Entrevista com a reitora: “A Ufal vive um momento diferente”


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Reitora na inauguração do Campus do Sertão
Reitora na inauguração do Campus do Sertão

Sumaia Villela – repórter

Publicado em O Jornal, no domingo, 23 de janeiro

Com uma gestão recheada de marcos - a Universidade Federal de Alagoas se instalou no interior - a reitora Ana Dayse Dorea percorre seu último ano de gestão em um momento histórico, a Ufal completa 50 anos. No entanto, nem tudo foi fácil durante os oito anos em que esteve no cargo. Ela enfrentou algumas polêmicas, a exemplo do indiciamento de estudantes pela Polícia Federal por um incidente ocorrido durante reunião do Conselho Universitário e foi acusada de tentar privatizar a universidade ao aprovar o Reuni.

Chegando ao mais alto cargo da instituição no início do primeiro governo Lula, depois de acumular experiência em quase todas as suas esferas - professora, chefe de departamento, diretora e vice-reitora — a médica recebeu o desafio de reestruturar e expandir a universidade que passou por anos difíceis nos tempos de Fernando Henrique Cardoso. Ana Dayse conversou com O JORNAL sobre esse período e o momento dinâmico  que vive a universidade alagoana.

Primeiro, eu gostaria que a senhora fizesse um balanço dos oitos anos da sua gestão, porque é emblemático, são 50 anos da Ufal, que passou por décadas de sucateamento - a universidade brasileira como um todo - e agora teve uma grande expansão.

As coisas acontecem no tempo certo. Tive muita alegria e um resultado muito satisfatório de ter sido reitora da Universidade Federal de Alagoas nesses últimos sete anos. Consegui coincidir com um momento onde houve no país uma oportunidade de investimento na educação brasileira. Nós assumimos em dezembro de 2003, quando a universidade passava por momentos muito difíceis, não só de sucateamento da sua infraestrutura, mas da falta de professores, de técnicos administrativos, e um limite na oferta de vagas. E aí há a fase do Brasil onde o Governo Federal investe, provocado pelos reitores da época. Nós assumíamos nesse período. E foi possível fazer esse investimento na Ufal e transformá-la um pouco, não só no campus principal, em Maceió. Surgiu a grande oportunidade da expansão. E ela começa quando nós assinamos um convênio de adesão ao projeto de expansão do Governo Federal.

Com isso criaram o Campus Arapiraca?

Sim, criamos o Campus Arapiraca. Em seguida, em 2007, o Ministério da Educação propõe outro plano, o Reuni, de reestruturação e expansão das universidades federais, que veio complementar, oportunizar, aquela expansão pensada para o primeiro momento. Foi um ano muito difícil, a adesão da universidade foi muito polêmica, mas nós sabíamos que não era o momento de recuar, nem parar o seu crescimento, e aí o Conselho Universitário entendeu dessa forma, e hoje temos um resultado grande. Novos cursos são oferecidos em Maceió, o Campus do Sertão está funcionando em Delmiro Gouveia e Santana do Ipanema desde o ano passado, além de concursos públicos para professores e técnicos, e recursos vieram para garantir investimentos em pesquisa e expansão. Temos muitas dificuldades ainda, muitos desafios, porque isso não se faz do dia para a noite, nem por milagre. Isso é um projeto que só tem começo, não tem fim, e a cada ano a gente vem investindo mais.

A interiorização da universidade gerou desenvolvimento local e substancial. Porém, alguns problemas de infraestrutura ganharam as páginas da imprensa, houve mobilizações e vocês tiveram que fazer licitação novamente em um dos casos. Como anda a busca de soluções para essas carências?

Implantar a universidade no interior é saber que você vai conviver com muitos desafios, problemas e dificuldades. Mas faz parte de qualquer processo de mudança. A Ufal tinha uma dívida com o Interior, se a gente considerar a situação de outras universidades - não precisa nem analisar o Sudeste ou o Sul, mas o próprio Nordeste. Essa interiorização já se dava há muito tempo na maioria dos estados. Problemas são muitos, principalmente de infraestrutura. O ritmo da implantação do trabalho acadêmico é diferente do ritmo da infraestrutura. Planejar a construção de prédios, de obras, tem dado muita dor de cabeça para nós, porque tivemos dificuldade com os prazos. Em todos os seis municípios nós tivemos uma parceria muito forte com as prefeituras. Contamos também com a bancada federal, que tem sido uma aliada, angariando recursos. Então tenho certeza que nós vamos superar essas dificuldades, porque eu acho que o melhor já acontece que é a oportunidade dada aos jovens de frequentar uma universidade pública. Se você imaginar que 68,5% dos estudantes do nível médio estudam no interior, esse é um dado que justifica a interiorização.

