Ufal participa do tombamento de um dos principais acervos afro-religioso de Alagoas
Coleção Perseverança possui 211 peças sagradas que foram saqueadas durante o Quebra de Xangô
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A Coleção Perseverança é um dos principais registros da memória e tradição afro-religiosa de Alagoas e é composta por 211 peças sagradas que foram saqueadas por militares durante a invasão de inúmeros terreiros do estado no episódio conhecido como o Quebra de Xangô, no início do século passado, resultado de uma rixa entre políticos desse período histórico.
Em julho deste ano a coleção, formada por estes objetos saqueados durante aquela noite de terror, e há anos requerida patrimônio cultural negro, foi tombada provisoriamente pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) enquanto aguardava o processo administrativo de tombamento definitivo.
O tombamento provisório configura-se pela notificação do proprietário dos bens a serem tombados para que se atente aos prazos e condições de sua utilização até a proteção legal definitiva pelo governo federal. Neste caso, foi o Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas (IHGAL) que recebeu essa notificação, visto que a instituição abrigou os produtos desta pilhagem, desde 1950, logo depois de fechado o Museu da Sociedade Perseverança - que dá nome à coleção.
Finalmente nesta terça-feira, dia 12 de novembro, o tombamento definitivo da Coleção Perseverança foi apreciado pelo Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural. O ato é resultado dos exaustivos esforços de um grupo de trabalho forjado para tal intuito, do qual fazem parte integrantes de diversas casas afro-religiosas, o Núcleo de Estudos Afrobrasileiros e Indígenas (Neabi) da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), o Instituto do Negro de Alagoas (Ineg) dentre outros órgãos estatais.
Danilo Marques, coordenador do Neabi, conta que “a Ufal teve representação institucional, a partir do Neabi, no Grupo de Trabalho que escreveu o dossiê que viabilizou o tombamento da Coleção Perseverança. A partir de setembro de 2022, os ciclos de encontros do GT voltaram-se para momentos de formação, visitas ao IHGAL, atividades de divulgação sobre a coleção e a produção do parecer técnico, construído de forma colaborativa entre os agentes envolvidos”.
"Com esta ação a Ufal, através do Neabi, atuou não apenas como corpo técnico para o tombamento da Coleção Perseverança, mas como um dos intermediadores para que o povo de terreiro de Alagoas voltasse a ter acesso às peças religiosos que lhe são de direito, contribuindo para a sua transição de prova de um crime, símbolo histórico de violência e racismo, para a de legado de luta e combate ao racismo religioso, herança espiritual do povo negro", destaca.
O Quebra
O crime conhecido como Quebra de Xangô aconteceu na madrugada do dia 2 de fevereiro de 1912, data das festividades de Oxum, quando os integrantes dos terreiros - ou xangôs, como se chamam as casas de religião de matriz africana de Alagoas ao Rio Grande do Norte - estavam recolhidos prestando homenagens a essa divindade, e um cortejo violento percorreu as ruas de Maceió promovendo uma destruição sistemática destes locais e o roubo de seus instrumentos ritualísticos e sagrados, um verdadeiro quebra religioso. O ato, inclusive, ocasionou a morte de Tia Marcelina, importante mãe de santo da época e ícone da luta negra alagoana.