Alagoas foi centro de resistência na reconquista da UNE
Com a vocação de liderança, estudantes alagoanos criaram diretórios livres na Ufal fortalecendo movimento político
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Carla Serqueira - Gazeta de Alagoas
Como em todo o Brasil, nas salas de aula da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), os professores restringiam o debate aos assuntos meramente acadêmicos. Discutir política era pecado mortal. O deputado estadual Judson Cabral conta que vivenciou esta realidade. "A nossa liberdade era vigiada. Ninguém falava de política nas aulas. Os professores se limitavam às disciplinas". Ele entrou na Ufal em 1973, após uma série de prisões que ocorreu em Alagoas e que interrompeu o crescimento do movimento estudantil na universidade.
"O DCE havia sido fechado na intervenção que ocorreu entre 1973 e 1974, que culminou com uma série de prisões. Éramos vigiados por um departamento criado dentro da Ufal e também pelo SNI [Serviço Nacional de Informação]. Tudo que iríamos fazer tinha que ser submetido aos militares", contou Judson, lembrando de uma festa de São João que precisou ser previamente vistoriada para ocorrer. "A festa estava programada para o Clube Fênix. Ela aconteceu, mas antes, tivemos que apresentar toda a programação. Nas formaturas, por exemplo, os discursos tinham que ser autorizados",
Judson Cabral contou que o vereador Francisco Hollanda e os deputados estaduais Alberto Sextafeira e Temóteo Correia eram seus colegas de universidade, atuantes como ele no movimento estudantil. "O Regis Cavalcante também foi da mesma época", informa, dizendo ter militado ainda ao lado de Flávio Gomes de Barros, hoje procurador do Estado. "Ele participou da organização da festa de São João", comentou Cabral, que também presidiu a Federação Alagoana do Desporto Universitário (Fadu), entidade também presidida pelo ex-governador Ronaldo Lessa, que junto ao DCE funcionava no prédio da antiga reitoria, na Praça Sinimbu.
"Vivemos uma época de muita repressão na universidade. Éramos vigiados o tempo inteiro. Quando íamos montar chapa para os diretórios acadêmicos, tinha pai que vinha até a gente pedir para tirar o nome do filho. O reitor na época era um general do Exército [Nabuco Lopes]", relembra Judson Cabral. "Mas nós tínhamos certa vocação de liderança e aceitamos o desafio. A política era apartidária. Tudo era descoberta. Sinto saudade da minha época de estudante, mas a liberdade de hoje não se compara", diz o deputado, filho de militar do Exército. "Meu pai orientava, mas nunca proibiu a militância".
Reorganização da Une
O ex-deputado federal Regis Cavalcante, secretário estadual do Trabalho no primeiro mandato do governo Teotonio Vilela Filho, ingressou no curso de Direito da Ufal em 1975. Era ainda época de rearticulação do movimento estudantil, que sofreu forte repressão em 1973, com prisões em todo Estado. No Brasil inteiro, os estudantes estavam focados em um só objetivo: a reconquista da UNE. "Criamos na Ufal os diretórios livres. Colocamos para funcionar o primeiro Centro Acadêmico de Direito", conta Regis, dizendo que antes só havia os diretórios de Humanas, Exatas e Saúde, permitidos por que eram monitorados pelos militares.
"Na luta pela reorganização da UNE, Alagoas foi um importante centro de resistência. Dênis Agra, Jefferson Costa, Dênison Menezes foram presos na época e levados para o antigo São Leonardo. O movimento foi enfraquecido, mas a partir de 1975 foi aos poucos ganhando força na Ufal. Nós fazíamos reuniões do DCE na casa do meu pai, no Pinheiro. A sede do DCE tinha sido fechada pela repressão", rememora Regis Cavalcante, dizendo ter sido preso ao lado de Mário Agra, ex-candidato ao governo, e Thomaz Beltrão, secretario municipal de Educação e ex-vereador de Maceió. "Passamos uma noite no Dops [Departamento da Ordem Política e Social], onde hoje é o Detran".
Regis se prepara para voltar à Ufal, desta vez para retomar a função de professor do Curso de Comunicação Social. Depois que se formou em Direito, ele cursou Jornalismo na Ufal. "Digo que a Ufal é uma cinquentona com quem tive grandes experiências. Eu vim do movimento estudantil secundarista, mas para a minha formação política a universidade federal foi fundamental", frisou o ex-secretário, que citou ainda como seus contemporâneos o ex-secretário de Cultura do Estado e ex-vereador por Maceió Edberto Ticianeli e o poeta e médico Maurício de Macedo.
