Estudo aponta riscos do mercúrio para pescadores e marisqueiras de Maceió
No total, foram avaliados 60 profissionais dos bairros Pontal da Barra, Vergel e Bebedouro, que atuam nas proximidades do complexo Mundaú-Manguaba
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Os altos índices de exposição ao mercúrio no sangue podem comprometer a saúde do organismo. Essa é uma das conclusões da dissertação de mestrado de Maiara Queiroz, do Programa de Pós-graduação em Química e Biotecnologia (PPGQB) da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), que avaliou 60 profissionais, dentre pescadores e marisqueiras, que atuam no entorno do complexo Mundaú-Manguaba nos bairros do Vergel, Pontal da Barra e Bebedouro, em Maceió.
Intitulado Efeitos da Exposição Crônica ao Mercúrio em Pescadores do Complexo Lagunar Mundaú-Manguaba (CELMM) e em modelo animal hipercolesterolêmico, o estudo integra um trabalho multidisciplinar que envolveu ainda o Centro Universitário Cesmac, as Universidades de São Paulo (USP) e Estadual de Campinas (Unicamp) e tem financiamento das Fundações de Amparo à Pesquisa de Alagoas (Fapeal) e de São Paulo (Fapesp) a partir de edital conjunto lançado em 2019.
“Foram observados maiores níveis de mercúrio no sangue, a diminuição da funcionalidade dos eritrócitos, alteração estrutural na hemoglobina e comprometimento do sistema redox nos pescadores. E, nesses pescadores, os linfócitos apresentaram uma produção exacerbada de espécies reativas de oxigênio. Ou seja, nossos resultados mostram que a contaminação por mercúrio leva a danos oxidativos sistêmicos que podem comprometer a saúde do organismo”, explicou Maiara Queiroz, em seu trabalho.
Os voluntários considerados como expostos possuem contato constante com a água e consomem alimentos provenientes da Laguna, principalmente o sururu, além de pescados da região como fonte de proteína animal. Esses voluntários têm em torno de 43 e 45 anos e, dentre as comorbidades, a hipertensão é mais prevalente, sendo 18% no grupo exposto, seguida pelo Diabetes tipo 2, em 10% deles.
“Nos hábitos de consumo de bebidas alcoólicas, 45% deles confirmaram a ingestão e 18% também informaram hábitos de tabagismo. Quanto à exposição ambiental, 93% dos voluntários expostos têm contato direto com a água, seja tomando banho ou pescando, e 95% consomem alimentos provenientes do ambiente lagunar, tanto sururu como pescado”, complementou Maiara.
Além dos voluntários expostos, o estudo contou ainda com outros 65 voluntários-controle, um grupo composto por pessoas que não vivem nas proximidades do complexo lagunar, mas em outros bairros, tais como Cidade Universitária, Jacintinho e Barro Duro, pareados em relação ao sexo, idade e condições socioeconômicas.
Riscos de exposição ao mercúrio
O estudo revela que o mercúrio é um dos dez poluentes ambientais que integram uma lista divulgada pela Agência de Substâncias Tóxicas e Registro de Doenças na Divisão de Toxicologia e Ciências da Saúde (ATSDR) que pode causar efeitos adversos no meio biológico. E que ele, além de estar presente na natureza, também é liberado no meio ambiente como resultado de atividades antrópicas tais como de indústrias, mineração, hospitais e lixo doméstico.
“A exposição humana a contaminantes inorgânicos e orgânicos como metilmercúrio podem levar ao estresse oxidativo que acarreta em disfunções diversas, tais como, neurológicas, câncer, doenças cardiovasculares, diabetes, inflamação, doenças neurodegenerativas, dentre de outras patologias. Esse estresse oxidativo pode alterar a atividade de enzimas e depletar o sistema antioxidante”, alertou Maiara em seu trabalho.
A intoxicação por mercúrio geralmente é causada pela inalação de seu vapor, que pode ocorrer em casa ou em laboratórios, por meio de termômetros quebrados que contêm o elemento químico. “Ele atravessa facilmente as membranas celulares, pois possui alta capacidade lipofílica. Desta forma passa facilmente pela barreira hematoencefálica, atingindo diretamente o sistema nervoso central e se deposita nos tecidos”, complementou a pesquisadora.
