Alfarrábios também contam a História de Alagoas


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Elô Baeta – repórter de O Jornal

Assim como o Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas (IHGAL), o Museu Théo Brandão - Ufal e a Biblioteca Pública Estadual, no coração do centro de Maceió, os alfarrábios também contam a nossa história ainda que, às vezes, em acanhados cantinhos. Com preços que variam de R$ 20 a R$ 100, boas fatias do "bolo histórico alagoano" são vendidas, de acordo com os donos dos estabelecimentos, a um público fiel, em sua maioria pesquisadores, historiadores, estudantes universitários e turistas. "Quando aqui tem livros sobre Maceió e Alagoas, saem rápido. O pessoal que vem de fora relata que por lá eles encontram nos sebos mais material sobre o nosso Estado do que aqui", revela Samuel Ferreira de Oliveira, proprietário de um dos muitos alfarrábios instalados na Rua Dr. Pontes de Miranda.

Em pequenos montinhos com ares de "relegados ao esquecimento", uns sobre os outros, há escritos mais recentes - datados da década de 80 -, como Formação Histórica de Alagoas, do autor Cícero Péricles de Carvalho; preciosidades, a exemplo de Dinâmica de uma Linguagem [O falar de Alagoas], do lexicógrafo alagoano Paulino Santiago, datado de 1977, onde são apresentados a sinopse da vitalidade e da evolução da linguagem alagoana, causa, ambiente e óbices a vencer, além de vocabulário e fraseologia em um pequeno dicionário; e Delmiro Gouveia - O Mauá do Sertão Alagoano (1963), da Coleção Vidas e Memórias, de Félix Lima Júnior; e títulos interessantes: Atalaia, Último Reduto dos Palmarmos, de Vandete Pacheco Cavalcante; várias edições da Revista da Academia Alagoana de Letras, de 1977 a 1988; Autores Alagoanos & Peças Teatrais (contribuição para a história do teatro das Alagoas), de Abelardo Duarte, datado de 1980, direcionando os poucos passos entre um sebo e outro.

CARIMBO - No passeio por esses estabelecimentos, que também fazem parte da memória da cidade, há ainda publicações ofertadas aos clientes com o carimbo heróico do Herói dos Livros, como os expressivos Maceió, de Craveiro Costa, datado de 1935; Viçosa -Cidade das Alagoas, de Eloi Loureiro Brandão Sá; Folguedos e Danças de Alagoas, do ano de 1984; Lembrança de Maceió, de 1970, do autor Murilo Leite da Silva Costa; História da Imprensa em Alagoas, de Moacir Medeiros de Sant'Ana (1931-1981); O engenho de Bangüê (Memórias), de José Góes da Silva, de 1990, em pouco mais de três prateleiras de raridades históricas alagoanas, que, para o proprietário do alfarrábio, Romildo Silva, o Romy, são garantia de venda certa. Mas ainda são poucas as raridades encontradas nesses locais. Uma realidade que, para a proprietária do alfarrábio Entre, Visite e Compre, a estudante de Pedagogia Marlete dos Santos, passa pelo desconhecimento e pela pouca valorização da cultura e da história locais. "Como vamos falar sobre a fundação de Alagoas se não existe conteúdo suficiente? Como falar para os nossos alunos. sobre a nossa história se não há mais quem a escreva? Será que daqui a 20 ou 30 anos os nossos netos saberão dizer quem foram os primeiros habitantes de Alagoas?", questiona Marlete em uma carta escrita à reportagem de O JORNAL. E completa: "Fazem questão de ignorar como nasceu e quais os objetivos daqueles que lutaram por Alagoas, uma jóia rara que precisa ser lapidada".

Dificuldade de acesso às obras soa como entrave no meio acadêmico

A professora de História do ensino fundamental de uma escola particular da cidade Cibele Erigida ressalta a dificuldade de realizar pesquisas sobre o Estado e de acesso aos livros pelos alunos, além do pouco material disponível. "Há uma dificuldade muito grande nos museus e bibliotecas do Estado de acesso de estudantes aos livros que registram a história da terra. É muita burocracia. Muitas vezes encontramos bons acervos disponíveis, mas na maioria das vezes o atendimento, o acolhimento e o relacionamento dispensados nesses locais aos que buscam informações culturais sobre Alagoas deixam muito a desejar; é como se negassem cultura aos próprios alagoanos. Sinto falta de conhecer e de oferecer aos meus alunos conhecimentos mais aprofundados sobre a história local. Essa dificuldade e falta de acesso é um problema cultural. Além disso, muito do material oferecido para pesquisas não está atualizado, não há modificações registradas. Para trocar conhecimentos com os estudantes, sempre termino recorrendo a historiadores e pesquisadores", lamenta a professora.

Coro fortemente endossado pelo estudante do 1º ano do ensino médio Felipe Mateus, de 15 anos, que revela um sonho. "Queria que a história do meu Estado fosse catalogada. Que existisse uma enciclopédia sobre Alagoas que eu tivesse acesso. Os museus e as bibliotecas têm um material bom, rico, mas é difícil o acesso dos estudantes. Há muitos livros que eles não permitem o nosso manuseio", conta.

O historiador Douglas Apratto refere-se à difícil acessibilidade aos livros raros sobre os primórdios de Alagoas como resultante da existência de poucas bibliotecas expressivas no Estado. "Temos um saldo interessante de publicações sobre a memória alagoana e grandes historiadores e pesquisadores, mas o número de bibliotecas no Estado é inexpressivo. As obras raras têm uma tiragem reduzida, algumas são reeditadas e enviadas a bibliotecas e museus, mas não chegam ao grande público devido à ausência de uma rede de distribuição, além de as livrarias da cidade não comercializarem esse tipo de obra. A educação em Alagoas é fragilizada, são poucos os leitores. Necessitamos de mais bibliotecas com acervos consideráveis, que dêem visibilidade a esses escritos", enfatiza o pesquisador, que, no ano passado, em parceria com a Editora da Universidade Federal de Alagoas (Edufal) e o Centro de Estudos Superiores de Maceió (Cesmac), organizou a reedição de "Opúsculo da descripção geographica topographica, phizica, política, e histórica, do que unicamente respeita à província das Alagoas no império do Brazil", o primeiro escrito publicado sobre o Estado, datado do' Século XIX, do autor António Joaquim de Moura.