Professora e cientista da Ufal investiga futuro de plantas alimentícias silvestres
Estudo está sendo feito no Museu de História Natural de Berlim, na Alemanha
- Atualizado em 30/05/2025 22h24

A cidade é Berlim, e o local de trabalho é o Museu de História Natural da capital alemã, um dos mais importantes centros de pesquisa do mundo no campo da evolução biológica, geológica e biodiversidade. É lá que a cientista Patrícia Muniz de Medeiros, professora da Universidade Federal de Alagoas, está realizando uma revisão sistemática relacionada a plantas alimentícias, mudanças climáticas e conservação biocultural.
Pós-doutoranda do Programa de Bolsas para Pesquisa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e da Fundação Alexander von Humboldt (AVH), Patrícia quer entender quais são as perspectivas para o extrativismo das plantas alimentícias silvestres no futuro. Se elas vão aumentar sua distribuição ou se vão reduzir. Questionamentos que interessam diretamente a quem tem o cultivo de variadas espécies como fonte de renda.
“Além do aspecto econômico, as plantas silvestres alimentícias têm uma importância grande do ponto de vista nutricional e do ponto de vista ecológico, por serem espécies que, muitas vezes, fazem parte de ecossistemas florestais ou de outros ecossistemas naturais. E a sua popularização poderia ajudar a manter essas áreas florestais”, enfatizou a cientista.
A pesquisadora conta com a ajuda, no Brasil, da estudante de Engenharia Florestal, Emily Guedes, a quem destina uma parte de sua bolsa a título de ajuda de custo. Por não se tratar de uma pesquisa de campo, não há gasto com deslocamento, Patrícia usa seu próprio notebook e acessa periódicos das bases Capes, Ego Science e Scopus para levantar as informações.
Nos primeiros seis meses, foram reunidos todos os estudos que fizeram modelagem de distribuição de espécies com plantas alimentícias silvestres. Isso resultou na criação de um banco de dados dessas espécies, com informações sobre o que os estudos estão prevendo para a distribuição delas no futuro. “Não se trata de uma previsão totalmente fechada do que vai acontecer daqui a 30, 40, 50 décadas, mas de um indicativo, até porque há outras variáveis que podem interferir nessa distribuição das espécies, a exemplo da quantidade de florestas que vai existir até lá, e como vai estar a urbanização”, justificou a professora Patrícia.
De acordo com ela, o próximo passo será uma revisão para indicação de quais são as plantas de alta importância nutricional, alta importância cultural e que tenham perspectivas de aumento na sua distribuição. E, ao mesmo tempo, uma revisão para indicação de plantas que também têm alta importância nutricional, alta importância cultural, mas uma perspectiva de redução na sua distribuição. Essas vão ser indicadas como prioritárias para a conservação biocultural. “Para uma revisão sistemática, é sempre importante ter, pelo menos, duas pessoas fazendo esse trabalho, para que uma corrija, caso haja alguma falha. Então, Emily está me ajudando com essas correções”, revelou.
Compreender toda essa diversidade de espécies e as perspectivas de futuro pode contribuir decisivamente para um planejamento estratégico da atividade extrativista das próximas décadas. Por isso, a pesquisadora acredita que essas informações, em diferentes contextos sociológicos, vão ajudar, sobretudo, na elaboração de políticas públicas em âmbito nacional e internacional.
Isso significa que, ao acessar esse banco de dados, pessoas de vários cantos do mundo vão poder ter ideia de quais espécies vão ser interessantes para o futuro, com quais devem tomar muito cuidado e trabalhar o reflorestamento. Enfim, fazer de tudo para que elas sejam mantidas no seu ambiente. “Quando falo de futuro, não significa que as estratégias de conservação, de popularização deverão começar só no futuro. Estamos realizando essa revisão sistemática, indicando tendências, para que essas estratégias comecem agora e possam ser duradouras”, reforçou Patrícia Medeiros.
Para transpor o desafio de ter uma equipe reduzida, a professora Patrícia precisou considerar apenas um conjunto mais restrito de estudos nessa revisão sistemática. A investigação cai nas palavras-chave que são em língua inglesa, porque não dá para incluir outros idiomas ao acaso. “Não temos como dar conta de todos esses idiomas. E, é claro, a gente perde muita informação. Por exemplo, a China é um dos países que mais têm estudos de modelagem e distribuição de espécies. Tem muitos. Sem esses estudos, a gente perde 800 espécies ou mais que têm estudos em chinês”, lamentou a pesquisadora.
Por outro lado, ela esclarece que isso é normal na maioria das revisões sistemáticas e ressalta que esse recorte de língua ocorre porque é impossível para alguém dar conta de revisar em todas as línguas de todos os países.
Outro desafio é a forma como cada estudo é feito. Ela encontrou alguns trabalhos muito detalhados, com todas as informações sobre a metodologia, de como foi feita a modelagem. E outros são mais desorganizados, faltando informações ou clareza. Isso tem dado trabalho à pesquisadora, que precisa pegar o máximo de informações, mas com o cuidado de elaborar algumas estratégias, no caso de dados deficientes. Todo o trabalho foi iniciado em abril de 2024 e prosseguiu até abril deste ano.
Professora adjunta da Ufal, Patrícia Medeiros divide a coordenação do Laboratório de Ecologia, Conservação e Evolução Biocultural (Leceb) com o professor Rafael Silva. “A ideia de conservação biocultural é que as sociedades precisam conservar não apenas as plantas, os animais, os micro-organismos, mas todo esse corpo de conhecimentos, práticas, crenças que estão associados a essas plantas, animais e micro-organismos. A ideia é que tudo isso que é criado pelos seres humanos também é um patrimônio da humanidade e também precisa ser mantido”, explicou.
Essa filosofia de trabalho do Leceb não é uma unanimidade entre os grupos de pesquisa. Muitos deles, mais ortodoxos, acreditam que, para que a natureza seja conservada, os seres humanos precisam estar afastados dela.
No Laceb, segundo a cientista, os pesquisadores trabalham com a ideia de que os seres humanos são parte integrante da natureza, interferem diretamente nos processos ecológicos e, por isso, as estratégias de conservação precisam levar em conta a forma como esses seres humanos interagem com as florestas. “É perfeitamente possível conciliar a conservação de uma floresta com o uso dessa floresta para extração de plantas alimentícias e plantas medicinais”, defendeu.
Vencedora dos prêmios Internacional Rising Talents da L'Oréal-Unesco for Women in Science de 2020 e L'Oréal-Unesco-ABC para Mulheres na Ciência de 2019, a professora Patrícia foi eleita membro afiliada da Academia Brasileira de Ciências [2021-2025]. Ela atua nas áreas de Etnobotânica, Ecologia humana e Etnoecologia. É integrante do corpo permanente de professores dos Programas de Pós-graduação em Etnobiologia e Conservação da Natureza, da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), e Diversidade Biológica e Conservação nos Trópicos, da Ufal.
