Maceió abriga uma população de desassistidos

A Gazeta de Alagoas publicou uma matéria especial na edição do último domingo, 17, sobre as comunidades excluídas de Maceió. A matéria cita pesquisa sobre a situação das crianças na Orla Lagunar realizada pela Ufal. Leia alguns trechos da matéria.


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Foto: José Feitosa
Foto: José Feitosa

Maurício Gonçalves – Repórter da Gazeta de Alagoas

Um mundo paralelo é espremido em Maceió, mas não para de crescer. Quanto mais achatada, mais a miséria se espalha nas favelas e grotas que a elite tenta não ver. A falta de serviços básicos como saúde, educação, segurança, água encanada e energia elétrica transforma comunidades ignoradas pelo poder público numa categoria de excluídos que podem ser chamados como os sem-tudo.

O alagoano Aurélio Buarque de Holanda define excluir como “pôr de lado, abandonar, pôr fora, eliminar, isentar-se, ser incompatível com”. Os sem-segurança, sem-saúde ou sem-água podem nunca ter lido o dicionário, mas sabem bem o sentido da palavra exclusão. Ela está do lado de fora dos vidros dos carros e não sente o ar-refrigerado do shopping. Tentam ignorá-la, mas ela existe, avança e é cruel.

Profissionais de saúde sofrem assaltos

Para chegar na Grota do Moreira só tem um jeito: é preciso descer. Seja qual for a entrada, o visitante afunda, cai na realidade escondida dos bairros nobres. Serviços públicos tropeçam nas ladeiras da comunidade e são interrompidos, como é o caso do atendimento de saúde da família, o antigo PSF. Médicos e enfermeiras são assaltados. Brigas entre gangues e batidas policiais impedem as visitas dos agentes comunitários nas residências.

“Quando a ‘boca está quente’, eu subo para o posto e não saio de lá”, resume a agente de saúde, Luciana Ferreira. Como também reside na grota, Luciana sabe bem os dias que as equipes não podem descer para atender os sem-saúde e adverte os colegas de trabalho. “Às vezes tem uma batida policial, brigas na comunidade, problemas do tráfico e o clima fica pesado, mas os agentes e outros moradores sempre nos alertam para evitar o perigo”, pondera a enfermeira Ticiane Rosa.

Água e energia são artigos de luxo

Água encanada e energia elétrica. Pouco tempo sem estes serviços pode provocar o caos na rotina de muita gente, geram manifestações de rua e motivam ações judiciais. Mas a exclusão social os transforma em artigos de luxo, um sonho distante para as famílias sem água e sem eletricidade que moram em dois pontos extremos de Maceió. Vidas bem diferentes, praticamente opostas, localizadas pela Gazeta numa fazenda na região de Cachoeira do Meirim e numa favela do Dique Estrada.

O lampião de querosene é peça essencial na casa habitada por Antônio e Girlene dos Santos com os três filhos, na erma fazenda Rio dos Ovos. Fogão à lenha, panelas pretas e o único móvel da residência é a cama de casal. As crianças dormem em redes, mas o chefe da família não quer sair de onde está. “Gosto da rua não. A pessoa pobre é melhor ficar longe da cidade”.

Violência afasta crianças das escolas

Bolas de gude e pedras de crack passam de mão em mão. A brincadeira e o perigo estão na rotina de crianças fora da escola que moram na Favela Mundaú, no Dique Estrada. A falta de educação é tão grande quanto a dificuldade para entrar numa sala de aula. Mães dormem em filas de matrículas e tentam evitar o pesadelo do preconceito ao amanhecer. Quando dizem que moram na favela, quase sempre recebem um não como resposta.

No cadastramento para solicitar uma vaga, o momento de informar o endereço é o mais temido. “Digo que moro na favela, não vou mentir, aí eles mudam logo de feição”, revela a dona-de-casa Andréa Fausto Justino, que em seguida é informada sobre a “falta de vagas”. Todos os anos, esta mãe da orla lagunar percorre de quatro a cinco escolas, entre o Conjunto Virgem dos Pobres e o Vergel, para mendigar pela educação dos quatro filhos. Mas é em vão.

Medo faz Correios suspender entregas

A comunicação veloz do mundo globalizado esbarra em problemas que remontam à pré-história da humanidade. Muito aquém da exclusão digital, a truculência, a miséria e o medo impedem o acesso a uma das mais antigas formas de correspondência: a carta escrita. A Empresa de Correios e Telégrafos (ECT) simplesmente teve que restringir as visitas dos carteiros em 18 áreas de Maceió por causa da violência.

A tarefa de levar a carta ao destinatário é cada vez mais perigosa. São assaltos, tiroteios e até pedágios ou toque de recolher nestas regiões mais perigosas. Segundo o gerente de operações dos Correios em Alagoas, Edmar Ribeiro, muitas vezes o carteiro é alertado por moradores da comunidade de que não pode entrar em determinada área. A empresa apontou o problema à polícia e solicitou escolta, mas não teve resposta.

Bandidos deixam população sem ônibus

A violência ameaça fechar os dois terminais de ônibus mais movimentados de Maceió. A estação do Mercado já ficou deserta por dez dias em abril, sem funcionar por ordem de um grupo de traficantes. A do Vergel só não foi desativada este mês porque a Polícia Militar resolveu reforçar a segurança, com policiais de prontidão permanente e rondas da Radiopatrulha e do Batalhão de Operações Especiais (Bope).

Antes da medida, havia uma média de quatro arrastões por semana e passageiros eram furtados todos os dias. O apurado das viagens passou a ser conferido dentro dos ônibus e a função do terminal não tinha mais sentido. Para evitar roubos, nem os fiscais das empresas ficavam mais na estação. Nas redondezas, também é grande a quantidade de lojas e mercadinhos que faliram por não suportar mais o prejuízo com os assaltos.

Favelados vivem em total esquecimento

A orla lagunar é o cartão postal que Maceió deu as costas. Beleza e miséria se tocam nas favelas do Dique Estrada. Quem tenta mirar a paisagem, tem o olhar puxado para os barracos onde “subvivem” quase mil famílias. A exclusão dos sem-tudo é tão gritante nesta faixa de mangue aterrado que uma ação judicial pioneira no Brasil está punindo a prefeitura pela falta de políticas públicas.

A Justiça condena o município de Maceió pela situação tétrica em que se encontram as crianças e adolescentes das favelas Sururu de Capote, Muvuca, Torre e Mundaú.
O juiz da Infância e Juventude, Fábio Bittencourt, determinou o bloqueio de R$ 1,5 milhão da conta da prefeitura, que também está pagando uma multa diária de R$ 10 mil, desde 10 de setembro de 2007 (data da sentença) até o dia em que resolva os problemas apontados.

Promotora convoca audiência pública

A sentença judicial foi considerada uma vitória tanto para a comunidade, como para as ONGs que desenvolvem trabalhos na favela, os pesquisadores da Ufal e os integrantes do MP. Concluído o diagnóstico, a promotora Alexandra Beurlen já convocou uma audiência pública para o dia 8 de junho com os secretários municipais e estaduais, representantes da comunidade, da Ufal, das ONGs, do Tribunal de Justiça e conselheiros tutelares.

“Haverá a apresentação do relatório da Ufal, vamos debater as propostas apresentadas como soluções, ouvir as secretarias, estabelecer prazos e ações concretas para resolver os problemas apontados no diagnóstico”, esclarece Beurlen. Tudo deve ser oficializado em um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) e, caso as recomendações não sejam cumpridas pelo poder público, o MP ainda pode utilizar um último recurso, a execução por terceiros para garantir a implantação das políticas públicas.

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