Ufal no interior muda vida de estudantes
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Estudante enfrenta dura jornada em busca de graduação
Fernando Vinícius - repórter da Gazeta de Alagoas
Acordar cedo faz parte da rotina de todo agricultor, principalmente entre trabalhadores rurais de baixa renda. Ainda é madrugada quando Roberto Silva Oliveira e Josefa Alves Oliveira começam a se preparar para mais um dia de labuta. O casal reside no Sítio Alazão, município de Arapiraca, sobrevivendo do plantio de milho, feijão e mandioca. Não fosse o gosto pelos estudos, certamente Willma Alves Oliveira, 19 anos, filha do casal, também carregaria uma enxada ao invés da bolsa com cadernos e livros, material do curso de Serviço Social da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), um dos 16 implantados a partir de 2007 no interior.
A necessidade de deixar o conforto da cama logo cedo para cuidar de tarefas diárias terminou por ajudar Willma Alves. A formação para a carreira que ela escolheu é ofertada em Palmeira dos índios, um dos três polos do Campus Arapiraca, também responsável pelas unidades situadas em Viçosa e Penedo. Entre sua moradia e a sala de aula, a aluna enfrenta um percurso de aproximadamente 50km, começando com uma caminhada de 20 minutos. Ao lado da mãe, Willma anda na estrada de terra batida até chegar à AL-110, onde pega um ônibus até Arapiraca, ponto de embarque na van que a prefeitura utiliza para o transporte de universitários.
"'Eu acordo por volta das 4 horas, tomo um copo de leite e saio de casa às 4h20 para não perder o ônibus que passa na pista umas 5 horas. Depois dessa hora, o transporte alternativo só começa às 5h30 e como param muito, corro o risco de não pegar o carro da prefeitura que sai da praça às 6 horas", explicou Willma sobre sua jornada, em parte financiada com bolsa da Ufal.
Aprovada para atuar no projeto que avalia políticas públicas de assistência social, a aluna do 4° período recebe por mês R$ 250. "Pago a passagem de ônibus até Arapiraca [passe de estudante, RS 35 mensais], compro livros e faço um lanche de vez em quando. Se não fosse a bolsa, não dava para continuar na Ufal, porque minha família não tem recursos", comentou. Seu pai informa que a renda da casa não ultrapassa um salário mínimo.
"Estou passando por uma situação difícil, mas fico muito orgulhoso em ver minhas filhas estudando na universidade", declarou o agricultor, que concluiu apenas o antigo primário. Roberto falava da filha mais nova, Wise Alves de Oliveira, 17, que este mês iniciou o curso de História na Uneal. Outro exemplo de dedicação aos estudos que pode servir de inspiração para Roberto Silva Oliveira Júnior, 6 anos, o caçula da casa.
"As meninas sempre tiveram tendência para estudar, nunca perderam ano, nós sempre apoiamos e espero que ele (Júnior) também siga o mesmo caminho, porque dá futuro", analisa, com razão, o agricultor.
Mobilização assegurou investimentos
Palmeira dos índios - Agosto de 2008. Cinco meses após o prazo estabelecido, o prédio da Ufal em Palmeira é inaugurado. Alunos, professores e funcionários trocam o Caic - sede provisória do polo - pela casa nova, mas a expectativa é frustrada. Para surpresa geral, faltam portas e janelas no imóvel. As instalações são precárias, não há acesso à internet, falta estacionamento e, para piorar, as chuvas revelaram infiltrações no teto e nas paredes. Para reverter o quadro desolador, a comunidade académica do Polo Palmeira protestou, reivindicou e até invadiu reunião na reitoria, mobilização que assegurou a correção dos serviços mal feitos.
Setembro de 2009. O processo de interiorização da universidade federal completa três anos e a Gazeta retorna a Palmeira para investigar a situação do Polo da Ufal, já recuperado do baque de um ano atrás. As goteiras sumiram com a troca de toda a cobertura do prédio, agora climatizado nos setores burocráticos e nas cinco salas de aula atualmente disponíveis, uma delas ainda improvisada. A instalação de con-dicionadores de ar só foi possível depois da substituição da rede elétrica, reparo que também possibilitou o funcionamento de computadores.
Superada a fase crítica, os cursos disponíveis em Palmeira dos índios [Psicologia e Serviço Social] estão sendo ampliados. "Iniciamos a construção de 14 salas de aula e mais 13 para os professores, obra orçada em R$ 1,3 milhão. Para evitar que os erros voltem a se repetir, nós formamos uma comissão para acompanhar e fiscalizar os serviços. Não somos técnicos, mas temos a experiência negativa do que já aconteceu aqui", afirmou Cícero Albuquerque, coordenador do polo de Palmeira. Ele ressalta também que o recente concurso para professores suprirá carências encontradas no corpo docente.
