Tecnologia social garante reaproveitamento de 100% do esgoto
Fossas agroecológicas estão sendo utilizadas em escolas e residências do Sertão ao Litoral Sul, evitando a poluição do São Francisco
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Uma tecnologia de baixíssimo custo e alto impacto social. Assim pode ser definida a implantação de fossas agroecológicas desenvolvidas por pesquisadores ligados ao Centro de Tecnologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). As fossas fazem uso de 100% do esgoto gerado por residências e escolas e vêm garantindo uma melhor qualidade de vida e contribuindo com a preservação do Rio São Francisco.
O mecanismo consiste num jardim, no qual a vegetação faz uso de 100% do esgoto que é gerado - seja em banheiros, pias ou ralos. A tecnologia agrega ainda valores como a reutilização de pneus inservíveis e de restos de materiais de construção ou demolição, as chamadas “metralhas”, evitando o despejo desses produtos nos leitos dos rios ou terrenos baldios. Tudo isso a um custo praticamente inexistente.
O responsável pelo desenvolvimento e pela implantação da tecnologia em Alagoas é o professor e pesquisador Eduardo Lucena. Ele explica que hoje as fossas agroecológicas estão presentes em escolas de cidades que vão do Sertão ao Litoral Sul do estado, como Piranhas, Pão de Açúcar, São Brás, Penedo e Igreja Nova.
“Em Piranhas, no povoado chamado Passagem do Meio, na Escola Frei Damião, nós construímos uma unidade em 2021. Quando retornamos no ano passado, percebemos que ela está sendo bastante útil, porque naquela região o solo tem dificuldade de infiltração da água, por conta das rochas. A fossa que existia na escola vivia transbordando, o que gerava um problema de saúde. Com a fossa agroecológica, além de resolver esse problema crônico, as frutas produzidas são usadas na merenda”, contou Eduardo Lucena.
O professor e pesquisador explica que a implantação de fossas agroecológicas teve início em 2021, quando recebeu o convite para integrar a Expedição Científica do Baixo São Francisco. A ideia inicial, explica Eduardo Lucena, era construir fossas biodigestoras, que são as fossas tradicionais, com o apoio logístico da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh). Mas a proposta não prosperou.
“As fossas biodigestoras encontram certa resistência na comunidade, porque quando mal operadas, apresentam problemas, transbordam e podem até provocar afundamentos e acidentes. Então, lancei a proposta de executar um projeto que a gente desenvolveu, que são as fossas agroecológicas. A proposta foi aceita e, hoje, nós comemoramos os resultados positivos que estão sendo alcançados”, destacou o professor e pesquisador.
De acordo com Eduardo Lucena, as fossas agroecológicas são compostas por caixas impermeabilizadas que recebem os resíduos; pneus que iriam para o descarte; restos de construção ou de demolição, que formam uma bacia de evapotranspiração; areia e brita. Por fim, são plantadas bananeiras ou mamoeiros, plantas com raízes não profundas, que utilizam os nutrientes presentes no esgoto para a produção dos seus frutos e devolvem para a atmosfera água limpa, através do processo de evapotranspiração.
“As águas cinzas, que são oriundas das pias e chuveiros, são direcionadas para um círculo de bananeiras, que é uma escavação circular, com bananeiras plantadas ao redor, que absorve a água, retirando os nutrientes do esgoto e devolvendo vapor de água. Nós já fizemos diversos testes sanitários que garantem a não contaminação dos frutos. Só não é indicado o consumo de raízes, o que não é o caso”, detalhou.
Geração de energia
O professor e pesquisador é reconhecido não somente pela implantação das fossas agroecológicas no estado. Eduardo Lucena vem desenvolvendo, ao longo dos seus 13 anos de Ufal, um vasto trabalho na transformação de resíduos em energias limpas. Atualmente, ele conta com cinco pedidos de patentes em tramitação, o que deve garantir propriedade intelectual para a instituição e elevar ainda mais a sua produção científica.
“Minha área de atuação está muito associada ao meio ambiente e ao saneamento. O saneamento está dentro do meio ambiente. Trouxe para a Ufal a linha de pesquisa que eu desenvolvi com meu ex-orientador em São Carlos, na USP [Universidade de São Paulo], que é o aproveitamento de resíduos para geração de energia, ou seja, tratar adequadamente os resíduos e reduzir o custo desse tratamento”, acrescentou.
Um de seus projetos exitosos foi a criação de um biodigestor, que, além de contribuir com o descarte responsável de resíduos, gera gás e pode ser utilizado tanto em geradores de energia quanto em fogões domésticos. De tão inovadora, a iniciativa foi contemplada no edital do Programa Centelha, desenvolvido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (Fapeal), lançado em 2022.
“O biodigestor surgiu a partir de uma provocação aos nossos egressos para que eles levassem para a comunidade uma solução para os problemas que existem. Esse grupo de ex-alunos conseguiu aprovar a ideia e houve o apoio da Fapeal, com consultorias, mentorias para montar uma empresa para que tornasse essa tecnologia comercial”, pontuou.
Eduardo Lucena conta que este não é o primeiro projeto desenvolvido nesta área. “Já desenvolvemos vários projetos utilizando resíduos agroindustriais ou subprodutos, como por exemplo, a vinhaça, que é oriundo das usinas do setor sucroenergético para produção de etanol; manipueira, que é um resíduo gerado no Agreste, após o beneficiamento da mandioca; trabalhamos com efluentes da indústria de laticínios; com efluentes da indústria de cerveja, de refrigerantes, de fábricas de alimentos, de biscoito; e com resíduos de suinocultura. Todos com grande potencial de produção de bioenergia”, explicou.
Nessa jornada, o professor e pesquisador Eduardo Lucena não está só. A estudante de Engenharia Ambiental e Sanitária, Bárbara Lima, tem atuado em um projeto de iniciação científica desenvolvido no Centro de Tecnologia da Ufal. De acordo com ela, a pesquisa possibilitou que conhecesse novas áreas profissionais e que pudesse participar de todas as etapas para a implantação de fossas agroecológicas.
“Durante o projeto, desenvolvemos todas as etapas necessárias para a implantação da tecnologia, desde o dimensionamento do espaço, passando pelo memorial descritivo, até chegar na implantação propriamente dita. Essa é uma área que eu não conhecia e que a iniciação científica está me possibilitando conhecer. Inclusive, abrindo portas no estágio. Sem dúvidas, uma grande oportunidade”, ressaltou Bárbara Lima.
Já a estudante de Engenharia Química, Maria Keliane, atua num projeto sobre plantas macrófitas, vegetação aquática presente no São Francisco, que pode ser um indicador do grau de poluição do rio. A proposta do projeto que ela integra é a utilização das plantas na produção de gás metano. “A minha área é Engenharia Química, mas eu atuo na Engenharia Ambiental. Posso dizer que aqui a gente vê a união de todas as engenharias e vivencia a prática. Essa troca é enriquecedora e fundamental na minha formação”, expôs.
A discente conclui, destacando que a experiência científica despertou a vontade de seguir na vida acadêmica: “Nesse laboratório, temos trocado constantemente informações sobre seleções, orientações, programas de pós-graduação. A gente não só contribui com o projeto como o projeto também contribui com a nossa vida acadêmica”.
Matéria publicada na Revista Saber Ufal de 2023. Veja aqui essa e outras matérias.