A trajetória de resistência e conquistas de um ativista referência na causa negra
Docente aposentado, Zezito Araújo completou 70 anos de vida
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Comemoração de vida é sempre especial, e quando a trajetória é marcada por relevantes e destacados serviços prestados à sociedade, além de merecedora de reconhecimento, confunde-se com realização pessoal, profissional e enquanto ser humano. Assim, sempre seguiu a trajetória de vida do professor aposentado da Universidade Federal de Alagoas, Zezito Araújo, que fez de sua atuação acadêmica durante os 29 anos de docência na Ufal o seu espaço de luta, ampliando parcerias locais e nacionais para a causa comum, fortalecimento da resistência antirracista, com avanços em prol do movimento negro brasileiro.
Em sua trajetória docente de quase três décadas na Ufal, Zezito também coordenou por 18 anos o então Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab), atualmente Neabi [após passar também a incluir a causa indígena]. Sob sua liderança, inúmeras foram as ações empreendidas com alcance e destaque em nível nacional. A luta de Zezito na academia confunde-se também com seu aguerrido trabalho como ativista do movimento negro local e nacional, desde o primeiro ano que ingressou como docente, no curso de História, pertencente ao Instituto de Ciências Humanas, Comunicação e Artes (Ichca):
“Minha vida acadêmica e meu ativismo no movimento negro nunca se separam, até porque, conclui o curso de História em 1979, em 1980, entrei na Ufal para lecionar a disciplina Antropologia do Brasil II, que abordava a temática negra brasileira, e no mesmo ano, em agosto, participei do 1º Encontro Nacional sobre o Parque Nacional Zumbi dos Palmares com várias lideranças negras de todo o Brasil. Nesse mesmo ano, junto com um grupo de jovens professores e professoras, criamos a primeira entidade negra em Alagoas, a Associação Cultural Zumbi (ACZ) para denunciar e combater o racismo no Estado, envolvendo-me totalmente no ativismo da causa negra brasileira”, disse Zezito.
Outro exitoso trabalho na trajetória de luta e vida do ativista contra o racismo foi fazer parte da comissão que propôs ao então governo de José Sarney, a criação da Fundação Cultural Palmares, em 1988. Ele foi nomeado pelo titular do Ministério da Cultura para fazer parte do Conselho Curador da Fundação. “A comissão foi criada para refletir o Centenário da Abolição em 1987, na qual fiz parte. As discussões acerca dos 100 Anos da Abolição da Escravidão no Brasil nos levaram a propor ao governo federal de então, a criar a Fundação Cultural Palmares”.
Na trajetória do Neabi da Ufal, Zezito foi o terceiro coordenador - de 1983 a 2001 - e não mediu esforços para implantar e tornar realidade as abrangentes ações traçadas. Um dos objetivos da criação do Núcleo, segundo Zezito, foi realizar estudos e pesquisas sobre o Quilombo dos Palmares e a população negra alagoana e brasileira. Com a instalação do Núcleo no município de União dos Palmares, a 79,1 km da capital, onde se estabeleceu o mais conhecido quilombo do Brasil, na Serra da Barriga, ele residiu por três anos.
Para realizar os primeiros estudos sobre a temática afro-brasileira em União dos Palmares, o ativista diz que foi criada uma equipe de estagiários com estudantes do ensino médio e que tinham concluído o ensino superior residentes no município palmarino. Nessa conexão da universidade com estabelecimentos de ensino de União, a iniciação dos estudos se deu junto as escolas municipais com ação de formação para professores sobre a História do Quilombo dos Palmares e o racismo. E desses primeiros passos como coordenador, Zezito aproveita para falar de outras atividades realizadas:
“Na Serra da Barriga foram criados rituais e atividades para mobilizar a comunidade para visitação à Serra da Barriga, a exemplo do hasteamento dos pavilhões de todas as bandeiras dos Estados brasileiro. Também, no contexto dessas ações de mobilização local, mas envolvendo grupos de outros estados, corrida Zumbi dos Palmares, apresentação cultural de grupos de Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Sergipe e Bahia”, enfatiza. Agregaram-se à programação, apresentações culturais e a destacada homenagem aos quilombolas que lutaram pela liberdade e foram assassinados em 1694, com a destruição da Cerca Real dos Macacos, última fortaleza palmarina.
Mestre em História Social, a trajetória de Zezito Araújo como docente em Alagoas expandiu-se para a instituição de ensino superior Cesmac e à Secretaria de Educação do Estado, lecionando as disciplinas Antropologia do Brasil I - Cultura, Antropologia do Brasil II – Cultural africana e afro-brasileira, História de Alagoas, História do Nordeste, História do Brasil I-II e III, História do Escravismo no Brasil, História da África I e História da África II. Em 2001 deixou a coordenação do Núcleo da Ufal, para assumir, a convite do então governador Ronaldo Lessa, a Secretaria de Defesa e Proteção das Minorias (Sedem), onde ficou de 2001 a 2005.
Neabi: compromisso, resgate e referência
O Neabi da Ufal, ao longo dos seus 42 anos de existência, é o núcleo mais antigo do Brasil voltado aos estudos, resgate e fortalecimento de políticas nas áreas de atuação, com otimização de projetos, no ensino, pesquisa e extensão, da graduação e pós-graduação. O bom desempenho de um trabalho traçado, implantado e executado com êxito e parcerias durante a coordenação do professor Zezito Araújo não seria possível se não estivessem aliados a ele o compromisso, competência, responsabilidade e amor à causa para o alavancar de grandes batalhas.
