Pesquisa: pediatra defende melhoria do atendimento no SUS
A pediatra Mércia Lamenha apresentou recentemente a tese de doutorado, na Universidade Federal de São Paulo, sobre os fatores de risco para asma em lactentes. A médica acompanhou 1777 bebês, nos três primeiros anos de vida, em vários bairros de Maceió, entre 2008 a 2010. A pesquisa teve orientação do professor Dirceu Solé, da Unifesp, e contou com a colaboração do professor Francisco Passos, do Núcleo de Doenças Respiratórias da Faculdade de Medicina da Ufal.
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Lenilda Luna - jornalista
Além de se debruçar sobre o objeto da pesquisa, a médica verificou as dificuldades que as mães que dependem da rede pública de saúde encontram para marcar uma consulta com o pediatra. “Os investimentos estão cada vez mais voltados para ampliar o Programa Saúde da Familia, que é importante, mas o médico generalista não pode dar conta de tudo. Precisamos melhorar o atendimento à saúde das crianças”, diz a pediatra.
Na verdade, segundo verificou a médica durante as entrevistas, o problema começa bem antes. “O atendimento pré-natal ainda é deficiente no SUS em Maceió. Por isso, tantas parturientes chegam em situação de risco às maternidades de referência”, ressalta Mércia Lamenha.
Asma exige cuidados prolongados
A pediatra alerta que, com esta deficiência no atendimento clínico pediátrico, fica difícil tratar as crianças com asma. “Atualmente, em Medicina, valorizam-se mais os procedimentos, como cirurgias e exames, do que a clínica, baseada no diálogo do médico com o paciente. Mas só a partir deste atendimento, podemos prevenir doenças mais graves”, diz a médica.
Com relação à asma nos primeiros anos de vida, o atendimento clínico pode evitar o agravamento do quadro. “Existe uma tendência genética que não podemos ainda alterar. Se os pais são asmáticos, o bebê terá tendência a desenvolver o problema. Mas se existe orientação, é possível amenizar e prevenir as crises”, diz Mércia Lamenha.
A pediatra também reforça que o paciente deve ser tratado como um todo, já que a asma é uma doença respiratória com um forte componente emocional. “No tratamento de doenças assim, é preciso investigar as condições de vida do paciente, a situação de moradia e vários outros detalhes que podem interferir no tratamento”.
Mas a médica alerta que até mesmo para atendimento nas crises, a rede de atenção básica em Maceió tem apresentando deficiências. “Quando uma criança ou recém nascido está sibilando, recomendamos o uso de corticóide por inalação. Mas quando as mães correm para os postos de saúde, muitas vezes não encontram a medicação”, denuncia a pediatra.
Escolarização das mães interfere no tratamento
Durante a pesquisa, Mércia Lamenha verificou que 40% das crianças analisadas apresentaram chiado ou asma. Destas, 65% mantiveram o problema durante os três primeiros anos de vida. “Para um tratamento prolongado, buscando reduzir os fatores ambientais que provocam crises, a capacidade de seguir as orientações médicas é fundamental, por isso, independente de condições financeiras, a escolarização da mãe faz uma grande diferença”, disse a médica.
Segundo a pesquisa, mães com mais de oito anos de estudo, tem mais facilidade de buscar atendimento médico, seguem as orientações da receita com mais precisão, observam melhor as condições do ambiente, como evitar qualquer coisa que acumule poeira ou provoque umidade,e, principalmente, a escolaridade está relacionada também ao tempo de amamentação. “Conversando com as mães, percebemos que as mais escolarizadas compreendem melhor a necessidade de aleitamento materno exclusivo nos primeiros seis meses de vida, para fortalecer a imunidade do bebê”, ressalta Mércia.
Um alerta para os gestores
A partir da pesquisa e da própria experiência como médica, Mércia Lamenha constata algumas situações que precisam de enfrentamento com ações concretas. “Educação é uma delas. Investir em escolaridade da população é o mesmo que investir em saúde”, diz a médica.
Outra questão: é preciso contratar mais pediatras. Segundo Mércia, o PSF não pode ser a salvação de tudo. “É importante esse atendimento à família, mas é preciso que o próprio clínico geral que vai às residências possa recomendar uma consulta ao pediatra, se constatar que uma criança necessita este atendimento”, analisa a médica.
Por fim, é preciso investir em pesquisas para buscar tratamentos mais eficientes e com menos efeitos colaterais, principalmente para pacientes tão sensíveis quanto os lactentes. “A universidade, num Estado pobre como o nosso, tem esse papel de analisar a realidade e apontar ações para os gestores de saúde, que possam levar à melhoria do atendimento ofertado à população”, conclui a médica.