A melhora geral no polo Palmeira pode se estender para além dos muros da sede, avanço que depende de entendimento com o prefeito de Palmeira. Segundo Cícero Albuquerque, James Ribeiro acena com a possibilidade de cessão de terreno para a construção da residência universitária, uma das reivindicações dos estudantes ainda pendente. Para Ribeiro, não seria má ideia. Seu antecessor, o ex-prefeito Albérico Cordeiro conseguiu que a Câmara autorizasse a doação do terreno situado na Vila Maria, área onde o polo Ufal foi construído. O acordo político viabilizou a saída dos cursos da sede improvisada.
A instalação do Corpo de Bombeiros no Caic inviabilizou por completo a permanência dos universitários, transferidos para a cilada do prédio mal acabado. Os acordos políticos podem se estender para que a Casa Museu Graciliano Ramos passe ao controle da universidade, "A gente sabe que dinheiro não cai do céu, mas já temos o apoio da reitora Ana Dayse e podemos melhorar aquele espaço. Seria um privilégio para as duas instituições, é como se estivéssemos unindo o" útil e ao agradável", comentou Cícero Albuquerque.
Enquanto a residência universitária e a gestão do espaço cultural ainda dependem de conversas, a parceria entre Ufal e prefeituras já é fato, pelo menos para a inclusão de estagiários em setores públicos das prefeituras da região.
Cursos atraem poucos penedenses
Penedo - Em Maceió ou fora da capital, estudar Turismo ou Engenharia de Pesca na Ufal só mesmo em Penedo. Situada às margens do Rio São Francisco, a "Cidade dos Sobrados" foi incluída no Campus Arapiraca por sua localização e história, base para a oferta dos cursos que registram os menores índices de concorrência da instituição no interior. No último vestibular, cada vaga em Engenharia de Pesca atraiu cinco candidatos, enquanto que a concorrência em Turismo foi de 3,5 por vaga. A procura abaixo da expectativa seria resultado da confusão sobre o campo de trabalho de cada carreira e também do pouco conhecimento da comunidade estudantil sobre as profissões, ambas consideradas promissoras.
Com quatro turmas formadas nas duas áreas de ensino, cada sala tem média de 25 alunos, de acordo com o coordenador do polo Penedo, Sérgio Onofre. Considerando que cada vestibular oferece 40 vagas, a evasão preocupa. "Nas primeiras turmas, nós tínhamos salas lotadas com um público diversificado. Eram estudantes que tinham acabado de completar o ensino médio ao lado de adultos empregados, o que provocou a incompatibilidade destes com a vida académica. Entre os que não conseguiram conciliar as duas coisas, alguns até chegaram a concluir o primeiro período, mas a maior parte trancou matrícula", explicou Sérgio Onofre. Como o aluno que deixa de concluir três períodos perde o vínculo com a universidade, parte dos primeiros feras precisará se submeter a um novo vestibular, caso deseje retomar a formação abandonada.
A constatação do problema acendeu a luz de alerta no polo Penedo, o de maior percentual do Campus Arapiraca com estudantes residentes na cidade-sede e municípios próximos. Segundo o coordenador do pólo, "80% dos nossos alunos são da região do Baixo São Francisco, Penedo, Piaçabuçu, Neópolis (município de Sergipe), por exemplo, então nós estamos fazendo um trabalho de divulgação nas escolas da região e temos ainda um cursinho pré-vestibular que começou em 2008 por iniciativa dos nossos alunos e que hoje faz parte do programa de extensão Conexões de Saberes. São duas turmas formadas por 50 estudantes carentes, com bolsa para oito monitores, além dos que fazem o trabalho voluntário que também serve para vender o nosso peixe", comentou, citando ao final a propaganda feita por quem se prepara para optar entre o que cada área oferece aos futuros profissionais.
A iniciativa pretende eliminar a distorção que existe entre o trabalho do profissional de turismo e o guia de turismo, por exemplo. "Nós estamos formando turismólogos, que podem atuar na gestão de negócios de turismo, formular políticas para o setor e, como em toda área de formação, atuam em diferentes campos. Hotelaria, eventos, turismo ecológico são apenas alguns exemplos, mas o turismólogo também pode ser um gestor de políticas públicas, enfim, há uma perspectiva variada no mercado de trabalho", disse Sérgio Onofre. No caso da Engenharia de Pesca, as possibilidades também são diversificadas e promissoras, conforme o coordenador do curso, Emerson Soares. Há opções no setor de engenharia (construção de açudes, viveiros barragens e instalações para recepção de pescado), tecnologia aplicada na qualidade do pescado, meio ambiente, oceanografia e captura, e ainda na área do cultivo (piscicultura, aquicultura, ostreicultura, por exemplo). "Uma das razões para o desconhecimento da Engenharia de Pesca é o que o setor pesqueiro sempre foi esquecido em termos de políticas governamentais, somente agora é que temos um impulso nessa área com o Ministério da Pesca. É preciso destacar também que o polo Penedo está situado na região mais promissora para o cultivo, tanto em água doce como no mar, desde a extensão de todo litoral sul de Alagoas até o lado sergipano. Também já temos o Ceráqua (estrutura da Codevasf voltada para a pesquisa que tem convénio firmado com a Ufal) instalado em Porto Real do Colégio", acrescentou Emerson Soares.