Lançamentos na Bienal: Entre Pitangas e Sapotis e Mar Alto

Entre Pitangas e Sapotis, de Janayna Ávila, e Mar Alto, de Simone Cavalcante e Lucia Rabello, são lançados pela Edufal na IV Bienal do Livro


- Atualizado em
Janayna Ávila e Simone Cavalcante. Foto: Ricardo Lêdo
Janayna Ávila e Simone Cavalcante. Foto: Ricardo Lêdo

do site Cada Minuto

Graciliano Ramos teria afirmado certa vez que “Alagoas é terra de náufragos”. A frase, uma expressão da insatisfação do escritor em relação à recepção de suas obras no estado em que nasceu, ilustra também o quanto, muitas vezes, a produção literária e crítica locais podem passar despercebidas.

 Mas foi justamente se debruçando sobre essa produção que duas jornalistas e uma professora de literatura encontraram o que classificam como “um tesouro”. Entre Pitangas e Sapotis − a crítica na imprensa alagoana nas décadas de 20 e 30, de Janayna Ávila, e Mar Alto – travessias pelo romance Calunga, de Jorge de Lima, de Simone Cavalcante e Lucia Rebello, interpretam textos produzidos num período de grande efervescência na literatura de Alagoas. Editadas pela Edufal, as obras serão lançadas, respectivamente, nos dias 02 de novembro, às 19h, e 6/11, às 17h, durante a IV Bienal Internacional do Livro de Alagoas, no Centro Cultural e de Exposições de Maceió, em Jaraguá.

Ambas as obras resultam das dissertações de mestrado de suas autoras, publicadas agora em formato de livro. Janayna e Simone defenderam seu trabalho no Programa de Pós-Graduação em Letras e Lingüística da Universidade Federal de Alagoas, orientadas pelas professoras Vera Romariz e Ildney Cavalcante, respectivamente.

Já a defesa de Lucia se deu na Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, sob a orientação do professor Flávio Loureiro Chaves. Além disso, outro aspecto une as duas obras: a criação literária e a postura crítica de Jorge de Lima. Para Janayna, foi Jorge de Lima quem impulsionou uma leve, mas significativa, abertura na crítica literária alagoana dos anos 20 e 30. E, na visão de Lucia e Simone, é preciso resgatar a obra em prosa desse escritor para o conhecimento das novas gerações.

Entre Pitangas e Sapotis traz uma análise da crítica produzida em Alagoas nas primeiras décadas do século 20, especialmente dos textos que tratam do Modernismo e do Regionalismo, movimentos que surgiram na época. A autora discute também qual o papel que a imprensa local desempenhou na divulgação dessas avaliações críticas e como o Futurismo e o escritor italiano Filippo Tommaso Marinetti estiveram tão próximos e, ao mesmo tempo, tão distantes dos críticos alagoanos.

Os textos analisados foram escritos por jovens literatos, jornalistas e advogados, como Valdemar Cavalcanti, Guedes de Miranda, Carlos Paurílio, Mário Marroquim, Raul Lima, Jorge de Lima, Arnon de Mello, entre outros. Para selecionar os escritos, Janayna pesquisou as páginas literárias dos jornais Diário da Manhã, Jornal de Alagoas e O Semeador.

“O grande apego alagoano ao Regionalismo, evidente nos textos analisados, é explicado através da assimetria Nordeste versus Sudeste e pela tentativa de afirmação identitária via cor local”, destaca Janayna, que deu continuidade à pesquisa sobre crítica alagoana no doutorado pela Ufal, concluído em fevereiro deste ano.

A crítica literária local daqueles anos chama atenção principalmente por dois aspectos: primeiramente pelo fato de a intelectualidade alagoana estar participando, nos anos 20 e 30, do intenso debate em torno de temas como nacionalismo, língua nacional e diálogo com outras culturas.

“Pouco a pouco a pesquisadora iluminou, como poucos estudos sobre o tema o fizeram, autores e textos de uma crítica em periódicos que nos fala de uma Alagoas literária de jornais, do tempo dos suplementos, de um tom local anti-modernista saboroso e, às vezes, ingênuo, que pensava o regional de forma excludente.

Era a visão de um país nordestino dentro de outro, e antioutro, espécie de rescaldo das ideias regionalistas mais fechadas do ponto de vista da identidade cultural; mas essa perspectiva tinha o mérito de resgatar um tom local sufocado por uma modernidade cosmopolita e excludente”, escreveu Vera Romariz no prefácio da obra.

O segundo aspecto se refere à participação fundamental de algumas personalidades ligadas ao Regionalismo, a exemplo de Gilberto Freyre e José Lins do Rego (que morou em Maceió por quase 10 anos), e pela trajetória artística de Jorge de Lima.

Ainda hoje o escritor é aclamado “Príncipe dos poetas”, e conhecido pela publicação de textos parnasianos, como O Acendedor de Lampiões. No entanto, sua atuação foi bem mais ampla. Além da adesão ao Modernismo, em 1927, com o lançamento de O Mundo do Menino Impossível, foi um artista múltiplo que esteve aberto a outras linguagens, como o romance e as artes plásticas e visuais. Os romances Salomão e as Mulheres (1927), O Anjo (1934), Calunga (1935), A Mulher Obscura (1939) e Guerra Dentro do Beco (1950) confirmam o seu lado prosador.

Calunga, por exemplo, é um texto que causou muita polêmica quando foi publicado, em 1935, no burburinho do romance de 30 no Brasil. Embora tratasse de temas muito comuns naquele tempo como fome, miséria, latifundiarismo, coronelismo e fanatismo religioso, a obra ficou praticamente obscurecida com o passar dos anos. Somente da década de 80 para cá é que o texto voltou a despertar o interesse da crítica, principalmente a acadêmica.

O livro Mar Alto caminha nessa direção ao conter duas tentativas de resgatar o romance Calunga. No primeiro texto, intitulado Mares de Mito e História, Lucia mostra como alguns aspectos míticos, a exemplo da lama, são ficcionados no texto com a finalidade de mascarar uma realidade histórico-social insuficiente e, dessa forma, denunciá-la.

“Sob a falsa aparência de um relato documental, carregado de violenta crítica social, constata-se que o valor da obra está, em verdade, naquilo que se oculta sob essa aparência”, ressalta a autora.

No texto Mares de Sonho e Utopia, Simone revela os aspectos utópicos do livro, que aborda o cotidiano de misérias dos habitantes da ilha de Santa Luzia. E mostra que, mesmo diante das contradições de uma ilha imaginária, que tem muitas correspondências com o mundo real, o romance se abre para a busca incessante da esperança. Mas uma esperança racionalmente construída em torno das necessidades coletivas, que recusa o individualismo, o autoritarismo e o fanatismo religioso.

Com esses dois lançamentos, a Edufal dá sua contribuição ao processo de construção de nossa memória cultural, dando visibilidade a textos que preenchem lacunas nos estudos sobre a produção literária em Alagoas. Os livros serão comercializados no estande da editora, durante o período da Bienal, que vai de 30 de outubro a 8 de novembro. E, após o evento, podem ser adquiridos nos sites da Edufal e das livrarias Cultura e Saraiva.