Especialistas analisam a publicidade voltada para o consumo infantil
A indústria, o comércio e os publicitários já perceberam a grande influência que as crianças exercem atualmente sobre as famílias. Os pequenos consumidores detêm até 80% do poder de compra na economia familiar, segundo pesquisa realizada em 2003 pela InterScience Informação e Tecnologia Aplicada, quinta maior empresa brasileira desse segmento, associada a holding TNS-Taylor Nelson Sofres, sediada em Londres, segunda maior empresa do ranking mundial de pesquisas de mercado.
- Atualizado em
Lenilda Luna – jornalista
É uma grande mudança para uma faixa etária que até há algumas décadas era ensinada a ficar em silêncio enquanto os adultos conversavam, e agora são estimuladas a opinar e escolher. Como resultado dessa voz ativa infantil, os produtos e a mídia passaram a desenvolver produtos especialmente para atrair a atenção das crianças.
As consequências de tanto assédio nem sempre são positivas para pequenos cidadãos que ainda estão aprendendo a discernir entre fantasia e realidade. Por isso, psicólogos e juristas começam a se debruçar sobre esta questão. Na Ufal, dois trabalhos estão em andamento sobre o tema, um no curso de Psicologia e outro em Direto.
Consumo Infantil: influência da mídia
A professora de Psicologia, Mirian Maranhão, ministra uma disciplina de técnicas de entrevista nesta área. Ela propôs aos alunos do 6º período de Psicologia a abordagem de crianças pequenas sobre como elas escolhem brinquedos, roupas e outros produtos. Até quanto a publicidade influencia esta escolha e muda comportamentos, brincadeiras e a convivência com os amigos e a família? Enfim, os alunos buscaram entender a influência que a mídia estabelece nos padrões de consumo e no psiquismo das crianças.
Os alunos escolheram vinte crianças do primeiro e segundo ano do ensino básico, selecionadas aleatoriamente, sendo metade de uma escola particular e a outra metade de uma escola pública, e logo perceberam que nas cidades maiores o assédio da mídia é muito maior. “No interior, as crianças ainda brincam de bola, sobem em árvores ou fazem brinquedos de madeira e de lata. Mas na capital, os brinquedos e conversas têm a ver com o que está na mídia no momento”, revela a psicóloga.
Os pais também se sentem estimulados as seguir os “modismos” do momento, como por exemplo, as superproduções cinematográficas infantis, que são acompanhadas por refeições em fast foods com brindes dos personagens, linhas de produtos com o tema do filme, que vão de roupas a artigos de higiene pessoal, além dos vários tipos de brinquedos.
“São estratégias de mídia que nós devemos analisar e discutir do ponto de vista da formação das nossas crianças”, alerta Mirian Maranhão. “As crianças não podem ser vistas apenas como o 'negócio' do momento”, diz a psicóloga. Os alunos estão elaborando o relatório da pesquisa para apresentar em um painel no próximo Congresso Acadêmico.
Regulamentação da publicidade infantil
O tema polêmico está sendo abordado no Trabalho de Conclusão de Curso que está sendo elaborado pelo aluno concluinte de Direito da Ufal Victor Marques Medeiros. Pela importância de debater esta questão dos limites da publicidade infantil, Victor ganhou uma bolsa de seis meses do Instituto Alana e da Agência de Notícias dos Direitos da Infância. “Vou receber uma ajuda financeira para me dedicar à pesquisa sobre como a publicidade tem criado apelos com consequências negativas para a infância, o que justifica uma regulamentação”, defende Victor.
Desde 2005, o Instituto Alana reúne especialistas para elaboração de referências científicas e culturais sobre o consumismo infantil. A organização distribui materiais de apoio pedagógico para pais, educadores e pesquisadores, e mapeia dissertações de mestrado, teses de doutorado e artigos científicos sobre o tema. “Foi nesta linha que o projeto do meu TCC foi selecionado”, explica o estudante de Direito.
Já a Andi é uma organização de Comunicação que reúne jornalistas comprometidos com a denúncia de abusos contra os direitos e que busca também dar visibilidade às ações de organizações da sociedade civil e dos diferentes níveis de governo, apontando soluções no combate à exclusão, promovendo respeito, bem estar e oportunidades para crianças e adolescentes.
“Tanto o Instituto Alana quanto a Andi têm interesse em promover o debate sobre os limites da propaganda que estimula o consumo infantil. Não numa perspectiva de cercear a liberdade de expressão, mas de garantir a autonomia das famílias nas decisões sobre o consumo”, explica Victor.
No primeiro semestre deste ano, o Instituto Alana contratou o Datafolha para uma ampla pesquisa sobre o impacto negativo da publicidade sobre as crianças. Entre as várias questões levantadas, foi detectado que “56% da população brasileira desaprova publicidade em escolas e que, para 79% dos pais, publicidade de alimentos não saudáveis prejudica hábitos alimentares das crianças”.
Nesse sentido, o estudante propõe a discussão sobre uma lei específica para a regulamentação das propagandas de produtos infantis. “A publicidade abusiva se aproveita da falta de experiência e capacidade de julgamento das crianças. Isso não é arte que visa à livre expressão, é propaganda, e visa lucro, por isso deve ser regulamentada”, declara o estudante.
O estudante deve concluir a monografia sobre o tema até o final do ano. A apresentação do trabalho deve ser até o início de 2012. “Espero contribuir para uma discussão séria e produtiva sobre o assunto”, conclui Victor Marques.