Museu Théo Brandão recebe visita do artista e pesquisador Vitalino Neto
Levantamento e identificação das obras do mestre Vitalino e família são os objetivos das visitas em museus brasileiros
São gerações de artistas influenciados por ele. Aos seis anos de idade, fez e vendeu o primeiro trabalho. Foi só o início do processo criativo de mestre Vitalino, que com a arte representativa de um cotidiano simples do interior nordestino, ganhou os museus do Brasil e do mundo, sendo, hoje, objeto de estudo de pesquisadores em universidades renomadas.
No Museu Théo Brandão (MTB/Ufal)), peças de Vitalino compõem o acervo deixado pelo folclorista, motivo da recente visita de Vitalino Neto ao equipamento cultural. Com um olhar atento aos detalhes das peças do avô, o também artista está percorrendo museus e outros espaços de arte popular para fazer o levantamento e a identificação das obras do consagrado mestre pernambucano e de outros familiares que herdaram o fazer artístico. A visita de Vitalino Neto ao espaço expositivo e a reserva técnica do MTB foi acompanhada pela diretora Hildênia Oliveira. A ocasião contou com a presença do museólogo da Fundação Joaquim Nabuco,Henrique Cruz, e do coordenador dos Museus de Caruaru, George Pereira.
“É importante a identificação do que é definitivamente da família Vitalino ou feito pelo próprio Vitalino e identificar as temáticas, onde estão essas coleções, mas principalmente identificar o que é ou não da família para poder auxiliar os museus nesse trabalho de passarem essa informação melhor aos seus visitantes e aos pesquisadores. O objetivo é mapear esses museus no Brasil e, através de características físicas das peças, formato da cabeça, da orelha, dos braços, identificar o que é da família Vitalino”, explicou Henrique.
Filho de Manoel Vitalino, um dos herdeiros dessa arte que vem do barro, Vitalino Neto está se dedicando a iniciativas que visam manter viva a história e o legado do mestre Vitalino. A atual pesquisa surgiu de um questionamento antigo. “Eu escutei a vida toda, a minha família dizer que Vitalino havia feito 118 trabalhos. É uma informação baseada numa publicação de René Ribeiro, dos anos 50. Mas Vitalino viveu quase dez anos depois disso. Numa coleção que eu vi quando era criança, havia mais de cem peças do meu avô. Comecei a questionar como ele poderia ter criado apenas 118 peças, se lá tinha mais de cem. Então, a gente começou a pesquisar, catalogar e com o advento da internet, facilitou muito a nossa vida. A gente viu que essa lista está muito abaixo da realidade”, contou.
Uma coleção que só aumenta
A pesquisa já aconteceu em Pernambuco e no Rio de Janeiro. Também já foram identificadas peças no Chile. “A gente está fazendo visitações em tudo que é equipamento. Alagoas é o terceiro estado. Tudo isso faz aumentar essa coleção e corroborar com o que a gente estava pensando, que 118 peças não batia”, ressaltou Vitalino Neto. O pesquisador disse que também está fazendo visitações em acervos particulares, embora seja mais difícil encontrar as obras nesse contexto. “Infelizmente, é mais fácil se perder. Quando se trata de heranças, dividem entre si essas coleções, que acabam sendo dissolvidas. Mesmo assim a gente chegou a algumas coleções particulares”, explicou.
Os filhos do mestre Vitalino herdaram o talento do pai e começaram a fazer arte com o barro. “Os maiores discípulos de VItalino são Amaro e Manoel, que trabalharam com ele por volta de oito anos, antes de Vitalino ir para o Alto do Moura”, detalhou Vitalino Neto. De acordo com ele, após a morte do avô, todos os filhos de Vitalino começaram a assinar as obras com o nome Vitalino Filho. São peças de Severino, Antônio, Manoel, Amaro e de Maria José. “Mais adiante, podem ser encontradas essas peças dos filhos, cada uma com seu devido nome”, disse.
