Professor da Ufal conclui pesquisa de pós-doutorado na Universidade de Leiden
Ronaldo Araújo investigou como diferentes grupos sociais interagem com a ciência em ambientes on-line
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Em um contexto marcado pela constante presença em ambientes digitais, a interação entre sociedade e ciência pode ser muito benéfica, com a circulação de conteúdos baseados em evidência fora do circuito acadêmico. Por outro lado, nos últimos anos, o compartilhamento massivo de desinformação científica se tornou um grande problema de ordem política, econômica e social.
Nesse cenário, agravado pela pandemia de covid-19, o pesquisador Ronaldo Araújo, docente do Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação e do curso de Biblioteconomia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), resolveu investigar como diferentes grupos sociais interagem com a ciência em ambientes on-line, como as mídias sociais. A pesquisa foi conduzida durante o pós-doutorado do professor, na Universidade de Leiden, na Holanda.
O estudo foi motivado pelo interesse do pesquisador em aprofundar as discussões sobre iniciativas de popularização e democratização do conhecimento científico. A busca por uma ciência cidadã e participativa é uma das marcas de suas aulas e contribuições no campo em que atua. “O mesmo contexto no qual comemoramos ao visualizar um maior alcance da ciência por meio do compartilhamento nas mídias sociais é o qual nos lamentamos pela percepção pública da ciência comprometida pelo volume de fake news e desinformação que impulsionam diversos conteúdos nessas plataformas”, explicou.
Aprovado após a terceira seleção em que teve propostas aceitas, o docente embarcou em 2023 para desenvolver os estudos no renomado Centro de Estudos em Ciência e Tecnologia (Centre for Science and Technology Studies – CWTS). “O centro costuma receber propostas de pesquisas para pós-doutorado, desde que alinhadas às áreas focais e que tenham potencial de contribuição. Cheguei a enviar duas propostas antes dessa, em 2020 e em 2021. Elas também foram aceitas, mas precisei declinar porque não houve recurso para financiamento. Na seleção de 2022, fui aceito novamente e pude desenvolver os estudos sob a supervisão do pesquisador Rodrigo Costas”, afirmou o professor.
Redes de atenção, pandemia e (des)informação científica
Intitulado Redes de comunidades de atenção em torno de pesquisas sobre Covid-19 no Brasil: dos compartilhamentos baseados em evidência à desinformação científica, o estudo monitorou o comportamento antagônico visualizado nas interações on-line sobre ciência durante a pandemia: o debate baseado em boas evidências científicas e as discussões sustentadas em notícias falsas ou distorcidas.
As redes de comunidades de atenção são grupos que discutem, compartilham ou que se envolvem com temas, tópicos de publicações ou pesquisas específicas na internet, especialmente nas mídias sociais. Com o estudo, foi possível identificar diferentes grupos de interesse em pesquisas sobre a covid-19 que foram compartilhadas no Brasil entre os anos de 2020 e 2022. No total, foram identificados 17.649 artigos mencionados em 234.346 tweets (microtextos compartilhados na rede X, antigo Twitter), envolvendo 62.979 usuários da rede.
O principal agrupamento das redes de comunidades de atenção mapeadas concentra quase 19 mil usuários. O grupo apresenta elementos que caracterizam alinhamento político-religioso, com usuários se apresentando como conservadores, cristãos e patriotas. Os membros do grupo se mostraram interessados em pesquisas sobre tratamento medicamentoso para covid (tratamento precoce e uso de hidroxicloroquina) e efeitos adversos da vacina.
O segundo maior grupo conta com pouco mais de 17 mil usuários que se identificam a partir de elementos mais voltados ao status profissional, como professores, jornalistas, e doutores, por exemplo. Esse grupo interage com conteúdos científicos mais diversos sobre a pandemia, com destaque para medidas de distanciamento social e reabertura de escolas.
De acordo com o estudo, todos os agrupamentos identificados partilham da narrativa científica como tática de comunicação, entretanto, alguns preservam a evidência dos estudos que compartilham, enquanto outros empregam estratégias de desinformação, como a omissão de informação relevantes ou mentindo sobre os resultados das pesquisas. Esses comportamentos antagônicos foram associados a fatores como a polarização política e a politização da pandemia.
Experiência que se reflete no futuro
As experiências partilhadas na Universidade de Leiden influenciaram Ronaldo Araújo a pensar, especialmente, nas contribuições da representação científica na sociedade e como é possível contribuir para conter danos e melhorar essa relação. Além disso, a presença do jovem pesquisador em um dos maiores centros de pesquisa sobre ciência e suas conexões com a tecnologia, a inovação e sociedade é uma inspiração para seus alunos.
A Universidade de Leiden é a mais antiga da Holanda, fundada em 1575, possuindo 7 faculdades e 34 mil estudantes, tendo 16 vencedores do prêmio Nobel entre seus ex-alunos. As diferenças na cultura acadêmica, muito baseada no incentivo ao compartilhamento de informações sobre o andamento das pesquisas no formato de seminários, workshops e reuniões de grupos de trabalho também influenciaram a forma como Ronaldo presente conduzir suas pesquisas daqui para frente.
Além dos resultados da pesquisa, o pós-doutorado rendeu ao docente um convite para participar do projeto Understanding of Misinformation & Science in Societal Debates, coordenado pelo pesquisador Vicent Traag.