Repressão contraditória
Remanescente do movimento estudantil secundarista, em 1975, Edberto Ticianeli ingressou no curso de Engenharia da Ufal. Nesta época, reuniões de estudantes eram proibidas. "Apenas nos diretórios das áreas de ensino, no meu caso, a área de Exatas, as reuniões eram permitidas porque eram vigiadas. Mas encontramos uma contradição nos decretos da repressão. Os partidos Arena e MDB, os únicos legalizados, poderiam ter em seus quadros representações de jovens. Entramos no MDB por isso", revela Ticianeli.
Ele disse que a passagem pelo MDB foi rápida. Foi o tempo necessário para rearticular os universitários para reerguer o DCE e a UNE. "Éramos do MDB, mas clandestinamente continuamos a militância no PCdoB", conta ele, que presidiu o DCE em 1981, dizendo que outro obstáculo dentro da Ufal exigia reação dos estudantes. "Os professores eram extremamente autoritários, mesmo os mais jovens. Existia outra ditadura dentro de sala. Tinha professor que punia o aluno que perguntasse ou discordasse", recorda o ex-vereador.
Lideranças lembram greves e o cenário pós-ditadura
As grandes greves da Ufal só vieram a ocorrer no final dos anos 1970. O ex-vereador por Maceió Thomaz Beltrão, atual secretário municipal de Educação, lembra bem delas. Aluno de Engenharia Civil, ele foi presidente do DCE entre 1980 e 1981 e diretor da UNE em 1982 e 1983. "A primeira grande greve da Ufal foi de Arquitetura, em 1978 ou 1979, por qualidade de ensino e democracia no curso. Depois veio a greve de Engenharia, por uma série de problemas de estrutura, além de reprovações em massa em uma das disciplinas", relata Beltrão.
Ele explica que com o surgimento da Adufal, em 1983, o movimento estudantil se fortaleceu ao lado dos docentes e demais servidores da Ufal. "Foi nesta época que ocorreram grandes passeatas no Centro. Em 1980 ou 1981 aconteceu a primeira greve unificada. Aos poucos as greves foram entrando no calendário acadêmico", afirma Thomaz Beltrão, dizendo que o hoje deputado federal Aldo Rebelo foi o grande articulador da retomada do movimento estudantil, no final dos anos 1970,
Foi em 1975 que Aldo Rebelo ingressou na Ufal, no curso de Direito. Como seus companheiros de luta, ele cita Enio Lins, Edberto Ticianeli, Maurício de Macedo, Thais Normande, Thomaz Beltrão, Júlio Bandeira, Mário Agra, entre outros. "Na Ufal eu participei efetivamente do movimento estudantil. Em 1979, fui escolhido para ser o secretário-geral da UNE. Por isso tive que me mudar para São Paulo", contou ele, lembrando que interrompeu a posse do reitor João Azevedo para protestar, "Eu e um grupo de estudantes reivindicamos a palavra e eu acabei discursando na cerimônia, reivindicando democracia na universidade",
Aldo recorda os festivais de música da Ufal, as peças do Teatro Universitário, os jornais que circulavam entre os estudantes no Campus. "Devo minha formação intelectual e política à universidade. Quando fui convidado para integrar a UNE minha mãe não gostou muito. Havia uma pressão grande para eu desistir. Eu trabalhava na época no Jornal de Alagoas. Meu chefe chegou a me oferecer aumento para eu não me mudar para São Paulo", relata Aldo Rebelo, que não chegou a concluir Direito. Em São Paulo, foi levado pela carreira política - e a academia perdeu espaço em sua vida.
Nos anos 80, com a decadência da ditadura, o movimento estudantil foi perdendo aos poucos seus militantes, diz Rui França, atual secretário de Comunicação do Estado. Ele entrou no curso de Jornalismo em 1986, egresso do movimento secundarista, "Vivemos o período de transição da ditadura militar para a democracia. O PCdo B perdeu o domínio sobre o DCE, que começou a ser controlado por lideranças do PT. Começamos a viver no regime democrático, mas com a mentalidade da época da repressão. E aí nós ficamos sem saber o que defender. Perdemos representatividade. Os partidos perderam importância na universidade".
França diz que a esquerda começou a se desentender. "Os militantes de esquerda começaram a se engalfinhar. Não tínhamos mais bandeiras. Só com as ameaças da globalização, no início dos anos 90, o movimento começou a retomar forças. Houve mobilização na campanha das Diretas e na eleição de 1989, mas depois acabou", relata.