Alternativas para um jornalismo popular

Mestrando em Sociologia elabora tese sobre o programa Fique Alerta


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Cenário do Programa Fique Alerta, objeto de pesquisa
Cenário do Programa Fique Alerta, objeto de pesquisa

Lenilda Luna - jornalista

Fabiano Melo Quirino gosta de desafios. Se não fosse assim, não teria escolhido como objeto de estudo um programa que, apesar da grande audiência, encontra muita resistência, principalmente no meio acadêmico. Formado em Letras e em Jornalismo pela Universidade Federal de Alagoas, ele está concluindo o Mestrado em Sociologia, também pela Ufal, e resolveu aprofundar na pesquisa para a tese as impressões sobre o programa Fique Alerta, exibido de segunda à sexta, ao meio dia, na TV Pajuçara. "Não há dúvidas sobre a popularidade do programa e eu quis entender melhor como funciona essa relação do público com essa modalidade de jornalismo", justifica Quirino.

A pesquisa intitulada "O programa Fique Alerta e a falácia do 'policialesco': alternativas para um telejornalismo popular" está sendo orientada pelo coordenador  do programa em Pós-graduação em Sociologia, João Vicente Lima. "O professor considerou a proposta válida e me deu um grande apoio para realizar essa pesquisa, que é polêmica, porque trata-se de um programa que, por um lado, é tratado nos cursos de jornalismo como antiético, violento, etc. Por outro, a população já transformou a audiência do programa em bordão, diante de qualquer problema, a frase mais ouvida é 'chame o Fique Alerta'. Como cientista social, fiquei curioso em avaliar essa realidade", destaca Fabiano Quirino.

Para avaliar o programa, Quirino visitou comunidades periféricas de Maceió e observou que, em várias situações, as populações de baixa renda encontram no Fique Alerta um canal de voz para cobrar os serviços que o poder público deveria oferecer. "O programa foi eleito por uma parcela da sociedade alagoana como um intermediário na resolução dos problemas coletivos.

Essa população, que se diz muitas vezes esquecida pelo poder público também encontra essa intermediação em outros veículos jornalísticos, mas não com o êxito, a intensidade e os resultados obtidos pelo tipo de programa objeto dessa pesquisa", afirma o estudante. Segundo Fabiano Quirino, uma das características do programa que pode justificar essa grande penetração nas camadas populares é a forma como as informações são abordadas, com imagens e textos menos "padronizados" e que causam a impressão de proximidade com o telespectador. "As matérias feitas sem muita edição, dialogando com os entrevistados sobre os problemas cotidianos, aproximam o conteúdo televisivo da realidade, da rotina dessas pessoas", pondera o pesquisador.

Depois de acompanhar o programa como telespectador e, em seguida, conhecer algumas das comunidades que acompanham o programa, Quirino obteve autorização da emissora para conhecer o programa "por dentro". Há dois meses ele vai duas vezes por semana à TV Pajuçara, no horário em que o Fique Alerta é veiculado, com a possibilidade de ver como o programa é produzido, as matérias do dia são escolhidas, a dinâmica do programa ao vivo, nos bastidores. "Fui muito bem recebido por todos na emissora e entrevistei várias pessoas que trabalham no programa, como editores, produtores e também os apresentadores", declarou o mestrando.

Preconceito

Sobre o preconceito dos acadêmicos com esse tipo de programa, FAbiano cita  Pierre Bourdieu, sociólogo francês, que critica a  televisão por considerá-la superficial e dominada por interesses políticos e econômicos. Mas, por outro lado, defende que os intelectuais se integrem mais a esse veículo para divulgar ideias e princípios. Em entrevista ao Jornal do Brasil, há pouco mais de uma década, Bordieu falou deste aspecto controverso da televisão.

"Penso que já seria importante que os intelectuais tomem consciência de que, em sua relação com a televisão, o que está em jogo não é apenas seu ego, sua notoriedade atual ou potencial, mas algo infinitamente mais importante politicamente: a possibilidade de instituir um contra-poder crítico eficaz, capaz de se exprimir em nome do maior número de pessoas, as conquistas mais sofisticadas e mais avançadas da pesquisa científica e artística ou, mais simplesmente, a possibilidade de oferecer a todos os homens e mulheres de todos os países um acesso mínimo aos produtos mais raros e mais nobres da reflexão humana", disse ele em entrevista para a jornalista Leneida Duarte.

Baseado em reflexões como essa, Quirino considera que os cursos de Jornalismo formam comunicadores e não intelectuais. "Somos operários da palavra. Como comunicadores, vamos estar em contato diário com os vários aspectos da notícia. O jornalismo é setorizado, é financiado por grupos econômicos e limitado por vários interesses, mas, apesar disso, é um instrumento importante para dar visibilidade aos reclames da população, por isso, acredito que é preciso ter mais humildade e inserir na faculdade de jornalismo um debate mais aprofundado sobre jornalismo comunitário", pondera o comunicador.

Quirino avalia também que o programa sofreu mudanças importantes nos últimos anos. "A disputa por audiência já foi mais ferrenha e baseada principalmente em imagens chocantes, que atraiam a curiosidade da população de forma bizarra. Mas com o tempo e o acompanhamento do Ministério Público, o programa foi encontrando um formato que mantém a popularidade sem apelar para o 'sangue pingando na tela', como se referiam as pessoas ao falar de forma jocosa dos programas policiais", ressalta Quirino.

Interatividade

Outro aspecto que está sendo observado por Fabiano Quirino no Fique Alerta, mas que é cada vez mais presente em todos os programas é o da interatividade. "As pessoas já participavam bastante do programa, ligando, pedindo a presença da equipe do Fique Alerta nos conflitos e denúncias, mas agora estão ainda mais próximas, participando das redes sociais que estão integradas à programação", ressalta Quirino.

Quirino observou ainda que, na emissora que veicula o programa Fique Alerta, a TV Pajuçara, essa escolha de interatividade não é aleatória. "Na emissora existe uma equipe responsável por pensar estratégias para as redes sociais e essa política é incorporada por todos os repórteres e apresentadores. Essa interatividade abre espaço para novas formas de participação dos telespectadores, que só agora começa a ser avaliada", reflete o pesquisador.

O trabalho de Fabiano Quirino ainda está sendo finalizado. O estudante do Mestrado em Sociologia da Ufal acredita que vai defender a dissertação até setembro deste ano.