Ação na Serra da Barriga integra formação em saúde no Dia da Consciência Negra
Projeto busca ampliar o debate sobre equidade em saúde em um dos principais símbolos da resistência negra
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Subir a Serra da Barriga, localizada em União dos Palmares, no data que se celebra o dia da Consciência Negra, 20 de novembro, se tornou uma atividade indispensável para aqueles que desejam celebrar, no maior quilombo das Américas, a ancestralidade e a resistência do povo negro. Mas há também aqueles que vão ao local para cuidar de quem faz a cultura acontecer, que é o caso do projeto “A Tenda de Cuidados Professor Jorge Luís Riscado”, que há quatro anos vem fazendo a diferença no local.
A ação é uma iniciativa da ONG Inaê, ligada ao Grupo União Espírita Santa Bárbara (Guesb), coordenado por Mãe Neide Oyá D’Óxum, e conta com o apoio da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (Renafro) e da Faculdade de Medicina (Famed) da Universidade Federal de Alagoas (Ufal).
Anualmente, o projeto leva estudantes dos cursos de Medicina e Psicologia, além de residentes em Medicina de Família e Comunidade e da Residência Multiprofissional, à Serra para realizar serviços de verificação de glicemia, aferição de pressão arterial, além de orientações e cuidados de saúde voltados à população negra e a todos que visitam o território histórico do Quilombo dos Palmares.
Formação antirracista para estudantes da saúde
Para o professor da Famed e um dos organizadores da ação, Waldemar Neves, a atividade, além de fazer a diferença na saúde da população local, também é um caminho para uma formação mais humanizada na Saúde da População Negra, povos de comunidades tradicionais e povos de terreiro.
“Hoje, estatisticamente, cerca de 50% das pessoas atendidas no SUS são negras, mas sabemos que a proporção chega a quase 70%. E, além do atendimento, há a vivência com cultura, ancestralidade e o encontro com comunidades tradicionais, quilombolas, indígenas e povos originários. A vivência gera um profissional mais preparado e mais humano para atuar no SUS”, reforçou.
O docente também destacou o projeto como uma oportunidade para que os estudantes saiam das imediações da instituição e aprendam, na prática, o contato com a diversidade do público: “A universidade tem o papel de ser extramuros. Não podemos ficar apenas dentro da instituição levando conhecimento. Além da formação acadêmica, pesquisa e extensão, precisamos dar retorno à população. Essa ação fortalece tanto a formação dos estudantes quanto o cuidado mais humanizado para quem é atendido. Isso enriquece muito a formação, tanto humanista quanto técnica, especialmente porque muitos deles futuramente atenderão comunidades quilombolas”, declarou o professor.
Neves acredita que o maior legado que um projeto como este pode deixar é a necessidade de uma formação antirracista para estudantes da saúde e a urgência de desconstruir o racismo religioso, estrutural e institucional que atravessa a sociedade.
“Precisamos ampliar iniciativas assim para outros cursos, valorizando a ancestralidade e os saberes das comunidades tradicionais. Na tenda, por exemplo, filhas de santo falaram sobre saúde mental, uso de ervas, chás, banhos e rituais que fazem parte do cuidado físico e espiritual. Isso contribui para quebrar o racismo religioso sofrido diariamente pelas religiões de matriz africana”, disse.
Homenagem a Jorge Luís Riscado
O nome do projeto presta uma homenagem póstuma ao professor Jorge Luís Riscado, falecido em 2022, um dos mais importantes aliados da luta antirracista em Alagoas. Docente dedicado da Ufal e da Faculdade de Medicina (Famed), além de membro ativo do Neabi, Riscado deixou um legado marcado pelo compromisso com uma educação justa, inclusiva e transformadora.
Riscado foi responsável pela implantação, em 2007, da disciplina eletiva Saúde da População Negra, ofertada aos cursos de graduação e pioneira na abordagem das desigualdades raciais em saúde na universidade. Além disso, coordenou o Projeto Universidaids, estruturado pelo Ministério da Saúde em 1997 e desenvolvido por meio da articulação entre instituições universitárias e os serviços de saúde pública.
Waldemar Melo contou que foi unanimidade entre os organizadores que a tenda levasse o nome do professor, como uma homenagem simbólica a todo o legado que ele deixou à universidade.
“O professor Jorge Luís Riscado abriu caminhos no estado e no país. Foi pioneiro no trabalho com comunidades tradicionais, com a população LGBT, HIV, profissionais do sexo. Escolher seu nome para a tenda foi uma forma de manter viva a chama da saúde da população negra e das comunidades tradicionais. Lideranças quilombolas ressaltam até hoje a importância do trabalho dele e sentiram muito sua ausência após seu falecimento, o que mostra o impacto profundo do que construiu”, finalizou.