A música erudita e o desejo de alçar voo
A trajetória da Orquestra de Câmara da Ufal nos seus 30 anos de existência
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Ben-Hur Bernard – estudante de Jornalismo*
Há algum tempo, musicistas e promotores culturais enfrentam a ideia de que a música erudita é inacessível e incompreensível como se estivesse inserida em um casulo rígido, emoldurado pela imagem de um produto cultural voltado apenas para as elites e os intelectuais. Esse fator dificulta a expansão da música para as várias camadas da sociedade e camufla um de seus desdobramentos: seu caráter educativo.
Nesse sentido, as orquestras ganham destaque e se inserem hoje em uma situação de busca por sua conservação e expansão, sobretudo no âmbito acadêmico. A Orquestra de Câmara da Universidade Federal de Alagoas é um exemplo vivo desse desejo. Portanto, seu início é tido como algo impossível de ser realizado por músicos alagoanos e por uma instituição sem tradição musical, visto que nem mesmo a graduação de Música era ofertada.
Em todo o país, as universidades públicas passavam por um momento de adesão ou criação de orquestras como patrimônios artísticos e culturais de suas instituições. Os grandes exemplos dessas incorporações - que serviram, inclusive, como motivo de persistência na criação da Orquestra de Câmara da Ufal - foram a Orquestra Sinfônica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (OSU-FRJ), anexada à Universidade em 1937; e a Orquestra Sinfônica da Universidade de São Paulo (OSUSP), já concebida como patrimônio da instituição em 1975. A Orquestra de Câmara da Ufal é contemporânea a essa última, pois sua criação oficial se dá em 1981.
A nomenclatura câmara vem do fato de a orquestra possuir um número reduzido de instrumentistas, em comparação com as outras tipologias como a sinfônica e a filarmônica, que exigem mais de cinquenta componentes. Além disso, não é viável às orquestras camerísticas realizar apresentações para um público numeroso e em ambientes abertos, de onde se extrai o predicado "câmara". A escolha desse formato Orquestra de Câmara desde o primeiro sopro já anunciava as dificuldades que estariam por vir.
O início de um voo
Em 1980, no reitorado do recém-empossado João Ferreira Azevedo, o mus-cista Antônio Julião Rodrigues Marques assume o Departamento de Pessoal da Ufal. Parte de Marques o sonho de criar uma orquestra para a Universidade, que tinha pouca experiência no âmbito das artes, à exceção da atuação do Coro Universitário (Corufal) criado oficialmente em 1973. Já em Maceió havia algumas iniciativas de orquestras. Uma delas foi a Paganini, mantida pelos próprios componentes e posteriormente incorporada à Fundação Teatro Deodoro (Funted), transformando-se em Orquestra Filarmônica de Alagoas.
Em uma viagem de praxe à Brasília, Julião Marques conheceu, ainda no avião, Benedito Lins de Oliveira, violon-celista da Orquestra da Funted e, posteriormente, seus companheiros de Filarmónica: Romeu Macedo França, o violista Danilo Gama Vieira da Silva e o contrabaixista Abelardo Jorge de Souza Cavalcante. Esse fato teve como desdobramento a elaboração da portaria que oficializava a Orquestra de Câmara da Ufal, em 15 de abril de 1981.
Restava o reconhecimento do Ministério da Educação (MEC) para que liberassem vagas, efetuando concursos para músicos. O início das atividades do Departamento de Artes é contemporâneo a esse momento. Em 1983, vieram ocupar as vagas restantes os violinistas Joselho Rocha Batista, Carlos Sérgio B. Rodrigues e Joás Ferreira Tavares, e o flautista Abel Machado dos Anjos. Porém, outras presenças foram importantes, como os pianistas Alex Villaça dos Santos, Cristina Magaldi e Maria do Socorro Queiroz que, além de professores de Música, auxiliaram no funcionamento da Orquestra participando de diversas apresentações. Maria do Socorro Queiroz, por vezes, regeu a Orquestra na ausência do maestro.
