Reitora Ana Dayse: estudante à época do Regime Militar


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Ana Dayse Dorea, aos 18 anos, no trote do curso de Medicina da Ufal
Ana Dayse Dorea, aos 18 anos, no trote do curso de Medicina da Ufal

O ano em que o navio Hope chegou a Maceió mar­cou também a vida da atual reitora da Ufal, Ana Dayse Resende Dorea. Foi em 1973 que a professora começou a trabalhar na universidade e que nasceu sua primeira filha. No começo da carreira como professora da Ufal, Ana Dayse foi um dos profissionais da Saúde que se beneficiaram com a chegada do Hope.

"Tive a oportunidade de fazer um curso de especialização em Clínica Médica, ofe­recido pela equipe do Hope. Até hoje, muita coisa do fun­cionamento do HU é herança da capacitação dos profissio­nais do navio", disse a reitora. Em 1967, Ana Dayse en­trou na Ufal para fazer o curso de Medicina. Antes, chegou a cur­sar  um  ano  de Odontologia por­que havia perdido o vestibular  de Medicina. "Embo­ra estivesse bem aclimatada com Odontologia, al­gumas amigas in­sistiram para eu fazer o vestibular novamente, fiz e passei em Medici­na. Teve uma coi­sa boa nesse retar­do. Entrei na Ufal, uma    estudante mais madura, pu­de ter uma com­preensão diferen­te", revela.

O trote de Me­dicina foi um evento desse período que marcou a vida de Ana Dayse. "Era diferente do que acontece hoje. Como a gente tinha necessidade de protes­tar, o trote era um desfile. Nós passamos por várias ruas do Centro, com o policiamento acompanhando o tempo todo. Saímos da Praça da Faculdade e andamos todo o comércio. Era um orgulho desfilar, tendo passado no vestibular de Medicina. A Ufal era e ainda é o sonho de todo estudante do ensino médio", afirma.

A reitora conta que, na sua época de estudante, o curso de Medicina funcionava onde hoje é o ICBS (na Praça da Faculdade); a parte prática era realizada na Santa Casa. "Todo o curso foi feito entre a Praça da Faculdade e a Santa Casa. O HU já estava sendo cons­truído, mas só começou a fun­cionar com a presença do Hope", explicou.

Era pleno Regime Militar quando Ana Dayse começou o curso de Medicina. "As coisas eram mórbidas. Foi uma época difícil. A turma era unida, mas o regime era forte. Tivemos colegas universitários desapa­recidos", recorda.

Quando Ana Dayse come­çou a lecionar na Ufal, no ano seguinte ao da sua formatura, era só o início da carreira aca­dêmica: fez Residência em Saúde Pública, em São Paulo, e mestrado nessa mesma área; foi chefe de Departamento cinco vezes, em períodos dife­rentes; diretora do Centro de Ciências da Saúde; vice-reitora e, por fim, reitora, atualmente em seu segundo man­dato. "Não imaginava que seria professora de Medicina. Comecei a despertar para a carreira acadêmica como mo­nitora, quando era estudan­te. Meu primeiro emprego foi na Ufal. Tudo que conquis­tei, devo a universidade; tudo que sou e aonde che­guei. Tive a oportunidade de me qualificar, conhecer insti­tuições, pessoas diferentes, aprender a ser pesquisado­ra", destaca.

Entre 2001 e 2003, Ana Dayse teve uma experiência profissional fora da Ufal, que, segundo ela, foi decisiva para melhor avaliar o papel da uni­versidade.

"Fui secretária de Edu­cação do Município. Nesse cargo, pude ver de perto a educação do seu início, en­xergar a Ufal de fora. Passei a ter um olhar externo. Co­mecei a perceber que a uni­versidade tinha uma grande dívida com a educação do Estado. A Ufal forma profes­sores para atuar na socieda­de e no mercado de trabalho. Esse foi um momento que me motivou a ser reitora para contribuir com a educação de Alagoas", ressalta.

De acordo com Ana Dayse, essa experiência na Secretaria de Educação permitiu um olhar sobre o que a universi­dade deve fazer pela Educação Básica do Estado. "Eu não tive dúvidas quando a Ufal ade­riu ao Processo de Expansão, de Educação à Distância e de Cotas", disse.

