Eleito sem campanha e sem comício
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Antes de conhecer detalhes e pormenores dos documentos elaborados pelo escritor, é preciso compreender o contexto em que sua administração transcorreu. Provocado a disputar as eleições, Graciliano Ramos foi eleito sem campanha ou sem ter feito um único comício. Anos depois, em entrevista à Revista do Globo, em 1948, ele reconheceu o ambiente suspeito de sua eleição: "Fui eleito naquele velho sistema das atas falsas, os defuntos votando".
Pois é. Isso no final de 1927, em pleno decorrer da República Velha, numa terra pobre, situada entre o agreste e o sertão de Alagoas. Um lugar em que a lei era frouxa e subserviente aos mandos dos coronéis. Foi nesse cenário que o filho de um comerciante local impôs o seu estilo rigoroso, metódico e imparcial. Ele chegou inclusive a elaborar um novo Código de Postura Municipal, que atualizou o último, datado ainda da época do império.
Contudo, a tentativa de moralização da administração pública perpetrada por Graciliano não foi bem recebida pela população, que estranhou algumas das medidas adotadas pelo novo gestor. Daí que, 27 meses depois de assumir o cargo, mestre Graça cedeu às pressões populares e deixou o posto. Detalhe: com o caixa do município "no azul".
O que eles disseram sobre os relatórios
Maurício Melo – Jornalista da TV Senado
No próximo mês de outubro, a TV Senado exibirá um documentário dirigido por Maurício Melo em comemoração aos 70 anos da publicação de Vidas Secas, completados em 2009. Para não cair no clichê e evitar o tom meramente elogioso, o jornalista procurou responder em paralelo à seguinte questão: "Enquanto homem público Graciliano correspondeu para minimizar as misérias humanas que ele denunciou em seus romances?", pergunta Maurício Melo, que dá a resposta em seguida: "Ele foi um cara inovador para a época. Ele tentou, dentro de seus limites, acabar com aquela situação vivida por seus personagens". Maurício lista os relatórios entre os mais importantes documentos políticos do Brasil. "Uma análise política do relatório mostra que ele se equipara a um documento chamado Projeto para o Brasil, elaborado por José Bonifácio (1763-1838), onde ele procurou modernizar o País do ponto de vista administrativo", explica. "Eu falo isso como cientista político, pois sou jornalista com pós-graduação em Ciência Política". Noutro aspecto de sua análise, ele aponta que Graciliano deu uma conotação republicana à administração pública. "Ele tinha uma postura republicana quando dizia que prefeito não tem pai. Ele multou o próprio pai por ele ter quebrado o código de postura que criou em substituição ao anterior, elaborado na época do império". Na ótica de Maurício Melo, mesmo as ações mais polêmicas do autor de Memórias do Cárcere como gestor tinham como objetivo o bem-estar da população. "Os episódios da matança de animais em função da higienização das ruas eram na verdade uma preocupação em criar um ambiente habitável", acredita o apresentador do programa Leitura. "Ele era um político preocupado com a inserção social, por isso colocou os presos da cadeia para trabalhar. Era uma visão avançada". Por tudo isso, o jornalista não duvida que a leitura dos Relatórios deveria ser obrigatória nos dias de hoje. "Principalmente diante da atual tônica de moralidade no uso dos recursos públicos. Ali, temos um absurdo exemplo de administração pública", conclui.
Ivan Barros – Advogado e escritor
Ex-repórter da extinta revista Manchete, promotor de Justiça aposentado e autor de diversos livros sobre assuntos tão dispares quanto a eutanásia e o jurista alagoano Pontes de Miranda, Ivan Barros traz a visão de um filho da terra que foi administrada pelo Velho Graça. Além de ter escrito o curioso Graciliano Era Assim - lançado em 1974 pela Sergasa -, o palmeirense guarda a sete chaves duas raridades: os originais do primeiro relatório e o código de conduta municipal elaborados por Graciliano Ramos. "Sua administração construiu quatro escolas na zona rural", observa o escritor, que prepara um novo livro: Graciliano, o Prefeito que Virou Best-Seller. "Até hoje, de lá para cá, ele foi o único prefeito que deixou dinheiro nos cofres ao sair da prefeitura. Dizem que os relatórios inspiraram a Lei de Responsabilidade Fiscal", conta. Sobre os Relatórios, Ivan Barros é direto: "Eu vejo os Relatórios como uma lição para esses políticos fichas-sujas, ficha limpa e os que estão denunciados por improbidade ou irregularidades", sentencia. "É uma pena que os postulantes aos cargos públicos não leiam os Relatórios, pois lá eles vão encontrar um manancial enorme em como administrar o bem público".
Ana Florinda Dantas – Juíza membro do Pleno do Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas (TRE-AL)