No foco das ações do docente e ativista, a realização de atividades na academia concomitantemente com as do Departamento de História, com a Associação Cultural Zumbi e o Neabi, Zezito destaca que todas elas dialogavam com as temáticas afro-brasileira conectadas com as demandas traçadas. Cita como exemplo, a definição do local para colocar a pedra fundamental para construção do Memorial Zumbi na Serra da Barriga, em 1981, estudos para a Exposição de Motivos para o Tombamento da Serra da Barriga, em 1985, Mapeamento das Comunidades Quilombolas em Alagoas, em 1983 e Mapeamento e catalogação dos Terreiros de Candomblé de Maceió.
A implantação da disciplina História da África na grade curricular do Curso de História como disciplina obrigatória, a implantação da disciplina História do Escravismo no Curso de História como disciplina optativa, também foram ações exitosas na coordenação de Zezito Araújo. Em Muquém, o docente e pesquisador iniciou, em 1983, o primeiro projeto voltado para a educação étnico-racial em União dos Palmares e em 1986 foi o coordenador das atividades para celebração do 20 de novembro na Serra da Barriga, e também dos estudos para a desapropriação, do local, símbolo de resistência e luta. Outra importante ação empreendida na sua coordenação foram os estudos para reflorestamento da serra, em 1987.
Fortalecimento da cultura
Ele faz um destaque para o projeto Muquém, cujo objetivo era alfabetizar as crianças daquela comunidade quilombola e do bairro José Roberto Correia de Araújo (Terrenos), a partir da história do Quilombo dos Palmares e da principal atividade econômica da região, a cana-de-açúcar. “O projeto levou para o interior das escolas da cidade de União dos Palmares, o debate sobre a História do Quilombo dos Palmares e da Serra da Barriga. Houve a realização de encontros de formação continuada para os professores da rede municipal de ensino, ação que contribuiu para a implantação da História e da Cultura Palmarina na rede municipal de ensino, por meio de lei criada pela Câmara de Vereadores da cidade”, enfatiza.
Luta antirracista: desafios
No dia 8 deste mês de maio, o professor Zezito Araújo completou 70 anos de idade e sempre foi uma referência, pelo sua atuação e ativismo, na luta contra o racismo em abrangentes aspectos, sendo inegável a relevante contribuição à sociedade de seu trabalho e trajetória acadêmica galgados com muita resistência, dedicação e competência
Dizendo-se atualmente realizar um ativismo mais institucional, Zezito desempenha atividades na Secretaria de Estado da Educação de Alagoas (Seduc), trabalhando em projetos de formação para profissionais da educação sobre Educação para as Relações Étnico-Raciais e Educação Escolar Quilombola, atendendo o que determina a Lei 10.639-2003. A lei tornou obrigatória o Ensino da História e Cultura Afro-brasileira e africana no ensino básico do Brasil.
Aproveita para dizer que nunca “foi fácil trabalhar com essa temática na sociedade brasileira, principalmente em instituições e órgãos públicos “devido ao racismo estrutural e institucional presente em todas as pessoas que trabalham nas estruturas dessas instituições” . Com convicção do quanto os desafios ainda se tornaram maiores na sociedade, mesmo com conquistas, o ativista destaca:
“Nos últimos anos essas dificuldades se acentuaram, devido a uns novos componentes que surgiram, até então, estavam adormecidos no interior de muitas pessoas, o “ódio”, a “intolerância” e o “desrespeito” ao diferente. Entendimento que os obstáculos presentes hoje para combater o racismo são: o agravamento das desigualdades raciais, sociais e educacionais; a violência física, emocional e simbólica contra a pessoa negra; falta de recursos financeiros para programas e projetos para a população negra brasileira; falta de debate e discussão sobre as mazelas da escravidão na formação do Estado e na sociedade brasileira.
Mesmo com tão desafiante realidade e chegar aos 70 anos de idade na aguerrida trajetória, permeada por tantas batalhas travadas, Zezito diz estar sempre de bem com a vida. E diz:
“As pessoas me perguntam por que estou sempre de bem com a vida. Eu respondo sempre que procuro fazer desde criança tudo aquilo que me faz feliz. Ou seja, tudo que faço, faço primeiro para ser feliz, e ao mesmo tempo compartilhado com outras pessoas. Até porque tive sempre a possibilidade de fazer escolhas naquilo que fiz e faço na minha vida acadêmica, militância e pessoal”.
“Querer não é poder”. Você “pode querer”, mas se não tiver as condições básicas para isso, você fica apenas no “querer”. Quero dizer com isso que, o que me levou a ser um professor universitário, um ativista negro não foi apenas a minha vontade e capacidade de superar os obstáculos e dificuldades. Foi uma rede de solidariedade de pessoas que estiveram comigo nos momentos bons e ruins, mesmo sem conhecer minhas metas de vida, que eram quebrar o círculo vicioso da reprodução da miséria e pobreza econômica e social que perseguia a minha família desde a escravidão no Brasil. Consegui quebrar. Mas, a maioria da população negra brasileira ainda permanece nessa condição de miséria e pobreza no Brasil, criada pelo Estado e elites brasileiras, e pelas práticas racistas”.
E finaliza dizendo, como valente guerreiro que é: “Nem o racismo e o preconceito racial irão me fazer uma pessoa infeliz. Minha felicidade também está em combatê-los com práticas e atitudes antirracista”, afirma, com propriedade e com a consciência de que a luta continua e faz parte de sua missão de vida”. Parabéns, Zezito!