Pesquisa mostra olhar dos bolsistas sobre programa de permanência e cotas na Ufal

Reparação histórica e educação superior como formação de formadores e mobilizadores sociais foram temas abordados no trabalho do servidor da Ufal Erivaldo Gomes

Por Manuella Soares - jornalista
- Atualizado em
Erivaldo Gomes, assistente social da Proest
Erivaldo Gomes, assistente social da Proest

Há dez anos, o Programa de Bolsa Permanência (PBP) do Ministério da Educação com gerenciamento local da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) investe um determinado valor mensal para que estudantes indígenas e quilombolas se dediquem às suas respectivas graduações. Há dez anos também que o assistente social da Pró-reitoria Estudantil (Proest), Erivaldo Gomes está dedicado em seu funcionamento. Imerso e interessado nessa questão, ele para parou pra ouvir e analisar quem estava do outro lado. O que pensam os bolsistas?

O trabalho de dissertação do mestrado, pela Universidade do Porto, realizou um estudo de caso sobre a representação social das políticas afirmativas pelos bolsistas atendidos na Ufal por meio da perspectiva dos próprios indígenas e quilombolas. Foi o olhar deles que se destacou na pesquisa.

“Os resultados do trabalho possibilitaram uma perspectiva mais apurada a respeito da presença dos bolsistas do PBP na Universidade, direcionando intenções e possibilidades de contribuição para uma atuação mais apropriada sobre o programa e, sobretudo, sobre as demandas dos estudantes. O que se dá através de informações que ora trazem clareza sobre o que outrora eram impressões presentes na rotina de trabalho no transcorrer dos anos e noutro momento nos surpreende com aspectos da realidade que não conseguíamos perceber no cotidiano institucional”, comentou Erivaldo.

A dissertação teve orientação do professor António M. Magalhães, da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação (FPCEUP-Universidade do Porto), e está publicada neste link do repositório. Erivaldo foi às terras dos colonizadores, enfrentou de lá a pandemia de covid-19 e trouxe muitas reflexões sobre ações afirmativas no âmbito da permanência e seu impacto na efetividade desta política enquanto reparação histórica.

“Ter realizado o mestrado tratando de uma temática que é reflexo do processo da colonização brasileira numa universidade em Portugal foi praticamente um processo imersivo (rs). Foi muito enriquecedor, apesar de a pandemia ter restringido em muito a experiência e ter representado uma dificuldade de implicações na vida de maneira muito complexa”, contou.

Para realizar o trabalho Erivaldo fez uma minuciosa análise documental descritiva e entrevistas com os bolsistas de forma remota, devido ao período pandêmico. Depois de analisar o conteúdo, o olhar dos estudantes foi marcado na pesquisa: “Constatou-se que os bolsistas indígenas e quilombolas concebem o sentido das cotas raciais e do PBP, situado historicamente enquanto medida de reparação, como ação afirmativa determinada num contexto sócio-histórico e consoante a um propósito, um projeto coletivo”.

As respostas vieram e disseram mais. A percepção sobre a formação intelectual para as causas dos povos indígenas e comunidades remanescentes também apareceu como importante aspecto no impacto das Cotas e do referido programa de bolsas na educação superior.

Sob a perspectiva dos beneficiados

O estudo de caso de Erivaldo coletou depoimentos onde foi possível observar, por exemplo, o olhar dos estudantes tendo o PBP como associado a meio de subsistência; as cotas com consequência de debilidade educacional de base; e o conjunto das ações afirmativas rodeadas por polêmica e preconceito.

Sem identificar os entrevistados, o trabalho mostra citações como: “Muitos estudantes usam desse dinheiro, muitas estudantes mães, muitas pessoas assim, que realmente precisam (…) não tem como… se atrasa uma semana eles não têm como pagar absolutamente nada, ele não tem mais nenhuma renda” (IF21), a respeito da necessidade de contar com o valor pago pela bolsa para custear essencialidades.

