Projeto de extensão usa capoeira como ferramenta pedagógica
Pedagoginga, presente na Ufal desde julho de 2024, realizou formatura e cerimônia de batismo
- Atualizado em 27/05/2025 11h15

Uma roda, um berimbau e a cultura representada no ambiente universitário. É o que, há quase um ano, acontece no Centro de Interesse Comunitário (CIC) da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), nas tardes de todas as terças e quintas-feiras. O projeto Pedagoginga é uma ação de extensão, vinculado ao Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (Neabi) e tem participação da comunidade externa, especialmente de bairros como Village Campestre, Jacintinho e Clima Bom e da cidade de Rio Largo.
A proposta é a capoeira como ferramenta pedagógica que valoriza elementos fundamentais da cultura afro-brasileira como oralidade, circularidade, corporeidade e musicalidade. De acordo com o projeto, as oficinas “respeitam os processos criativos individuais e coletivos, promovendo a expressão corporal, a comunicação rítmica e a construção da memória afetiva, ao mesmo tempo em que reconhecem a capoeira como uma tecnologia ancestral”.
O projeto detalha que a oralidade é trabalhada como meio de expressão e transmissão de saberes; a circularidade, como símbolo de coletividade e movimento; a corporeidade, como valorização do corpo como meio de existência e produção de conhecimento; e a musicalidade, como expressão cultural viva e significativa, que vai além do conteúdo comercializado nos meios tradicionais. Além disso, está alinhado com a Lei 10.639/2003, que torna obrigatório o ensino da História e da Cultura Afro-Brasileira na rede de ensino fundamental e médio.
A coordenação-geral do projeto é do professor Danilo Marques, e o coordenador da extensão é Denivan Costa de Lima, o mestre Denis Angola. Ele conta que o público universitário de diversos cursos, como Pedagogia, História, Serviço Social, Sociologia, Dança, Teatro e Filosofia também tem participado das rodas.
Desde julho de 2024 essa comunidade diversa segue aprendendo técnicas de alongamentos, treinando movimentos corporais, esquivas e golpes em sintonia com a musicalidade de instrumentos tradicionais como atabaque, pandeiro e o berimbau, além dos momentos de conversas sobre o universo da capoeira.
“Para mim representa, acima de tudo, uma valorização da prática da capoeira enquanto uma manifestação de cultura negra em Alagoas. Também tem sido gratificante que o CIC tenha aberto este espaço para que possamos trabalhar o corpo e o movimento, assim como a musicalidade afro-brasileira em um espaço que não tinha muita ocupação”, ressaltou Mestre Denis Angola.
Raízes africanas
A Capoeira faz parte do vocabulário cultural brasileiro. Algumas pessoas têm noções preconcebidas e atribuem à luta de libertação dos africanos e afro-brasileiros escravizados na época colonial, outras associam a uma dança tradicional com raízes africanas e mãe de muitas outras expressões culturais. Também há quem a pratica como um esporte.
Depois de um processo de marginalização e criminalização, passou por modificações para se adaptar ao processo de reconhecimento oficial da capoeira como esporte nacional em 1937. Organizações, padronizações e sistematização das tradições foram sendo realizadas e o diálogo entre as gerações de capoeiristas levou a capoeira para espaços cada vez mais abrangentes.
Um deles foi a universidade, como o exemplo do projeto de extensão Pedagoginga, tocado pelo mestre Denis Angola, do grupo Lua de São Jorge. E, assim, os membros do projeto se tornaram também membros desse grupo. Um berimbau negro dentro de um círculo de fundo amarelo é a identidade visual do Lua de São Jorge, fundado em 1997, em Pernambuco, por quatro irmãos, um deles foi o mestre de Denis, desde 2012.
Com Denis e, posteriormente, professores formados por ele, o grupo fincou suas raízes em Alagoas, presente em Maceió, nos bairros Garça Torta, Village Campestre 2 e Jacintinho; na Aldeia Indígena Wassú-Cocal, em Joaquim Gomes-AL; e, mais recentemente, na Ufal e na cidade de Rio Largo-AL.
Nesse intervalo, os alunos do Pedagodinga também puderam treinar com o professor Gonzaga (Village Campestre), o professor Índio (Jacintinho) e a professora Christina (Bairro Jarbas, em Rio Largo), além de outros instrutores como Andrea e Touro. Os integrantes puderam visitar e participaram de múltiplos eventos de capoeira como o Encontro de Mulheres na Capoeira, a Feira Cultural na Aldeia Wassú-Cocal, e a subida à Serra da Barriga, em União dos Palmares, no dia dedicado à Consciência Negra, onde muitos conheceram e interagiram com outros grupos de capoeira.
O mestre Denis adianta que, no mês de julho, haverá o 3° Encontro de Mulheres na Capoeira, com programação de palestras oficinas, rodas para o público feminino e o lançamento de um documentário. W quem quiser fazer parte do projeto Pedagoginga pode entrar em contato pelo telefone (82) 9.9120-2398, ou ir pessoalmente no dia da aula.
Ritual de batismo
Com um público diverso, muitos membros do projeto iniciaram a prática de forma despretensiosa. Mas o coordenador conta que a capoeira foi fazendo sentido para cada um e, recentemente, alguns passaram pelo ritual de batismo do grupo, recebendo sua primeira corda, na cor verde, que simboliza o compromisso e a responsabilidade com a capoeira.
Nos dias 25 e 26 de abril aconteceu o evento Formatura e Batizado do Capoeira, promovido pelo Centro de Capoeira Lua de São Jorge. O rito da troca de corda foi para capoeiristas de diferentes graduações, e também para Denis Angola, que passou de contramestre a mestre, oficialmente.
O evento ocorreu no Auditório Vera Rocha, no antigo Centro de Ciências da Saúde (Csau), no Campus A.C. Simões da Ufal, com diversas homenagens de outros mestres de grupos aliados e dos próprios fundadores do grupo Lua de São Jorge. “Foi realizada uma roda comemorativa e presenciando o ritual de formatura onde cada mestre presente doou um pouco de seu axé na corda a ser utilizada pelo mestre Denis, passando de mão em mão, e com isso a carregando de boas energias e dando-lhe votos de boa sorte”, como contou João Gabriel, capoeirista e estudante de História da Ufal.
O batismo foi realizado no ginásio poliesportivo do campus. Após a roda de batismo, a cerimônia envolveu as madrinhas e padrinhos da capoeira de cada aluno para amarrar a corda inicial, na cor verde, no abadá do recém-consagrado capoeirista.
“Nenhum deles sonhava ou esperava chegar até aqui. Na realidade muitos só se viram respondendo ao chamado que a capoeira fazia a eles. Hoje, herdaram o nome e as tradições do Lua de São Jorge e estão responsáveis por levarem adiante a luta de seus antepassados e a história de muitos esquecidos pelo tempo, cujas façanhas são imortalizadas em suas músicas e canções. Eles mesmos cantam os versos de mestre Ulisses [um dos fundadores]. E quando perguntado cada um dos participantes o que seria a vida sem a capoeira, eles responderam: ‘Minha vida sem capoeira, eu não quero nem ter que pensar!’”, relatou o capoeirista Rômullo Rogério, servidor da Ufal.
