Hidrogênio é produzido biologicamente a partir de resíduos agroindustriais
No Dia Mundial do Meio Ambiente, o Portal da Ufal destaca pesquisa do curso de Engenharia Ambiental, que converte composto tóxico em energia elétrica limpa. Estudo é o único no mundo que utiliza combinação tecnológica entre reator anaeróbio de leito fluidificado e a manipueira
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Após verificar os principais resíduos liberados de modo indiscriminado no meio ambiente alagoano, pesquisadores do curso de Engenharia Ambiental da Universidade Federal de Alagoas buscaram alternativas para transformar possíveis prejuízos ambientais em energia limpa. O grupo, coordenado pelo professor Eduardo Lucena, realiza produção biológica de hidrogênio a partir de resíduos agroindustriais, como a manipueira.
Facilmente encontrada no território alagoano, a manipueira é originada da prensagem da mandioca para a fabricação de farinhas e de bolos na região. No entanto, ela possui composto altamente tóxico, o cianeto, que pode provocar danos irreversíveis ao local onde fica exposto, à população e aos seres aeróbios encontrados nos rios, como os peixes. Segundo Eduardo Lucena, essa situação possibilitou que fosse pensada a utilização de elementos poluentes para a produção do gás hidrogênio, que não oferece impactos ambientais e possui potencial energético três vezes maior que o petróleo.
“A nossa ideia é utilizar resíduos lançados de qualquer modo no ambiente para produzir o hidrogênio, que é um gás altamente energético. Assim, fazemos um tratamento para dispor esse resíduo no meio ambiente com carga orgânica reduzida. Além disso, ao contrário dos combustíveis fósseis, que na sua queima contribuem com o efeito estufa, o hidrogênio é uma fonte de energia limpa, pois só produz energia elétrica e vapor d’água”, destaca.
Para cada tonelada de mandioca prensada são gerados cerca de 300 a 600 litros de manipueira, o que representa sério risco ambiental. Estudos comprovam que o esgoto sanitário estima Demanda Química de Oxigênio (DQO) de 300 a 500 miligramas por litro, já a DQO da Manipueira pode chegar a 60 mil miligramas por litro. Dessa forma, a pesquisa na Ufal converte resíduo que é cem vezes mais poluente que o esgoto sanitário em subproduto com valor agregado.
A pesquisa também visa à substituição das lenhas utilizadas nos fornos das casas de farinha alagoanas pelo biogás originado a partir do tratamento da manipueira. Para o pesquisador, a proposta pode ir além do que já vem sendo pensado. “Se olharmos para uma cooperativa, podemos pensar na expansão do processo e no fornecimento de energia elétrica não só para a casa de farinha, mas para a população que vive ao seu redor”, avalia.
O estudo é o único no mundo que utiliza combinação tecnológica entre reator anaeróbio de leite fluidificado e a manipueira. De acordo com Lucena, apesar da pesquisa ainda estar em processo de fundamentação de parâmetros básicos e de ser realizada em pequena escala, suficiente apenas para análises em laboratório, ela já apresenta eficiência de 90% no tratamento de manipueira.
Etapas do processo
A grande produção de manipueira em Alagoas é encontrada em Arapiraca, Junqueiro e Santa Luzia do Norte, município no qual o grupo coleta, quinzenalmente, 200 litros do resíduo. As amostras ficam congeladas em freezer, no Laboratório de Saneamento Ambiental, para que sejam preservadas todas as suas características. Durante o experimento, é feito o descongelamento e a diluição do material.
Para o processo, são utilizados dois reatores. O primeiro é alimentado com bomba dosadora e há presença de micro-organismos que ficam aderidos a partículas de argila. “A colônia de micro-organismos cresce no espaço em que está a argila. Dessa forma, a bomba alimenta o reator com a manipueira, que serve de fonte de carboidrato para o metabolismo dos seres vivos. Em seguida, a matéria orgânica é convertida em gás hidrogênio. Por isso, dizemos que é um processo biológico, já que a produção do gás acontece por meio de micro-organismos”, explica o pesquisador, que também pensa no uso de pneu triturado no lugar da argila.
A primeira etapa do projeto corresponde à produção de hidrogênio, que antes de ser liberado na atmosfera tem volume quantificado e percentual de pureza analisado. Nesse processo, também é gerado líquido que é encaminhado para o segundo reator, no qual ele é tratado e permite a produção de pequena quantidade de metano, gás convertido em energia e em combustão elétricas. Eduardo Lucena alertou que o metano é poluente, mas quando é controlado e está sob o tratamento adequado pode ser utilizado sem grandes prejuízos.
As cascas de sururu, que normalmente são despejadas no aterro sanitário, recebem outro destino no projeto. No segundo reator, as cascas são utilizadas para controlar o pH do equipamento e para que os micro-organismos fiquem aderidos ao material.
Vantagens
Para cada litro de reator, o grupo consegue produzir dois litros de hidrogênio por hora. Atualmente, o projeto tem produzido de 8 a 9 litros do gás por hora, já que o estudo realiza trabalho em pequena escala. O próximo passo do grupo é fundamentar parâmetros operacionais para expandir a pesquisa e projetar reator capaz de atender à demanda da comunidade.
O coordenador do projeto destaca que a contribuição ambiental da pesquisa é a grande vantagem do processo biológico. “A indústria cresce no mundo e, cada vez mais, resíduos são liberados no ambiente. Então, a gestão dos resíduos tem sido muito complicada. A nossa contribuição é utilizar uma tecnologia que pode ser interessante do ponto de vista ambiental, porque vai tratar um resíduo e produzir gás hidrogênio”, acrescenta.
Além disso, cresce no cenário mundial a fabricação de automóveis movidos a hidrogênio. Por isso, aumenta a preocupação com o aperfeiçoamento de células combustíveis, que necessitam de gás extremamente puro, e com métodos de armazenamento do gás. Técnicas atuais já são capazes de converter o hidrogênio impuro em energia elétrica e de prolongar a vida útil das células.
Próximos passos
Segundo Lucena, o grupo pretende ampliar a escala de experimentos e criar planta piloto em unidade de produção de farinha. Além disso, o projeto planeja converter resíduos originados da suinocultura, que representam grande impacto ambiental, em fonte de energia. “O projeto relacionado à suinocultura já foi aprovado. Agora, estamos aguardando a liberação de recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico para a construção de reatores e para a compra de equipamentos”, revela.
As pesquisas desenvolvidas pelo grupo já demonstram grande contribuição com a inovação. Neste ano, o grupo teve projeto aprovado no Congresso Internacional de Hidrogênio, no Canadá, e no Congresso Brasileiro de Energia Química, em Búzios.