E em relação à qualidade da educação?

Isso é um lado que eu digo que é muito positivo. A universidade está renovada em seu quadro. Nós temos hoje em torno de 900 professores concursados, e sua grande maioria, em torno de 90%, tem mestrado e doutorado. Tanto faz concurso público no interior como na capital, nós já exigimos a qualidade dos professores através de sua titulação. Porque isso significa produzir ciência, transferir conhecimento, novos investimentos para o desenvolvimento local. Não é só oferecer cursos para formar pessoas, mas levar desenvolvimento científico, cultural e artístico.

Tem a questão da qualidade de vida também.

Exato. A cidade precisa ter o mínimo para a pessoa querer viver. E aí você tem que pensar na educação básica, porque eles têm filhos, vão precisar ter educação. No interior a maioria das escolas é pública, então são investimentos que vão puxando outros, e eu acho que estamos contribuindo. Tanto que no processo de interiorização da universidade nós escolhemos os cursos de cada região pensando nessa indução. Por exemplo: todos os nossos campi possuem Pedagogia, ou seja, formação de professor, porque nós precisamos cuidar da formação para melhorar o índice educacional desse estado. Há o pensamento dentro da universidade de que ela é o grande vetor de desenvolvimento local, não é só um projeto de desenvolvimento acadêmico. É uma coisa demorada, não acontece de repente, mas a médio e longo prazo a gente consegue fazer uma transformação.

E o argumento daquela parcela de estudantes que inicialmente foram contrários à adesão ao Reuni, de que o campus de Maceió perderia qualidade? Como ficou isso depois da implantação?

Hoje eu acredito que esse movimento estudantil tem mudado. Aquele foi um momento de país, não só de Alagoas. Havia todo um movimento nacional, e estava tendo um processo de reeleição da presidência da República. E ali havia, na verdade, ideologias contrárias dos partidos. E o movimento estudantil se posicionou contrário ao Reuni porque ele pertencia ao segmento ideológico de partidos contrários à presidência. Hoje esse movimento não tem mais esse argumento, porque, de fato, não foi aquela tragédia que eles previam, muito pelo contrário. As universidades se instalaram no interior, estão funcionando; se dizia que não iria ter professor, e tem professor, tem qualidade. Nós temos hoje alunos do interior já fazendo a mobilidade estudantil, passando seis meses na Europa, em Portugual, na Espanha. Dos 14 alunos que estão no programa de licenciatura com a Universidade de Columbia, 10 são do interior.

E a relação conturbada com esses alunos? Houve processo, alguns foram indiciados. Como está hoje a relação com o DCE [Diretório Central dos Estudantes, com os órgãos estudantis, e com esse grupo?

A relação com o movimento estudantil hoje é de muito respeito. O movimento estudantil tem o seu projeto, seu modo de ver esse momento, mas nós também, como pessoas adultas e, antes de tudo, educadores, temos uma convivência de muito respeito. Aquele momento foi lamentável e, se alguns dos nossos alunos estão respondendo a algum processo, ele não foi movido pela gestão da universidade, mas por eles mesmos. Porque o processo que a universidade moveu à época já foi arquivado. O que gerou o caso desses dois ou três estudantes foi movido por eles mesmos, e, infelizmente, eles foram considerados culpados.

Como assim foi movido por eles?

Eles foram ao Ministério Público [da União].

E a ação do Ministério resultou contrária?

Isso. Eles procuraram o Ministério Público para dizer que tinham sido agredidos. Quando eles começaram a investigar, buscar informações e assistir aos vídeos, o MP chegou à conclusão de que eles não eram vítimas, eles eram os réus.

Voltando à infraestrutura, agora em relação aos alunos do interior que ainda vêm estudar aqui: ano passado, foi anunciada a construção de uma nova residência universitária, uma concha acústica... esses projetos têm prazo?