Uma outra curiosidade contada pelo neto do mestre Vitalino é que algumas peças assinadas como Vitalino Filho foram feitas por duas noras do avô. Uma delas é Noemi, esposa de Severino Vitalino. A outra nora é Maria Santino, mãe de Vitalino Neto e esposa de Manoel. “Durante um certo período, elas trabalharam com os maridos e usaram a mesma marca. Foi um acordo para que as duas noras auxiliassem os maridos, devido a grande demanda por peças. Têm muitos trabalhos feitos por elas com o nome Vitalino Filho. Lá na frente, foi desfeito esse acordo que eles tinham e então, elas passaram a utilizar os próprios nomes. Minha mãe adotou o nome Maria Santino nas peças”, relatou.
Peculiaridades de cada artista
A identificação dessas obras é uma parte importante da pesquisa desenvolvida pelo neto de Vitalino, que além de buscar por números mais exatos no legado do mestre e da família, também procura fazer a diferenciação entre as produções de modo mais particular, de acordo com as especificidades de cada artista. Assim, Vitalino Neto é capaz de apontar quem da família fez cada peça. “Para nós, é só botar o olho e já saber, mas as pessoas têm essa dificuldade. Na obra de Vitalino, o estilo da boca é diferente. É uma boca meio chorosa, como um ‘U’ invertido, meio triste. Essa característica não teve continuação na obra dos filhos do meu avô. Nas peças de Vitalino, também tem um detalhe diferente na orelha, o tamanho do nariz é um pouco maior. As peças de meu avô e de Manoel Vitalino são as mais parecidas. Já no trabalho de Antônio, os bonecos têm um queixo maior. O trabalho de Amaro tem um pouco mais de deformidade. O rosto dele é bem característico, não era arredondado feito o trabalho de Vitalino. O de Severino tem a característica da orelha mais pontuda. A gente tem essa experiência, fora a convivência, até independente de algum detalhe, a gente já consegue botar o olho e perceber as diferenças”, ressaltou.
Com essa pesquisa, Vitalino Neto também ampliou o olhar sobre a obra do avô, identificando características que antes não havia percebido. “A gente identificou que Vitalino fazia crônicas com a arte dele. Ele não fazia peças separadas. Vitalino fazia uma sequência, contava uma história, através de várias peças criadas, formando um grupo. Eu achei isso fantástico”, disse. Essa narrativa relatada na obra do mestre caruaruense está presente em uma das peças do acervo do MTB, com o tema morte do mestre Vitalino.
Mais uma peça do mestre Vitalino no MTB
O neto do mestre Vitalino explica que tem como meta entregar, no começo do próximo ano, esse trabalho de pesquisa que está sendo desenvolvido. “E ainda em 2025, entregar o nosso segundo trabalho, que é o livro, com detalhes como imagens de peças, várias histórias e características da obra. Será tudo respaldado pelos maiores especialistas da atualidade. Será um trabalho que vai gerar bons frutos”, destacou. A boa notícia para o MTB é que uma das peças da reserva técnica, que ainda não havia sido identificada, foi certificada tendo autoria de Vitalino, aumentando o número de obras do mestre que comprovadamente existe no Museu.
A ideia de Vitalino Neto é apresentar um relatório do resultado desse trabalho nos espaços de cultura, proporcionando mais segurança às informações divulgadas. “A gente não quer fazer para guardar, mas colaborar com todos os equipamentos, facilitar a vida dos museólogos, dos colecionadores, dos leiloeiros, dos galeristas e dos estudantes. Têm tantos trabalhos de pesquisa sobre esse assunto, desde a escola fundamental até as teses de doutorado. A gente quer colaborar com isso porque a gente vê muitos equívocos, devido aos materiais que foram feitos com informações meio distorcidas", disse.
Vitalino Neto considera esse projeto como um propósito de vida, ao contribuir com uma difusão verídica na obra do avô e grande mestre da cultura nordestina. "Quando se trata de Vitalino, gosto de zelar pela obra que ele criou e trazer a maior divulgação que pode existir, da maneira mais transparente e repleta de informações. A minha missão é essa”, concluiu.