Caminho árduo

Dez dicas de especialistas para passar em um concurso público


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Dez dicas de especialistas para passar em um concurso público
Dez dicas de especialistas para passar em um concurso público

 

Fonte: Isto É

Wilson Aquino, Adriana Nicacio e Fabiana Guedes

 

É por conta desse processo de revalorização no serviço público dos poderes Executivo, Le­gislativo e Judiciário que a grande disputa está concentrada nos concursos federais. Nesse mo­mento estão abertas quase 57 mil vagas, que serão disputadas por alguns milhões de brasilei­ros que estão se preparando com afinco para conseguir passar no grande funil do serviço público federal. É como um vestibular, mas muito mais disputado. Enquanto 11,5 mil pes­soas concorreram às 275 vagas oferecidas pela Faculdade de Medicinas da USP este ano, 143 mil candidatos vão se digladiar por um dos 75 postos de técnico administrativo, com salário inicial de R$ 4,8 mil, que o Banco Central ofe­rece em seu concurso no domingo 31.

Para quem consegue ultrapassar essa barreira a recompensa é a certeza de uma carreira estável, com boa remuneração, muitas benesses e a garan­tia de uma aposentadoria com padrões de rendi­mento incomparáveis aos da carreira privada. "No setor privado a disputa é muito grande. Já não basta ser bom, é preciso ser muito bom e ainda assim o começo será difícil", diz Fábio Salomon, headhunter da multinacional Michael Page, uma empresa especialista em contratar executivos de ponta para grandes companhias.

Foi por isso que Igor Gomes, 26 anos, deixou a família a mais de 2,3 mil quilômetros de dis­tância, em Imperatriz, no Estado do Maranhão. Há três anos ele é aluno da Damásio de Jesus, em São Paulo, uma escola preparatória de con­cursos, para se preparar para tornar-se juiz ou promotor do Ministério Público. Igor passa cerca de 11 horas por dia estudando e, até agora, já fez cinco tentativas, todas sem sucesso. "O processo é longo, composto por muitas fases, mas me sinto cada vez mais próximo de atingir meus objetivos", diz ele, que preferiu não se tornar médico, como o pai. Os concurseiros, como Igor, estão acostumados a essa rotina. Deslocam-se milhares de quilômetros para ir atrás de uma melhor preparação e cruzam o País em busca de concursos que lhes ofereçam chance de realizar o sonho de ser um servidor. Igor, por exemplo, vai para Curitiba (PR) na primeira semana de março fazer mais um con­curso. Dessa vez vai tentar uma vaga de juiz no Estado do Paraná. Para conseguir man­ter a rotina de estudos e concursos, não tra­balha. Recebe uma pensão de R$ 3 mil todos os meses para custear o curso e as despesas em São Pau­lo. "Vale a pena ficar aqui. Sei que depois terei estabilidade e po­derei fazer o que esco­lhi", conta.

Igor Gomes é a ponta de uma indús­tria bilionária, que movimenta algo pró­ximo a R$ 30 bilhões todos os anos no Bra­sil. Fazem parte dela empresas especializa­das em organizar concursos, cursinhos preparatórios, pro­fessores particulares, locadores de imóveis dedicados a pessoas que vão para os gran­des centros se preparar, empresas de trans­porte e uma série de prestadores de serviço que, indiretamente, também lucram com os gastos dos candidatos a uma vaga no serviço público. A estimativa é de que , só com a mensalidade, os concorrentes que se matriculam em um curso preparatótio gastem em média R$ 10 mil por ano. E os cursinhos, que antes eram pequenas empresas, tornaram-se corporações com faturamento milionário. A Gran Cursos, de Brasília, conta com mais de 20 mil alunos, que pagam uma mensalidade média de pouco mais de R$ l mil. Seu faturamento anual é superior a R$ 200 mihões.

As principais organizadoras de concursos, por exemplo, movimentaram sozinhas quase R$ 120 milhões em 2007. Organizaram quase 200 concursos, com mais de dois milhões de inscri­tos. "O setor mais que dobrou em quatro anos", diz Maria Theresa Sombra, diretora-executiva da Associação Nacional de Apoio e Proteção aos Concursos, a Anpac. "Em 2005 havia 40 empresas. Hoje já são mais de 100."

