Nos livros, o pioneirismo e a precisão ao descrever Alagoas

Em mais de cem artigos e em diversas publicações, a produção científica de Ivan Fernandes Lima definiu as bases para o estudo e o ensino da geografia nos estabelecimentos educacionais do Estado


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Com muito mais artigos do que livros no currículo - nem a famí­lia, nem os colegas sabem preci­sar a quantidade exata de títulos lançados pelo geógrafo -, a pro­dução científica de Ivan Fernan­des Lima é extensa. Entre os li­vros, sabe-se da existência de vo­lumes como Estudos Geográficos do Semi-Árido Alagoano - Bacias dos Rios Traipu, Capiá, Ipanema e Adjacências, A Ocupação Espacial do Estado de Alagoas, Diagnóstico Sócio Económico do Estado Alago­as e Estudo de Enquadramento e Classificação das Bacias Hidrográ­ficas de Alagoas.

Mas o destaque vai mesmo pa­ra os dois primeiros: Maceió - A Cidade Restinga (1961) e Geogra­fia de Alagoas (1965). Ao pleite­ar uma vaga como professor de Geografia do Brasil no Lyceu Ala­goano, o mestre escreveu Maceió - A Cidade Restinga (Estudo Geomorfológico das Lagoas Mundaú e Manguaba como Contribuição para o Conhecimento do Litoral Alagoano).

Nele, deixa claro seu fascínio pela geologia, num trabalho ex­tremamente técnico, com estu­dos detalhados sobre o solo, a ve­getação e as condições geográfi­cas gerais das lagoas Mundaú e Manguaba. A edição é cuidadosa, com mapas, plantas e fotografi­as em páginas dobráveis ao lon­go do livro.

Nos agradecimentos, dedica a obra aos pais, aos filhos e à es­posa, e não esquece dos mes­tres do passado (Moreira  e Sil­va, Thomaz Espíndola, Moreno Brandão, Alfredo Brandão e Jo­aquim Moura) e dos colegas da época (Abelardo Duarte, J. Sil­veira, Joaquim Ramalho, Octávio Brandão). Ao final, após elencar uma série de tópicos conclusi­vos, arremata: "Maceió é a cida­de restinga".

Beleza e Desenvolvimento

Quatro anos depois, foi a vez de Geografia de Alagoas, que te­ve a primeira edição lançada pe­la Editora do Brasil S/A. A capa colorida mostra em desenho fi­guras que ilustram Alagoas co­mo um misto de belezas natu­rais e desenvolvimento industri­al e económico.

No prefácio, observa: "O que se apresenta neste compêndio é um resumo geográfico de Alago­as; além disto, existe uma omis­são no que tange às altitudes de nossas serras, às extensões de nossos rios, pois, seus estudos são insuficientes para atender realidade".

De tão minuciosa e com linguagem ao mesmo tempo detalhada e acessível, a obra tem essência acadêmica e finalidade didática, principalmente peIa abrangência ao abordar a Geografia Física e Biológica (Geologia, Geomorfologia, Hidrografia) à Geografia Humana Econômica.

Como todo bom livro didático, traz exercícios e questionamentos ao final de cada capítulo. Por meio dele, ficamos sabendo que o primeiro estudo sobre o solo alagoano foi feito em 1829, com pesquisas de Custódio Alves na praias de Camaragibe, onde estudou a formação betuminosa. Fotos de Luiz Rodrigues da Silva Filho, de Stuckert e do próprio autor ilustram a obra, um marco para a época. Há também um curioso trabalho de fotos panorâmicas  e fotos aéreas, que mos­tram a lagoa Mundaú vista de Pi­lar, a lagoa do Roteiro, mangues, cidades de todas as regiões e ma­pas de diversos tipos.

Além de didático, o texto de Fernandes Lima era levemente pontuado por reflexões acerca de aspectos humanos, como no capítulo sobre o polígono das se­cas, com fotos de Abel Cavalcan­te e Pedro Farias sobre a cons­trução de açudes e poços em cidades como Girau do Ponciano, Água Branca e Cacimbinhas. Numa foto belíssima de Laértio Luiz, o sertanejo vai em busca da água num rio Ipanema completamente seco.

Geografia de Alagoas traz uma nova divisão regional criada por Fernandes Lima, que superou a arcaica de Craveiro Costa, de 1931, e a posterior do Conselho Nacional de Geografia. De acor­do com o pesquisador, Alagoas deveria ser dividida em: Litoral, Mata, Agreste, Sertão, Sertão do São Francisco e Baixo São Francisco. Ficou até hoje.

O autor aponta que, "antes dos recenseamentos gerais do Brasil, a antiga comarca de Ala­goas realizou o seu primeiro inquérito censitário em 1810". Somente em 1872 foi feito o pri­meiro recenseamento em todo o País. De acordo com os dados de 1810, na época Alagoas pos­suía 89.589 habitantes, núme­ro não muito confiável segundo Fernandes Lima. Já em 1872, a população era de 348.009. Final­mente, na época da publicação do livro, em 1965, a população era de 1.271.062 habitantes.

Outro capítulo curioso é aque­le em que ele classifica os tipos regionais de Alagoas: Jangadeiro, Canoeiro, Barqueiro do São Francisco, Tirador de Coco, Cor­tador de Cana, Cambiteiro, Pereiro, Trabalhador de Eito (pseudoescravo) e Vaqueiro.

Sobre o trabalhador de eito, descreve: "Este é o assalaria­do de precárias condições soci­ais, vive dependendo do traba­lho nas várias propriedades e usa sempre a enxada e a foice co­mo instrumentos principais; comumente não sabe ler nem es­crever. Sua condição incerta de emprego vem suscitando nos últimos anos entre nós de todo o Brasil, uma reforma que ampa­re e melhores suas más expres­sões de vida. É um pseudoescravo, com salário de fome, urge que o recuperemos, através de processos mais humanos. É o re­sultado de uma defeituosa orga­nização social".

Por fim, o detalhamento de informações sobre os municípi­os impressiona, com resumos sobre as principais cidades de ca­da região.