Impasse dificulta lançamento de estudo inédito

Desde 2005 no prelo da Gráfica do Senado Federal, O Quilombo dos Palmares – Uma Geografia da Liberdade depende apenas da autorização da família do pesquisador para ser publicado


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Guardada a sete chaves na casa de Zuleide Cavalcanti, viúva do geógrafo, a biblioteca pertencente a Ivan Fernandes Lima reúne preciosidades da geografia escritas em diversos idiomas. Mapas, slides e livros de sua autoria sobrevivem ao tempo, mas a maior expectativa recai mesmo sobre o lançamento de O Quilombo dos Palmares - Uma Geografia da Liberdade.

O livro foi o último trabalho de Fernandes Lima, que morreu sem ver a obra publicada. Segundo Antônio Cavalcanti, um dos cinco filhos do geógrafo, o trabalho está na Gráfica do Senado Federal à espera de publicação. "Eu não tive acesso a essa publicação. Pedi a Brasília e até hoje não obtive resposta e nem recebi esse material".

A Gazeta entrou em contato com a Gráfica do Senado Federal. Segundo Vanja Gonçalves, a impressão do livro foi solicitada desde 2005. "Só que até hoje ele está parado, não houve a continuidade da impressão. Ele tramitou pela gráfica e voltou para o Conselho Editorial e o Conselho parou em 1° de outubro de 2008", explica a funcionária da instituição.

Editor da Gráfica do Senado, Joaquim Campeio diz que é preciso apenas a autorização por escrito da família para que o livro seja publicado. "Eu estive na feira do livro [Bienal Internacional do Livro de Alagoas, realizada em outubro do ano passado] em Maceió, encontrei com o filho dele e expliquei que precisava apenas dessa autorização para publicar. É um documento simples, não há modelo, basta ele redigir dizendo que autoriza a publicação pela Gráfica do Senado e pronto".

Já Antônio Cavalcanti confirma que encontrou com Campeio na Bienal, no ano passado, mas dá outra versão para a história, "O que ficou acertado foi que ele mandaria uma cópia do livro primeiro, para a gente verificar se estava tudo certo. Mas até agora não mandou. Estou esperando".

Em novo contato, Campeio responde: "Vamos seguir o texto que eles mandaram. Vamos respeitar o que o autor escreveu. Eu vou checar em que pé está o livro, mas que não me peçam para mandar o texto".

Ou seja, por uma simples falha (ou falta) de comunicação, uma obra de extrema importância para a produção de conhecimento em Alagoas continua engavetada.

Uma reportagem do jornal Folha de S.Paulo, publicada na época das comemorações dos 500 anos do descobrimento do Brasil, traz informações sobre a obra. Segundo o texto - não creditado -, "o livro é baseado em extensa pesquisa de campo e vasta bibliografia, produção que impressiona pela riqueza de de­talhes com a qual descreve o lo­cal exato onde travou seu último combate o valoroso Zumbi dos Palmares". A reportagem conti­nua: "Segundo o professor Ivan, o logradouro se encontra no município alagoano de Viçosa, no sumidouro existente no rio Paraíba do Meio, próximo à Serra Dois Irmãos e à cachoeira que leva o mesmo nome".

Um dos objetivos do livro era provar que Zumbi dos Palmares não foi morto no Quilombo, em União dos Palmares, e sim na Serra Dois Irmãos, no limite entre os municípios de Cajueiro e Viçosa. Ivan Fernandes Lima esteve na região entre 1988 e 1992, ocasião na qual realizou as pesquisas geomorfológicas necessárias para compor a publicação.

O ‘profeta’ dos problemas sociais

Encontrar livros escritos por Ivan Fernandes Lima para consulta não é tarefa difícil. Basta ir ao Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas (IHGAL) ou à Academia Alagoana de Letras (AAL) e solicitar no acervo. No caso dos artigos, a missão tem como endereço o Arquivo Público. Lá, basta ter paciência para encontrar os exemplares do Jornal de Alagoas e da Gazeta nos quais o geógrafo deixou registrados textos sobre diversos aspectos da geografia alagoana. Foram mais de cem deles que, a julgar pelos títulos, revelam o amplo panorama geográfico estudado por Ivan Fernandes Lima: Considerações Geográficas da Caatinga Alagoana, A Igaçaba Achada em Paripueira, A Herança Deixada pelos índios à Nomenclatura Alagoana, As Zonas Fisiográficas de Alagoas e Aspectos Geográficos do Amianto nas Alagoas, entre inúmeros outros.

Ao aliar o conhecimento erudito da geografia - construído ao longo de anos de dedicação e de estudo das obras de teóricos norte-americanos, franceses, alemães e brasileiros que se encontravam em sua volumosa biblioteca particular - a uma visão perspicaz do espaço em que estava inserido, Fernandes Lima previu com pelo menos quatro décadas de antecedência o problema do sururu em Maceió. Primeiro, num artigo de 1962 que apontava os danos já sofridos pelas lagoas Mundaú e Manguaba. Depois, em 1966, veio a série de artigos sobre "o drama do sururu alagoano". Por fim, o livreto Problema Geo-Sócio-Econômico-Político do Sururu Alagoano, lançado em 1979 e reimpresso no ano de 1994.

Sempre solicitado por geógrafos de outros estados que queriam saber mais sobre Alagoas, ele se equiparou aos mestres pernambucanos da ciência, como Manuel Correia de Andrade e Gilberto Osório e não encontrou equivalente em sua terra natal. "Era uma pessoa que estava articulada com os nomes da geografia no Brasil. Eu fiz mestrado e doutorado na Inglaterra e isso permite ter um dimensionamento melhor das pessoas aqui", assinala Lindemberg Medeiros, ao lembrar que Ivan Fernandes Lima era amigo pessoal de Aziz Nacib Ab'Saber, um dos maiores geógrafos brasileiros de todos os tempos.

Numa época em que o papel do geógrafo era fundamental para a realização de obras infraestruturantes em qualquer cidade, Fernandes Lima foi requisitado pelo Projeto Rondon, liderou discussões científicas e estudantis no Nordeste e foi um dos idealizadores do Conselho Estadual de Geografia de Alagoas, que hoje não mais existe.