convênios ou sistema público de saúde cobriam os custos, ou mesmo não havia próteses para meu tamanho [devido ao uso excessivo de cortisona e outros medicamentos, ela cresceu pouco]. Assim, resolvi seguir a vida da melhor maneira”, disse.
Período escolar conturbado
A professora, que hoje tem uma vasta contribuição em projetos na educação especial e formação de professores com referencial teórico pautado no Pensamento Complexo de Edgar Morin, na biologia da Cognição e da Amorosidade de Humberto Maturana e Varela, na Transdisciplinaridade de Basarab Nicolescu e no Pensamento Ecossistêmico de Maria Cândida Moraes e na Interdisciplinaridade de Ivani Fazenda, começou cedo no mundo do trabalho. Ainda na 7ª série (em 1987), quando podia ir à escola e esperava uma carona para buscá-la, passava longas horas estudando na biblioteca ou contribuindo com outras crianças à fazerem suas lições de casa. Em outro tempo, revendia para os colegas produtos de revista, lingerie, roupas feitas pela vizinha etc.
“Mais tarde, como tinha um bom desempenho, minha vizinha pediu para que eu desse aulas para sua filha. Depois vieram mais crianças. Apesar de receber valores pequenos, ficava muito feliz porque não precisava mais depender financeiramente do meu pai para algumas coisas. Comprava meus livros e ajudava minha mãe e meus irmãos. Com o passar do tempo, fui me aperfeiçoando e trabalhei como professora de educação infantil, alfabetização de adultos, reforço escolar e orientadora. Aprendi ensinando, ensinei aprendendo e continuo fazendo isso até hoje”, revelou.
Mudança de vida
“Em. 1997, comecei a fazer natação e hidroterapia com um professor que trabalhava com terapias alternativas. Foi assim que mudei radicalmente minha vida, proclamei minha liberdade”, afirmou Dolores. Fez tratamentos com acupuntura, homeopatia, massagens e outras terapias integrativas, estudou livros de psicologia, psicanálise e trabalhou a autocura pelo autoconhecimento.
“Passei a acreditar em meus sonhos, tracei meu plano de vida com objetivos e metas determinando tempo para atingi-los. Assim foi. Após alguns anos, comprei um triciclo motorizado em muitas prestações, pois não consigo manipular a cadeira de rodas convencional devido às minhas limitações articulares. Quando ingressei na Universidade, enfrentei monstros horrorosos como medo, dor, solidão, preconceito e falta de apoio... Muitas vezes, não havia quem dirigisse o carro velho que consegui, outras vezes, o carro estava quebrado. No final do 1º ano do curso, o carro foi batido, meu pai desempregado há muitos anos, eu não estava conseguindo pagar a mensalidade da faculdade além de outras coisas. Porém, encontrei pela vida muitas mãos que me acolheram e muitas amigas e amigos que me apoiaram, além de, quando possível, meus Irmãos. Tomava-me de coragem ia até o ponto de ônibus, pedia ajuda para entrar neles. Ficava na chuva de madrugada, no frio, aguardando o transporte coletivo”, contou.
O pai faleceu quando ela cursava o segundo ano da Universidade. “Foi muita luta para seguir com todas as limitações físicas e financeiras”, desabafou.
A conquista da graduação
A professora explica ainda, que após muitas dificuldades conseguiu concluir o curso de Pedagogia. Logo em seguida, foi aprovada em alguns concursos, e trabalhou como professora da educação básica da rede pública do Estado de São Paulo por seis anos. “Ministrei aulas em Universidades privadas. Desenvolvi trabalhos científicos que foram premiados e participei de cursos e congressos no exterior e em outros estados do Brasil. Como profissional, também dirigi, coordenei e lecionei por 25 anos, em minha própria ONG de Educação Infantil”, recordou.
A partir de sua graduação, foi apenas subir. Ela fez mestrado em Psicopedagogia; pós-graduação em Distúrbios da Aprendizagem pela Universidade de Buenos Aires; cursos de Educação em Valores Humanos; um segundo mestrado e doutorado na PUC/SP com bolsa do CNPq, um doutorado sanduíche na Universidade de Barcelona com bolsa de estudos pela Capes. “Neste ínterim de mestrado e doutorado na PUC, tive uma fratura femoral e um sarcoma na raiz da coxa com quase 8 cm com prognóstico de seis meses de sobrevida. O fêmur cicatrizou enquanto eu escrevia a dissertação e o sarcoma foi removido com cirurgia, em meio ao doutorado, por meu querido médico e amigo, doutor Ranyell Spencer”, relatou. Ela frisa que cirurgia e tratamento foram feitos em um hospital em São Paulo e custeados pelo SUS.