Havia muitas dificuldades para a realização dos ensaios. O prédio da Associação Comercial de Maceió serviu como abrigo da Orquestra da Ufal algumas vezes, assim como o Colégio Santa Madalena Sofia. Várias instituições de Educação Primária (Ensino Fundamental) privadas e públicas mais tradicionais de Maceió também cederam seus espaços à Orquestra, mas para concertos.
A intenção de Marques era promover a cultura erudita entre os mais jovens. Durante a apresentação, cada música tinha o seu contexto de concepção explanado aos estudantes e logo em seguida eles subiam ao palco para conversar com os musicistas e tocar os instrumentos. Até hoje o maestro relembra de uma ou outra criança, que se transformou em músico. "A sensação é de dever cumprido, pois a Orquestra não serve apenas para você tocar e ir embora, mas ela também cumpre essa função educativa", declarou.
Novos ares, novas batutas
Em São Paulo, Camargo Guarnieri, primeiro regente da Orquestra Sinfônica da Universidade de São Paulo (OSUSP), escondia o argentino Oswaldo Lupi em sua casa. Fugido da Ditadura Militar de Jorge Rafael Videla Redondo, ele temia pela sua segurança na capital paulista. Guarnieri e Marques acertaram a vinda imediata de Lupi para Alagoas, onde ocuparia a regência da Orquestra. Mais instrumentistas foram integrados ao grupo que, agora com 15 membros, possibilitava a definição de naipes. O repertório também sofreu mudanças devido às referências do maestro, que adicionou músicas clássicas de mestres alemães.
Em 1990, Oswaldo Lupi se aposentou e a batuta foi assumida por Almir Medeiros. A mudança modificou o repertório, privilegiando a música popular nacional, e o grupo passou a se chamar Orquestra de Música Brasileira da Ufal. O maestro Almir Medeiros desenvolveu esse trabalho até 1996. Em seguida, outro estrangeiro assume a regência do grupo, o holandês Nicolas Gosse Vale, e insere a participação de cantores que se graduavam pela Ufal nas apresentações da Orquestra. Sua regência ocorreu até 1998, quando uma mulher se torna a primeira maestrina oficial da Orquestra. Flávia Vieira dá continuidade ao trabalho já consolidado do grupo, inclusive a participação nos eventos tradicionais da Universidade, como o concerto natalino. Mas sua permanência à frente da Orquestra foi curta e, três anos após sua chegada, o maestro Nicolas Vale retorna ao posto, mantendo-se até 2002.
A extensão das asas
Desde então, o substituto de Vale, Nilton Souza, assume até hoje a batuta da orquestra, ao lado do regente José Alípio Martins. A composição do grupo está cada dia mais próxima de uma formação sinfônica, mas o atual desafio é o projeto Concerto Didático que funciona como uma ferramenta pedagógica unindo música e educação formal, realizando apresentações nas escolas públicas desde 1999.
Essa atividade possui também um caráter extensionista, que contribui para a formação dos estudantes instrumentistas. Mas além de educar o gosto pela música, o Concerto Didático desperta também o interesse por essa atividade artística, ao incentivar crianças e adolescentes ao exercício da música enquanto possibilidade profissional.
Mas todo o trabalho da Orquestra não seria possível se não houvesse anteriormente o desejo de voar, de romper com a casca de um ovo aparentemente inquebrantável. É necessário então não haver preconceitos com a música e reconhecer sua força, que é capaz de trazer fôlego novo para escolas e universidades. Porém, muito além de atingir essas duas instituições sociais, a música erudita merece ganhar o cotidiano das pessoas. É por isso que a Orquestra de Câmara da Ufal não perde de vista esse desejo, tornando-se hoje um dos poucos meios de se ter acesso à música erudita no Estado de Alagoas.
* Matéria publicada no Jornal Gazeta de Alagoas no dia 3 de abril de 2011.