Para a residência universitária são previstas 12 casas, cada uma com capacidade para 36 habitantes. Nós deveremos acomodar em torno de 430 estudantes. Hoje nós só temos 100 vagas oferecidas para residência. Nós estamos construindo no Campus essas 12 casas, duas delas já em fase de acabamento, outras quatro sendo licitadas. Eu acredito que até meados deste ano nós consigamos transferir os alunos para condições melhores lá em cima, e eu espero até o final da gestão deixar essa primeira etapa da residência concluída. A concha acústica faz parte de um centro de integração comunitária que também está sendo licitado no Campus, como outras unidades e faculdades que estão sendo construídas dentro do Reuni. Da mesma forma nós já estamos trabalhando com o processo de construção de restaurante universitário para Arapiraca e Delmiro Gouveia. A questão da residência no interior também está nos planos, ainda não para esse ano, mas para um futuro breve.

Falando em futuro breve, a senhora não pode mais concorrer à reitoria. Já existe algum nome para concorrer à sucessão com seu apoio?

Não ainda definido pelo grupo da gestão, mas nós teremos candidato. A nossa gestão tem muita responsabilidade com esse projeto, porque ele não é um projeto da reitora Ana Dayse, é algo discutido e construído coletivamente na universidade. Foi um projeto ousado, grande; nós assumimos a universidade com 14 mil alunos, e hoje estamos deixando mais de 20 mil alunos - com esse novo vestibular nós vamos para 25 mil alunos, e isso precisa ser consolidado. A universidade precisa continuar crescendo em quantidade e principalmente em qualidade. No meu caso, eu quero me aposentar. Encerro minha carreira acadêmica, mas com uma satisfação de ter trabalhado em prol da educação e de uma coisa que eu acredito que é o desenvolvimento do meu estado.

Não há nenhum nome que possa ser dito ainda, de pessoas que se destacaram na sua gestão?

Tem lideranças boas na universidade. Eu acredito que nos próximos dias esse nome surgirá naturalmente.

E virá do corpo de pró-reitores?

Não sei. Faz parte da gestão da universidade (risos). Tem muita gente boa.

E a senhora acha que vão ter dois blocos definidos, que a oposição vai ter um nome forte?

Acredito que até mais, de repente. O processo democrático na universidade é muito rico, e é bom que haja interessados, discutindo e pensando a universidade, construindo, né? Mas estaremos unidos. Eu digo que a universidade deve ensinar a fazer política. Então eu espero que depois de um processo desses, as forças que querem dirigir a Ufal, se somem no fim em prol do crescimento da instituição.

A Ufal vai expandir a participação do Enem na seleção dos alunos?

Nós já temos uma decisão do Conselho Universitário de que não teremos mais vestibular no próximo ano. Nós utilizaremos o Enem. Já o utilizamos nesses, dois anos, para cobrir vagas remanescentes, ou seja, aquelas que não tiveram pessoas aprovadas; então já temos a decisão de que, no próximo ano vamos aderir ao Enem.

Então, a experiência da Ufal com o Enem foi positiva?

A Ufal não tem ainda muita experiência, mas tem o que a gente já conhece das outras universidades - são 39 que já participam de alguma forma. Aquelas que já estão com um processo mais adiantado, e o que nós temos de avaliação nossa, quando do nosso encontro de reitores, é sempre muito positiva. O Enem eu acho que é um ganho, que não só socializa a universidade, mas provoca a formação do ensino médio, em que você não fica apenas discutindo como deve ser feito o ensino médio para passar no vestibular, como estava sendo feito. Você precisa dar uma formação cidadã, cultural. A cada ano o Enem vai ser avaliado, melhorado, e os problemas que houveram ano passado, nesse já vai ser melhor.

Para terminar, qual a senhora acha que foi o grande marco dessa geração, em relação aos 50 anos da Ufal? Onde a Ufal está agora e para onde está indo?

A universidade quando foi criada resultou da fusão de seis faculdades: Direito, Medicina, Odontologia, Engenharia, Economia e Filosofia. E a cidade, o estado era pequeno. Cinquenta anos depois, o país é outro. O Nordeste é outro. Ela vive um momento de mundo diferente. Hoje a educação superior é internacional, nossos alunos estão na Europa, na Ásia, nos Estados Unidos. Ela passou por uma coisa difícil que foi o regime militar, de muita dificuldade inclusive para o movimento estudantil. Eu vivenciei como aluna. E hoje nós discutimos na universidade as grandes questões do Brasil e do Mundo. A universalidade e a pluralidade dela permitem que ela seja crítica, mas que seja também empreendedora, inovadora. E esse momento de comemoração dos 50 anos é muito rico; você tem não só a liberdade de expressão, mas a responsabilidade com o desenvolvimento cultural, científico, social, do estado e do país. Essa universidade quer ser o dobro disso daqui a cinquenta anos.