Exposição de casos é uma forma de combater todos os tipos de violência contra a mulher
Pesquisadora da Ufal debate sobre notificações e métodos que traçam o perfil das mulheres vítimas de violência
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Está na Lei 10.778: Violência contra a mulher é qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, inclusive decorrente de discriminação ou desigualdade étnica, que cause morte, dano ou
sofrimento físico, sexual ou psicológico. E não é difícil encontrar relatos. As agressões continuam, mas ganharam novos holofotes.
De acordo com dados da Superintendência de Vigilância em Saúde (Suvisa), foram mais de 24,7 mil notificações de violência interpessoal/autoprovocada em Alagoas de 2017 a 2021, das quais 69,8% das vítimas são mulheres. Os números incluem casos dos últimos dois anos de pandemia, quando as vítimas ficaram no local apontado como principal cenário das agressões: a própria casa.
“Não houve um aumento do número da violência, há uma intensificação do número de denúncias no próprio contexto pandêmico do isolamento social. A gente teve um cenário que nunca viveu antes, de mulheres com seus agressores dentro de um confinamento doméstico. Isto possibilitou, inclusive, estratégias de denúncias via rede social”, destacou Marli de Araújo Santos, professora da Universidade Federal de Alagoas, que tem várias pesquisas realizadas sobre classe, gênero, raça e etnia.
As agressões conjugais, segundo Marli, são as que mais impactam, porque está em cerca de 90% dos casos. Ela chama atenção para o perfil das mulheres agredidas, que em sua maioria, têm entre 15 e 49 anos, mas a violência não é exclusivamente entre parceiros. “Vai desde o relacionamento com uma mulher mais velha até uma menina de 15 anos, então nós estamos falando de namoros abusivos, uniões estáveis e casamentos pensando na questão conjugal. Mas aí não está se falando também da violência que acontece quando o agressor é o pai ou o irmão, por exemplo”, frisou.
(Sub)notificações são que realidade?
A professora Marli é a atual coordenadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (Neabi) do Campus Arapiraca e lembra que, no recorte de raça feito pelo último Mapa da Violência, em Alagoas houve 54% de violência contra as mulheres negras e a redução de 24% contra as mulheres brancas.
“O racismo no Brasil é estrutural, a história de mulheres negras é uma história de violência desde a sua chegada ao Brasil com mulheres sequestradas que chegam aqui diásporas, forçadas. A violência sexual do corpo negro se mantém, então o maior número de mulheres em situação de violência continua sendo de mulheres negras”, comentou.
Ela está à frente de um projeto de pesquisa intitulado Pretas: observatório da violência contra mulheres no semiárido alagoano. A proposta é monitorar os serviços de atendimento às mulheres pensando quais são atendidas e como está o atendimento das mulheres em situação de violência. Marli conta que a necessidade de acompanhamento vem também do problema de subnotificações de casos, incluindo os que não chegam a ser denunciados, e os métodos utilizados pelos sistemas que afetam não apenas os números da população negra.
“A notificação é extremamente importante, mas a gente está falando aqui de mulheres no sentido de gênero binário. Ou você é homem ou você é mulher no sentido do sexo biológico. Quando a gente chega na saúde, que tem uma ficha técnica de notificação, tem lá se é trans, a questão étnico-racial, a orientação, mas a gente está tendo isso na delegacia? Mulheres trans podem denunciar na delegacia? Os serviços que atendem, não necessariamente no âmbito jurídico, estão fazendo esse tipo de notificação?”, questionou.
Muito além de números, as vítimas da violência são conhecidas, vizinhas, familiares... pessoas que esperam ser acolhidas. “Hoje a gente consegue falar de mulheres negras, mas a gente ainda não consegue falar das ciganas, das trans, a gente não fala das travestis, das indígenas, quilombolas... Notificar não é só o número, é pensar na diversidade dessas mulheres, nos territórios onde essas mulheres estão, porque quando nós temos esses números em mãos nós podemos pensar nas propostas de políticas de atendimento”, reforçou Marli.
O socorro oficial
A notificação é obrigatória à autoridade de saúde, realizada pelos médicos, profissionais
de saúde ou responsáveis pelos estabelecimentos de saúde. Além disso, pactuações
locais permitem que outros trabalhadores de diversos setores realizem a notificação, como na educação e na assistência social.
Em Alagoas, é possível encontrar todos os canais de denúncia no portal da Comissão de Articulação de Políticas de segurança Pública na Prevenção da Violência Contra a Mulher.
Além do Disque 180, as vítimas podem procurar apoio, orientações e esclarecer dúvidas por meio do 3315-1740 e 98867-6434. Existe também a possibilidade de realizar um Boletim de Ocorrência sem sair de casa por meio da Delegacia Virtual.
A professora Marli de Araújo destaca que o Agosto Lilás tem ganhado visibilidade a cada ano, porque além de conseguir debater o assunto em diversas esferas, expõe dados e deficiências da rede de proteção da mulher. Mas ela entende que o desafio é muito maior que a cor do mês realça:
“Eu não diria que a campanha é para conscientizar, porque durante um mês é algo extremamente difícil. O Agosto Lilás vem dar uma sacudida. Acho que é um grande desafio mobilizar de forma permanente, porque a violência contra as mulheres acontece todos os dias, o ano inteiro e em todos os nossos espaços”.