Incubadora de Economia Solidária contribui para criar banco e moeda social
Moeda “sururote”, no Vergel do Lago, criada em parceria com a Ufal e Instituto Mandaver, recebeu Prêmio Educação Financeira Transforma, concedido pelo Instituto XP
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Criar instrumentos de finanças solidárias para fomentar o desenvolvimento local do bairro Vergel do Lago, por meio da criação de um banco comunitário e uma moeda social para investir em empreendimentos comunitários de produção e serviços e para fortalecer o consumo. Foi com essa missão que o professor Leonardo Leal, do Campus Arapiraca da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), chegou ao bairro do Vergel do Lago para trabalhar em parceria com a comunidade, o Instituto Mandaver, o IABS e o AGT.
Em 2019, por meio da Incubadora Tecnológica de Economia Solidária (Ites) da Ufal, o docente realizou o trabalho cujo foco foi promover o acesso a serviços financeiros solidários para as famílias de pescadores e marisqueiras do bairro que, em sua maioria, não tinham acesso aos serviços ou encontravam dificuldades para conseguir crédito nos bancos comerciais.
Com esse projeto, surgiram o Banco Comunitário Laguna e a moeda social “Sururote”.
O êxito da iniciativa foi reconhecido pela premiação conferida ao Instituto Mandaver que recebeu, no dia 23 de março, o Prêmio Educação Financeira Transforma, um dos mais importantes do país no setor concedido pelo Instituto XP, braço de ações sociais do banco de investimentos XP.
“O Vergel do Lago sempre foi reconhecido como um território empreendedor. Um povo que está na luta, tentando vencer por meio da cadeia produtiva do sururu. Em 2018, iniciamos a nossa atuação e, em 2019, começamos a idealizar meios para resolver a questão do resíduo do sururu e da renda familiar para subsistência das famílias”, explicou Lisania Pereira, diretora do Mandaver.
O professor Leonardo acrescenta que “o projeto buscou encontrar soluções para resolver problemas econômicos e ambientais através de um ecossistema local de inovação social que envolvesse inciativas sociais, econômicas e ambientais, contando com apoio de diferentes parceiros. O resultado foi uma rede com a participação das marisqueiras, produção de peças de design com as cascas de sururu, o banco comunitário e a moeda social, gerando trabalho e renda para comunidade”.
“Por meio da conexão com o professor Leonardo Leal e a Ites, começamos a trabalhar para desenvolver e montar um banco social no Vergel. No primeiro momento não foi tão possível, mas trabalhamos com o desenvolvimento das mulheres na economia circular mais a criação da moeda”, disse Lisania Pereira.
De acordo com Lisania, foi feito então um processo de formação e capacitação com as marisqueiras da comunidade e a equipe do Mandaver para “elas compreenderem a importância de ter uma moeda que mantivesse a riqueza dentro do território, de ter esse treinamento de como funcionava a economia circular, o reaproveitamento do resíduo, e foi a partir daí que veio a criação do cobogó”, relembrou.
Como toda novidade, ela conta que encontrou resistência. “As mulheres foram acompanhadas, estimuladas e levadas para experiências em outros territórios. Algumas, no entanto, não acreditaram muito que seria possível que aquilo que era inútil para elas [os resíduos do sururu] tivesse algum valor agregado”, recordou.
Nem a pandemia de covid-19 suspendeu as atividades realizadas pela Ites da Ufal e o Mandaver. Foram realizadas oficinas presenciais e on-line, respeitando as recomendações sanitárias para evitar o contágio. Com a continuidade das ações formativas, a ideia foi conquistando mais pessoas. “No primeiro momento, ficamos com algumas mulheres participando. Do ano passado pra cá, avançamos esse trabalho para dois cenários: aumentando o número de mulheres nessa frente ambiental e entramos com a frente do microcrédito, trabalhando o desenvolvimento econômico, o empreendedorismo e acelerando via microcrédito”, comemorou a gestora.
Para conseguir avançar, parcerias, conhecimento e inovação social são fundamentais. E Lisania lembra do apoio que conseguiu do docente Leonardo Leal e da Universidade. “O professor Leo esteve com a gente no primeiro ciclo nos ajudando a desenvolver o banco comunitário e a moeda social e no treinamento com as mulheres, nos abrindo as possibilidades nesse primeiro caminho”, reconheceu. “Do ano passado pra cá, nós fomos galgando novos rumos e buscando mais oportunidades para empoderar o banco e o território de forma econômica”, destacou Lisânia.
Agora, o Instituto Mandaver já caminha autônomo e de forma ativa, pondo em prática a razão do trabalho da incubadora tecnológica de economia solidária da Ufal, que “é promover processos de empoderamento e emancipação de comunidades através da incubação em economia solidária que visa formar pessoas empreendimentos comunitários, tecnologias sociais e estratégias de desenvolvimento territorial, buscando demostrar o potencial da universidade articulando ensino, pesquisa e extensão”, destacou o professor Leonardo Leal.
Mais sobre a Ites/Ufal
A iniciativa realizada pela Ites da Ufal é pioneira no estado de Alagoas e, além do trabalho realizado no Vergel do Lago, já realizou iniciativas similares no município alagoano de Igaci, em parceria com a Associação de Agricultores Alternativos (Aagra) que criou o Banco Comunitário Olhos, D’Água.
No caso do Vergel do Lago, a preocupação era sanar um problema ambiental e aumentar o rendimento das famílias de pescadores e marisqueiras. “O bairro é atingido por vários vetores de vulnerabilidade socioeconômica e vive em condição de extrema pobreza. A principal fonte de renda vem do extrativismo do sururu na laguna Mundaú. Uma família composta por cinco pessoas trabalhando com o molusco só consegue obter uma renda de meio salário mínimo por mês. E ainda há o problema do descarte inadequado das cascas de sururu que produz altos volumes de poluição ambiental, implicando em alto custo de limpeza urbana”, explicou Leonardo Leal.
Como solução, a proposta que foi desenvolvida foi a criação da moeda social sururote e do Banco Laguna. “As marisqueiras da comunidade podem trocar as cascas de sururu e receber até R$300 sururotes por mês. A moeda social circula na comunidade e elas utilizam no comércio local credenciado, comprando itens da cesta básica, higiene pessoal e remédios”, destacou o professor.
Ao explicar a cadeia produtiva até chegar ao sururote, o professor detalha que o marisco é extraído da laguna Mandaú, lavado, pesado, embalado e vendido pelas marisqueiras e pescadores da comunidade. Após esse processo, as cascas são coletadas e levadas pelas marisqueiras a um ponto de coleta para serem pesadas e trocadas pela moeda social.
Já as cascas recolhidas pelo Mandaver são usadas para a confecção de cobogós - idealizados pelos arquitetos Rodrigo Ambrósio e Marcelo Rosenbaum e pelo artesão Itamarcio dos Santos - e, depois, comercializados no mercado brasileiro de arquitetura e design. A produção do cobogó é realizada por uma empresa social gerenciada em parceria entre o IABS e a comunidade.
O resultado obtido com as vendas dos cobogós é revertido para um fundo que alimenta a circulação da moeda social e a geração de renda para comunidade. Desse modo, se dá a sustentabilidade do projeto. Em relação ao impacto socioambiental, a comunidade registra a redução do descarte das cascas de sururu.