Em outro depoimento o aluno relata que presencia o preconceito sobre quem recebe o auxílio da Ufal: “Tenho colegas dentro da Universidade que não dizem que são indígenas! E eles são indígenas e são bolsistas! Mas se você perguntar eles dizem que não. É como se eles tivessem, assim, um certo receio de falar da própria cultura!” (IF27), expressando o receio de se expor por sentir o ambiente como hostil a sua presença.

Há também a referência a uma relativa negação da historicidade: “Não é só uma reparação histórica como alguns dizem aqui, a escravização existiu e é uma forma de reparar o passado. Não vejo dessa forma. É real! É atual!” (IM21), que dá ênfase a percepção de que o problema é, também, de debilidade na base educacional. Além disso, foi dado destaque de que a implantação das políticas afirmativas teria acontecido como resultado de pressão social por parte dos movimentos sociais e com um caráter de apaziguar suas insatisfações.

De acordo com Erivaldo, apesar do entendimento ser comum sobre o contexto sócio-histórico, o grupo de entrevistados expressou outra questão relativa a permanência numa instituição de ensino superior: “A percepção de uma ‘divisão’ entre os bolsistas que entendem a educação superior somente como um espaço de realização pessoal e os que a associam ao projeto coletivo, compreendendo-a, dessa forma, como um espaço de formação de referências ‘intelectuais orgânicas’”, ou seja, como uma qualificação individual que potencializa a capacidade de organização coletiva.

Reconhecimento institucional

Desde 2003 a Ufal usa cotas por meio do Programa de Ações Afirmativas (Paaf). Já a lei de cotas, aprovada em 2012, reserva 50% das vagas em universidades e institutos federais para estudantes das escolas públicas. A Ufal foi pioneira. E em outubro deste ano o Senado Federal aprovou um projeto que incluiu os quilombolas no grupo que tem reserva de cotas para pessoas pretas, pardas, indígenas, e com deficiência, que estudaram na rede pública.

A Ufal já aceitava quilombolas na cota de negros mas agora está trabalhando para incluir as mudanças no edital de 2024, que será publicado em janeiro, assim que essas mudanças forem implementadas no Sisu.

Além de receber esses estudantes, a Universidade possibilita a inserção destes em seus programas regulares de assistência estudantil, que oferta auxílios financeiros, acompanhamento e apoio pedagógico, atendimento médico e odontológico, acolhimento psicológico e outros benefícios por meio de editais.

A serviço da assistência estudantil

Erivaldo Gomes conta que pretende continuar suas pesquisas, ingressar num doutorado e manter viva as discussões da temática na Ufal. Enquanto isso, ele segue compartilhando seus conhecimentos em espaços acadêmicos como em sua participação no Seminário Bem viver e Universidade: saúde mental da comunidade acadêmica, onde foi ministrante e representante da Proest.

Ele também ministrou a mesa-redonda Cotas raciais e permanência para indígenas e quilombolas em perspectiva – uma abordagem das políticas afirmativas sob olhar dos bolsistas/cotistas atendidos na Ufal durante a Semana Interinstitucional de Pesquisa, Tecnologia e Inovação na Educação Básica (Sinpete), no mês de outubro.

“Foi uma oportunidade de socializar o trabalho com nossa equipe da Proest, como forma de oferecer um feedback para os colegas e, principalmente, pautar a questão das políticas afirmativas com o grupo, para que possamos aprofundar o debate entre os profissionais da assistência estudantil da Ufal”, comentou, destacando também que a mesa contou com a participação de representantes do Núcleo de Estudos Afrodescendentes e Indígenas da Ufal (Neabi).

Erivaldo ainda dá sua contribuição na Comissão para Regulamentação das Ações, Metas e dos Indicadores de Acompanhamento das Políticas de Ação Afirmativa, no Plano de Desenvolvimento Institucional da Ufal (PDI).

“No âmbito institucional a intenção é contribuir nos espaços possíveis na Universidade na discussão sobre a política afirmativa institucional no recorte de permanência. Assim como prosseguir produzindo conhecimento na seara da assistência estudantil, com o intuito de subsidiar uma maior apropriação da realidade e poder contribuir de maneira mais assertiva na condução da política de assistência estudantil da Ufal”, planeja, com muita dedicação e entusiasmo.