Altos índices de mercúrio no sangue e na urina dos pescadores
A pesquisa de Maiara revelou ainda que a exposição a um ambiente contaminado é algo que pode levar a uma contaminação sistêmica. No caso dos pescadores, isso foi confirmado pela análise de mercúrio total no sangue.
“Nos pescadores, o valor máximo de mercúrio encontrado no sangue foi de 19,02 microgramas por litro, quando, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a concentração pode variar entre 5 e 10 partes por bilhão [PPB]. Em nosso estudo, o nível médio de mercúrio total no sangue dos voluntários-controle foi de 0,90 PPB, enquanto que nos pescadores e marisqueiras foi três vezes maior: 3,40 micrograma por litro”, alertou o estudo.
Na urina, os valores chegaram a ser 8,5 vezes maiores. No entanto, segundo a OMS, a recomendação de concentração média total de mercúrio na urina em populações não expostas a ambientes contaminados é de 4 microgramas por litro. “Os resultados obtidos mostram uma maior concentração de mercúrio no sangue e na urina do grupo exposto em relação ao controle, mesmo estando dentro dos limites permitido pelas agências regulamentadoras”, diz Maiara.
Esses dados acendem um alerta pelo fato de o sangue ser um dos tecidos que refletem o contato com o ambiente externo e seus possíveis contaminantes, sendo, também, a forma mais rápida de difusão de metais tóxicos como o mercúrio para os demais órgãos do corpo, visto que o mercúrio é um metal que bioacumula em grandes quantidades e em diversos tecidos.
“No sangue destacamos um tipo celular, os eritrócitos, onde o mercúrio se liga na hemoglobina. E esse metal ainda se distribui em diversos outros alvos biológicos como rins, cérebro, fígado, pulmões e baço. Diante da toxicidade de tal metal, muitos são os estudos que quantificam o mercúrio total no sangue e urina a fim de estimar os níveis de contaminação de uma forma geral nas populações”, alertou a pesquisadora em seu trabalho.
Ela enfatizou ainda que a hemoglobina, nos eritrócitos, é a proteína responsável por transportar o oxigênio para os tecidos e o estudo mostrou que o grupo de pescadores expostos apresentou uma diminuição de 39% na capacidade de ligação ao oxigênio em comparação com o grupo controle.
Além disso, deve-se levar em conta que o mercúrio contaminante vem comprometendo a funcionalidade dos eritrócitos, o que causa a diminuição da capacidade de captação de oxigênio e alterações estruturais na hemoglobina e outras biomoléculas que compõem tal célula.
“Em suma, nosso estudo mostra que a contaminação por mercúrio no CELMM afeta diretamente a população que habita em torno de tal Laguna, onde mostramos os efeitos da toxicidade de tal contaminação em células sanguíneas. Sabemos que no Brasil, bem como no estado de Alagoas, são escassos os estudos que realizem o monitoramento de uma população extremamente vulnerável, que é submetida à poluição ambiental que tem relação direta com danos à saúde humana”, concluiu Maiara Queiroz.
Importância do estudo para a ciência alagoana
Para a professora Ana Catarina Rezende, orientadora da dissertação, o estudo que, inicialmente, integrava o Programa de Pesquisa para o SUS (PPSUS), da Fapeal, ganhou ainda mais relevância quando aprovado pelo edital conjunto da fundação alagoana com a paulista e que vem conseguindo fazer esse monitoramento dos pescadores e verificar os efeitos da contaminação ambiental na saúde dessa população.
“De uma forma geral, eu acredito que esse tipo de trabalho é uma contrapartida maravilhosa da Universidade para a sociedade, pois mostra que a gente consegue fazer ciência de qualidade no estado e que tem uma importância absurda para essa população principalmente na atual conjuntura do que está acontecendo com a laguna no estado de Alagoas”, celebrou a Ana Catarina Rezende.
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