Essa explosão de concursos também tem gerado problemas. Só no ano passado pelo me­nos 20% dos concursos públicos ocorridos no País tiveram algum tipo deles. Um dos casos mais graves ocorreu no concurso da Polícia Rodoviária Federal, que selecionaria 750 novos agentes. Todos os primeiros colocados de dife­rentes Estados fizeram prova em salas extras, o que era permitido apenas para pessoas em con­dições especiais, como lactantes. Além disso, em uma das questões da prova de física, todos os primeiros colocados erraram, porque marcaram a alternativa que era dada como certa no gaba­rito preliminar, antes de a prova ter sido altera­da. O concurso foi suspenso pela Justiça e a PRF decidiu rescindir o contrato com a Funrio, que organizou o concurso, alegando que houve descumprimento das condições do contrato.

No prejuízo ficaram os 120 mil candidatos que prestaram a prova em setembro do ano passado. Entre eles está o gestor de segurança Jorge Romano, 28 anos, um dos autores da de­núncia. Romano parou de trabalhar há dois anos para se dedicar a concursos. Havia sido aprova­do para a PRF em 2007, mas, por morar no Rio de Janeiro, não quis assumir porque a vaga era para o Pará. "Tinha certeza de que ia passar nesse também. Espero que o concurso seja anu­lado para não beneficiar quem não merece", diz ele, cujo sonho era ser diplomata, mas não foi aprovado nas duas provas que fez para o Itamaraty. Para ele ainda há esperança de refazer a prova e voltar a ter uma chance.

Mas para Carolina Machay, 30 anos, no entanto, as esperanças já se foram. Classificada em primeiro lugar no con­curso para técnica industrial de impres­sos digitalizados da Casa da Moeda, ela ganhou, mas não levou. "Não esperava passar em primeiro lugar", lembra Ca­rolina. O concurso foi em 2005 e du­rante longos quatro anos a web designer, que fez 78 dos 100 pontos possíveis na prova, esperou em vão pelo chama­do. O prazo de validade do concurso expirou em 2009 e Carolina nunca foi convocada. O que ela não sabia até entrar em contato com a estatal é que não havia lido com atenção o edital do concurso, que deixava bem claro que o recrutamento era para o cadastro de reserva e que a Casa da Moeda não ti­nha obrigação de contratar os aprova­dos. Casos como esse são comuns. Muitas vezes os candidatos estão tão ansiosos que se esquecem de detalhes simples, porém fundamentais.

E isso não acontece apenas com letras miúdas de editais. São mais comuns, na verdade, no processo de preparação para a prova. Muitos candidatos acabam criando um fluxo de estudos que não segue técnica ou uma estrutura lógica."É fundamental o estudante sistematizar os estudos", diz Bertrand Oliveira, pro­curador da Fazenda Nacional e profes­sor de um cursinho em Brasília.

Estudar para um concurso público é uma tarefa árdua, que demanda tempo e paciência. "Na média, um candidato demora de seis meses a 1,5 ano para pas­sar em um concurso de nível médio, com salário inicial de R$ 2,5 mil, e de 1,5 ano a 3 anos para conseguir uma vaga num concurso de nível superior, com ganhos iniciais de mais de R$ 12 mil", diz José Romero Baubeta, diretor da Central de Concursos, um curso preparatório de São Paulo. "É uma rotina de operário, mas não na quantidade de horas que se estuda, mas sim na forma, que tem que ser focada e discipli­nada", diz Wilson Granjeiro, dono da rede Gran Cursos, de Brasília. "A filosofia é simples: não se estuda para passar, mas sim até passar", diz Fábio Gonçalves, da Academia dos Concursos, outra escola preparatória, no Rio.

É exatamente essa filosofia que vem regen­do a vida de Adriana Noble, uma brasiliense de 25 anos, desde 2007, quando se formou em direito. Desde então ela se prepara para um concurso do Ministério Público da União que ninguém sabe ao certo quando terá o edital publicado. Nesse período Adriana já fez duas especializações, uma em direito civil e outra em direito do trabalho, e estuda continuamen­te as matérias que, acredita, cairão no concurso. Ao mesmo tempo ela trabalha na uni­versidade onde se formou, em um de­partamento criado para que os ex-alunos possam ter os dois anos de experiência exigidos. "O setor público dá estabilida­de e uma aposentado­ria que nenhuma em­presa garante", diz ela, filha de funcionários públicos. "Além disso, ninguém começa a carreira ganhando R$ 12 mil." De fato, boas razões para tanto
esforço e tanto investimento.