Rua: moradia social, política e cultural


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Residência Universitária Alagoana era cenário de discussões sobre política estudantil
Residência Universitária Alagoana era cenário de discussões sobre política estudantil

O agrônomo Jean Machado fez a graduação na Ufal, entre 1992 e 1997. O ex-aluno vivenciou o cotidiano da universida­de de um jeito diferente da maioria. É que, durante todo o curso, Jean morou na Residência Universitária Alagoana (RUA). "É como se a gente vivesse na universida­de 24 horas por dia. Quando havia greve, às vezes, não pódíamos voltar para casa, ou porque alguns trabalhavam ou porque moravam longe e não tinham dinheiro para viajar", recorda.

Jean afirma que a RUA foi o cenário de várias reuniões sobre política estudantil. "Os maiores protestos dos estu­dantes da Ufal, da época, co­meçavam na Residência. Eram protestos contra o aumento das passagens de ônibus e rei­vindicações como melhoria na estrutura da Residência e na qualidade da comida do Restaurante Universitário", conta.

O ex-estudante relata um episódio ocorrido em 1993, quando os residentes e ou­tros alunos da Ufal fizeram um protesto contra o aumen­to das passagens de ônibus. "Tomamos conta da Praça dos Palmares, passamos a noite na Prefeitura. Depois do protesto, não houve au­mento de passagem". Ainda nesse ano, houve o fechamen­to do Restaurante Universi­tário. Os residentes foram ao Campus protestar. "Amanhe­cemos o dia na Ufal, com fai­xas em prol da abertura do RU. A grande maioria dos es­tudantes participantes do protesto era da Residência", disse Jean.

Outro momento em que os residentes marcaram presença foi em 1992, no movimento de impeachment do ex-presidente Fernando Collor.

"Os residentes, juntamen­te com outros universitários e alunos de escolas públicas de nível médio, participaram da manifestação. Todos nós saímos com faixas e caras pin­tadas dizendo o grito de guerra 'Fora Collor' ", lembra Jean.

Muitos outros protestos se seguiram. Um dos últimos da fase de estudante do ex-residente foi em 1996, contra o pri­meiro Provão realizado na Ufal. "Protestamos, junto com outros estudantes e professo­res da universidade. A mani­festação aconteceu na Rua do Sol e na Praça Monte Pio", re­corda.

Encontros, Festas e Protestos - Ele conta que, além desses protestos locais, havia os encontros regionais e nacionais de estudantes de Residências Universitárias de todo o País. "Tínhamos uma li­gação com estudantes de todos os estados do Brasil. Havia en­contros de residentes duas vezes por ano. A Residência proporcionava isso; era um meio político estudantil que nos fortalecia.

Em todos os encontros eram discutidas questões de interesse das casas de estudan­tes, bem como da universida­de como um todo. Fazíamos protestos contra o sucateamento e a política de privatização das universidades e das Residências Universitárias, pois algumas queriam privatizar suas casas de estudantes ou fechar por falta de verba", explica.

O agrônomo lembra que havia um evento que se tor­nou tradicional na Residência: a lavagem da caixa d'água. Enquanto as mulheres faziam o almoço, os homens limpavam a caixa. À noite, para co­memorar, havia a Festa da Caixa d'Água, que tinha a par­ticipação não só dos residen­tes, como da comunidade uni­versitária em geral.

"Nessa festa surgiam dis­cussões políticas, eram levan­tadas questões de ordem e rei­vindicações para a Ufal e a Residência", disse Jean.

Outro evento tradicional era a Tertúlia: um encontro cultural que acontecia todas as noites de sexta-feira, no qual se recitavam poesias e alguns participantes cantavam e to­cavam violão. "A gente mora­va na Residência Universitária, mas existiam os agregados, que permaneciam muito lá para estudar em grupo e par­ticipar de eventos que aconte­ciam em alguns finais de se­mana", conta.

Apesar das dificuldades de morar em grupo e da falta de privacidade, pois o quarto é dividido com outros estudan­tes, Jean considera válido ter morado na Residência.

"Existia um preconceito com quem morava lá, mas foi a melhor fase da minha vida. Na Residência vivi, aprendi, tive a oportunidade de am­pliar os meus conhecimentos políticos, sociais e culturais. Se entrar na universidade já é um choque cultural e de cos­tumes para o jovem, ao morar na Residência, isso se amplia porque fica longe da família, tem que aprender a se virai sozinho. Foi uma oportunida­de de sair preparado para a vida. Tenho boas lembranças da Residência e da universi­dade".