Desativação de satélite fará país reduzir capacidade de previsão do tempo


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Fonte: Carlos Madeiro - UOL Ciência e Saúde

 

A partir das 2h10 desta terça-feira (1º), o Brasil vai perder o satélite que faz o monitoramento meteorológico do país e de toda a América do Sul. O Goes-10, de fabricação americana e considerado hoje “sucata espacial”, será desativado. Sem ele, o Brasil vai perder quantidade e qualidade das imagens enviadas do espaço, o que trará redução da capacidade de previsão de tempo de curto prazo.

 

Segundo especialista ouvido pelo UOL, a desativação revela a dependência internacional do Brasil e acontece justamente no período de El Niño, que deve trazer chuvas intensas no Sul e Sudeste a partir de dezembro.

 

De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o satélite será desativado porque “não terá mais combustível para se manter em correta posição orbital”. O Goes-10 foi posicionado na sua órbita geossíncrona a 36 mil km da Terra em 1997 e em 2007 encerrou a missão estabelecida pela Noaa (Administração Nacional do Oceano e Atmosfera), do governo dos EUA. Desde lá o satélite passou a ter cobertura preferencial da América do Sul, e o Inpe ficou responsável pela geração e disseminação dos dados. Agora, o controle do satélite volta à mão dos americanos.

 

No lugar do satélite, a Noaa vai utilizar o Goes-12, lançado em 2001, para fazer o monitoramento do continente sul-americano e enviar imagens para o Brasil. O Inpe garante que a mudança não trará interrupção no serviço meteorológico e informou que o Goes-10 apresenta “problemas de navegação”.

 

A mudança reduzirá em pelo menos 50% a quantidade de imagens enviadas pelo satélite. Hoje, o Brasil recebe imagens a cada 15 minutos. Segundo o Inpe, o Goes-12 vai enviar imagens apenas a cada 30 minutos.

 

Mas esse número pode ser reduzido a um sexto no caso de eventos climáticos intensos nos EUA. “A Noaa pode optar por imagear somente os Estados Unidos em casos de tornados, furacões ou tempestades severas naquele país”, admite o Inpe, em nota enviada ao UOL.

 

Mas segundo o Inpe, um acordo firmando na Organização Mundial de Meteorologia (OMM) exige que, mesmo nestas circunstâncias, “imagens da América do Sul a cada três horas estão garantidas”.

 

O Inpe reconhece que, nessas situações, haveria impacto no monitoramento da atmosfera para previsão de curto prazo, mas garante que “o recebimento de imagens a cada três horas é suficiente para gerar dados a seus modelos numéricos computacionais, assegurando a mesma qualidade nas previsões de médio e longo prazo”. 

 

Mais longe do Brasil

 

Outro problema no novo satélite é a localização. O Goes-10 está posicionado a 60º oeste do meridiano de Greenwich, enquanto o substituto está a 75º, ou seja, mais distante do país. O Inpe informa que existe a previsão de reposicionamento do satélite para o local onde está o atual em maio de 2010. Até lá, as imagens enviadas ao Brasil terão menor qualidade.

 

“Por ele [Goes-10] estar mais em cima do Brasil, a resolução espacial dele é melhor. Como o Goes-12 está mais afastado, a resolução é menor. Em termos de informações, teremos também uma perda significativa da resolução temporal”, afirmou o doutor em sensoriamento remoto pela Universidade de Arizona nos EUA e coordenador no Brasil do Eumetcast (sistema de disseminação de dados da Organização Europeia para a Exploração de Satélites Meteorológicos - Eumetsat) Humberto Barbosa.

 

Segundo ele, a falta de um satélite próprio mostra a vulnerabilidade do setor no país e significa um retrocesso. Barbosa chama a atenção de que a mudança acontece a pouco mais de um mês do verão, quando a meteorologia aponta para chuvas mais intensas que a média dos últimos anos. “Era o momento que mais precisávamos do monitoramento de curto prazo, já estamos também em plena fase do El Niño e, com a chegada de dezembro, devemos ter mais chuvas do que a média no Sul e Sudeste, e menos no Nordeste. E quanto mais imagens, melhor para saber se o evento está se intensificando. À medida que há perda de imagens, perde-se também a previsão de curtíssimo prazo”, alegou.

 

O professor ainda explica que o Brasil poderia utilizar mais as imagens do satélite da Eumetsat, o Meteosat-9. Porém, pelo posicionamento o Goes pega toda a América do Sul, enquanto o Meteosat-9 está mais próximo da África. “O Meteosat-9 fornece imagens a cada 15 minutos, com a operação de sensores em 12 canais do espectro do visível e infravermelho, contra os atuais cinco canais do Goes-10. Muitos países da América do Sul utilizam as imagens do Inpe”, explicou o meteorologista, que coordena também a estação da Eumetcast na Universidade Federal de Alagoas (Ufal).

 

Humberto ainda criticou a política de investimentos do país, que ainda não possui um satélite próprio para previsão do tempo. “O Brasil não pode demorar para ter o seu próprio satélite meteorológico, dado o tamanho do país. Nossa agricultura depende do tempo e clima. Além disso, precisamos, mais do que nunca, monitorar as condições meteorológicas devido à intensificação de eventos extremos. Veja que o Sul e Sudeste estão cada vez mais com eventos intensos”, afirmou, lembrando que o Brasil já possui, em cooperação com a China, um satélite para monitoração apenas do meio ambiente.

 

Em nota, o Inpe informou que já desenvolve satélites de sensoriamento remoto para observação da Terra. “Embora o custo de um satélite geoestacionário seja da ordem de 400 milhões de dólares, os especialistas do Inpe consideram que o retorno em produtos e serviços essenciais à sociedade justifica o desenvolvimento de um satélite próprio”, informou o órgão, sem informar prazos de conclusão.