Lembranças de um tempo que não volta mais
Impregnada de recordações da infância, Pássaros revela como o cenário do Centro foi modificado após duas décadas de abandono e descaso
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Por Carla Castelloti – jornal Gazeta de Alagoas, publicado em 24 de julho
Como um retrato íntimo da transformação do centro urbano de Maceió, Pássaros foi pautada pelas lembranças de infância de Fernando Pontes. Segundo explica o artista multimídia, a exposição também serve como alerta. "Estou fazendo esse trabalho por amor a Maceió. Eu gostaria que esses problemas tivessem uma solução. No decorrer do tempo não há solução, eu não vejo planejamento, está no abandono. É um alerta ao presente e às futuras gerações.
Eu, como artista, acho que o meu papel na sociedade é justamente transmitir algo do cotidiano, e a referência é o meu passado, mas a mente é o presente", destaca.
Artista convidado da Pinacoteca Universitária em 2011, Fernando revelou à Gazeta como será a montagem de sua nova mostra. Na sala 1, ficarão cartazes nos quais estará a pergunta: "Onde está o Mijãozinho?", referência à escultura de bronze que 'sumiu' da praça Sinimbu após ser destruída aos poucos e ter, enfim, seus restos roubados.
Também na sala 1, serão projetadas as 91 imagens que integram a sessão de fotos feita entre a Barra Nova e a praia de Pajuçara. Sem receber nenhum tratamento, os registros foram captados enquanto o artista percorria – num carro - o longo trecho de orla. Com dificuldade para fazer uma seleção entre as fotos, Fernando preferiu trabalhar a sessão de modo integral.
"Comecei a fotografar com o carro em movimento. Eu estava testando a máquina digital com a maior abertura possível. O resultado se aproxima muito do que eu fazia com fotos em slides - efeitos com luz. É como se fosse um voo rasante. As fotos foram feitas num espaço muito curto de tempo. Eu adorei esse registro e, conversando com alguns amigos, disse que estava difícil de selecionar. Aí preferi optar pelo Data Show", explica Fernando.
Na sala 2, estará a vídeo-instalação na qual o artista gravou Edmilson, o paraplégico e deficiente visual que há anos passa o dia cantando e tocando na rua do Comércio em busca de trocados. O encontro de Fernando com seu personagem aconteceu no dia 25 de janeiro, pouco antes de sua volta a São Paulo.
"Quando encontrei o Edmilson, fiquei surpreso porque ele continua no Centro fazendo a mesma coisa. Ou seja, ele faz parte da memória viva do Centro da cidade. No dia seguinte eu peguei a câmera e comecei a gravar sem que ele soubesse, até que ele começou a cantar 'Maceió não é mais cidade sorriso/ Maceió, a cidade lixo'", conta Fernando, destacando a coincidência entre o mote de seu trabalho e os versos entoados por Edmilson.
Salgadinho na Fita
Por último, na sala 3, será feita a projeção dos slides da sessão intitulada Salgadinho é Bom Demais. Satirizando uma antiga peça de propaganda de Maceió cujo slogan era Maceió é Bom Demais, Fernando forjou um álbum de fotos no qual a família Trick (truque) posa tendo como cenário de fundo o Riacho Salgadinho. Na abertura de Pássaros, revela o artista, haverá uma performance no ambiente.
Perguntado sobre sua relação com a cidade, Fernando diz que enquanto morou aqui não sentia tanto os problemas quanto hoje. "Quando eu morava em Maceió sempre achei ótimo, brincava que morava em Amsterdã porque eu fazia tudo de bicicleta. Ia trabalhar, à praia e até almoçar no Bar Brasil de bicicleta. Eu andava cerca de 20km por dia de bicicleta", lembra.
Já seu desejo é recuperar o que parece irrecuperável. "Eu gostaria, por exemplo, de pegar a minha sobrinha e dar uma volta na praça Sinimbu, mostrar o Mijãozinho, levá-la ao Museu Théo Brandão, à Casa Jorge de Lima, à Estação Ferroviária, ao Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas e ao Palácio do Governo. Mas eu não tenho segurança. Está cada vez mais difícil as pessoas saírem de casa".