Chegada na Ufal
Dolores prestou concurso em 2014 para professora da Universidade Federal de Alagoas, sendo aprovada em primeiro lugar na listagem geral e igualmente na específica, em meio a quase mil concorrentes. Ainda em 2014, acolhida por seus primos e primas, retornou à sua terra Natal, para tomar posse no serviço público federal. “Tudo ocorreu quase que como em um sonho que um dia me pareceu utopia”, disse.
Já na Universidade Federal de Alagoas, ela ingressou inicialmente na creche (antigo Núcleo de Desenvolvimento Infantil, hoje Unidade de Educação Infantil Professora Telma Vitoria) e, em 2016, foi removida para o Centro de Educação da instituição. Ainda em 2016, prestou processo seletivo e passou a integrar a equipe de professores do Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE) do Cedu, no qual atualmente foi selecionada e acolhida como coordenadora.
E assim segue a professora Dolores, buscando quebrar os rótulos da exclusão, e como ela mesma diz “mostrando que todos nós somos partes de um tecido comum: a Teia da Vida”. Em seus projetos, ela busca favorecer rupturas de paradigmas, dentro de uma perspectiva transdisciplinar, ecossistêmica e complexa inspirada por teóricos como Ivani Fazenda, Paulo Freire, Maria Cândida Moraes, Edgar Morin entre outros; ela quebra preconceitos.
A professora Dolores busca também a valorização de cada sujeito com sua singularidade, a solidariedade, o respeito e a dignidade fazendo da diversidade a força motriz vital para a superação de obstáculos, bem como, a promoção de sujeitos e ambientes mais criativos, resilientes, cooperativos e fomentadores de uma cultura de paz e autoria de pensamento. “Gratidão e honra a cada colega de trabalho, docentes e discentes, aprendentes, ensinantes a quem posso chamar de amigos e amigas, companheiros e companheiras de jornadas e vida. Juntos iremos mais longe! Honro e agradeço as múltiplas aprendizagens e partilhas.”, concluiu a professora.
O que dizem os amigos
O professor e amigo Walter Matias, do Centro de Educação, conta que conheceu a professora Dolores no momento da sua entrada no Programa de Pós-graduação. “Nos tornamos amigos por afinidade intelectual e por conversas que nos aproximam em nossas afinidades. Dolores é uma pesquisadora reconhecida nacionalmente por suas pesquisas e conquistas políticas no âmbito da luta pelo reconhecimento dos excluídos historicamente em nosso mundo, como é o caso de com deficiências”, diz.
Para ele, o trabalho dela vai além. “Dolores como docente demonstra uma conquista diária nos campos diversos da vida acadêmica. E agora, como gestora, vem continuando o excelente trabalho de administração do programa de pós-graduação com o maior contingente de discentes da Ufal, o PPGE”, afirma.
Já o professor Cézar Nonato, também amigo do Cedu, conta que a conheceu ainda no trabalho no Núcleo de Desenvolvimento Infantil, e que chamou sua atenção seu bom humor e gosto pela vida. “Fomos nos aproximando e nutrindo uma amizade de muita admiração, ela que em seu nome traz uma referência às dores (a origem do seu nome vem de Maria de los Dolores), sempre me surpreendeu pelo seu poder de superação, característica que está sinalizada em seu sobrenome: Fortes”, relata.
Ele conta anda que Dolores ensina diariamente a transformar as dores em força, força de vida. “Dodô, como costumo chamá-la, derruba em qualquer um de nós a ideia de que a sua condição física é um limitador. Muito pelo contrário, Dolores carrega consigo, além de uma grande capacidade de trabalho, uma natureza dialógica que ela vem cultivando ao longo da sua vida e essa é uma dimensão fundamental para os que ingressam na gestão de qualquer espaço dentro e fora da Universidade. Seguramente, o PPGE ganha muito com a escolha da Dolores para liderar a Coordenação do Programa, por seu exemplo de vida, por sua capacidade laboral, por sua competência acadêmica, mas sobretudo por sua escuta acolhedora e sua generosidade em sempre se pensar a partir dos coletivos”, afirma o professor.