Liberdade: uma luta do Diretório dos Estudantes

Assim como aconteceu com a reitora Ana Dayse Dorea, a Ufal começou a fazer parte da vida do professor Radjalma Cavalcante quando ainda era estudante. Atualmente, ele é aposentado, mas continua lecionando na Ufal, como volun­tário. Era 1965 quando o profes­sor entrou para a faculdade de Economia. O curso ficava insta­lado em um casarão antigo, na Praça dos Martírios. Nesse mes­mo ano, o inquieto jovem de 19 anos foi eleito presidente do Diretorio Central dos Estudan­tes (DCE). Como representan­te dos estudantes, Radjalma passou a fazer parte do Conse­lho Universitário.

O professor recorda de fatos curiosos ocorridos durante o período em que esteve à frente da presidência do DCE. Um deles foi a apresentação do espetáculo teatral "Liberdade li­berdade", com o ator Paulo Autran, no Teatro Deodoro, em 1967. "A apresentação dessa peça foi resultado de uma luta do DCE, contrariando o Regime Militar, que não queria esse espetáculo aqui porque era con­siderado subversivo. Não me conformei, fui a Recife, esperei Paulo Autran acabar o espetáculo que apresentou lá e contei a verdadeira razão da proibi­ção. Ele havia sido informado que o motivo do cancelamento era falta de espaço na agenda do teatro. Depois, fui ao Diário de Pernambuco, que na época era muito lido aqui em Alagoas, para sugerir uma pauta sobre a proibição da peça".

De acordo com o professor, o jornal publicou a manchete: "Governador proibiu exibição de 'Liberdade, liberdade' em Maceió. Estudantes farão hoje uma grande passeata". De volta a Alagoas, Radjalma pretendia organizar a passeata, mas não foi preciso.

"Ao saber da publicação, o governador ordenou que o de­legado liberasse a peça", lem­bra. Depois da apresentação, Radjalma colocou uma placa no Teatro Deodoro com os dizeres: "Neste teatro, Paulo Autran can­tou a liberdade. Homenagem dos universitários. 11/01/1967". A placa foi inaugurada por Pau­lo Autran e pelo reitor Aristóteles Calazans Simões, o A.C, Simões - cujo nome intitula o campus atualmente.

Ligação com Arte e Política - Outra façanha do jovem universitário também foi ligada às artes e à política.

Ainda em 1967, retornou a Re­cife, representando o DCE, para solicitar que o Grupo Severiano Ribeiro liberasse uma progra­mação especial para a sessão matinal de sábado no Cinema São Luiz. Assim, foi criado o Cinema de Arte de Maceió, no qual era realizada uma progra­mação especial, organizada por uma comissão composta por Radjalma e outras personalida­des atuantes no meio cultural alagoano à época.

Os filmes selecionados ti­nham temática política/social. "Todos os sábados, o cinema fi­cava lotado de estudantes da universidade e, após a exibição, havia debates com a plateia sobre o filme. Foram exibidas centenas de fitas, até que, em 1976, dez anos depois, por pres­são do Governo Militar, o cine­ma de arte foi desativado", conta.

O professor lembra que, na época de estudante, as faculda­des eram todas instaladas no Centro: onde hoje é o ICBS, era a faculdade de Medicina; no Espaço Cultural, funcionava o curso de Engenharia; na Praça Monte Pio, onde hoje é localiza­da a OAB, ficava a Faculdade de Direito; o curso de Filosofia era no Colégio Guido;

Odontologia era localizado onde atualmente funciona o Museu de História Natural, no Farol; e a Reitoria, na Avenida da Paz.

De acordo com o professor, nos dez primeiros anos da uni­versidade - de 1961 a 1971 -, algumas faculdades funciona­vam em prédios alugados. Por isso, a primeira grande preocu­pação do reitor A.C. Simões foi comprar um terreno para fazer um campus universitário, que começou a ser construído em 1965.

Em 1968, o primeiro prédio ficou pronto. A Faculdade de Economia foi a primeira a fun­cionar no campus, no prédio onde atualmente está localiza­do o ICHCA. O professor Radjalma recorda desse mo­mento histórico.

"O reitor A. C. Simões pediu aos alunos e professores de Economia que fossem os pio­neiros a inaugurar o Campus. Fomos transferidos para lá em julho e a formatura aconteceu em dezembro do mesmo ano. Foi o primeiro curso a se for­mar no campus A. C. Simões", recorda.