Tendência de inverno “seco” deve continuar no próximo ano
Conflito entre os fenômenos La niña e El niño provoca indefinições
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Lenilda Luna - jornalista
O Brasil é um país continental, por isso, a divisão das estações por aqui não funciona da mesma forma que aprendemos nos livros didáticos. A separação entre primavera, verão, outono e inverno não é a mesma em todo o território nacional. Segundo o meteorologista Humberto Barbosa, da Universidade Federal de Alagoas, a variação de temperatura no sul, entre verão e inverno, chega a 15°. A sensação térmica é bem característica de cada estação. “Mas aqui no nordeste, a varição não passa de 4º, por isso, em termos de temperatura, não sentimos tanta diferença nas mudanças de estação”, explica o pesquisador.
Humberto destaca que, na verdade, a região nordeste tem mesmo duas estações bem caracterizadas: a estação seca e a chuvosa. E dentro da região existem diferenças, afinal são 1.554.257,0 quilômetros quadrados, representando 18,2% da área do país. “Existe a faixa litorânea do nordeste, que representa apenas 8% desta região, onde a quadra chuvosa vai de maio à agosto, podendo chegar até setembro. São, em média, 1.800 ml por ano. Esse é um lado da nossa realidade”, relata Humberto.
Já no semiárido nordestino, que representa mais de 60% do território, chove da segunda quinzena de julho até agosto. “É um período bem mais curto e com índice pluviométrico de 300 a 800 ml por ano. O problema é que o índice de evaporação nesta região é muito maior, ultrapassa os três mil mililitros por ano. Por isso, esta área é sempre seca”, detalha Humberto. “O principal fenômeno meteorológico associado a ocorrência das secas no semiárido nordestino é El Nino-Oscilação Sul (ENOS). Ele tanto causa secas no Nordeste, como inundações na regiões Sul e Sudeste do Brasil”, complementa o meteorologista.
Indefinição
Humberto explica ainda que dois fenômenos influenciam o clima no nordeste: o El Niño e La Niña. O El Niño se caracteriza por um aquecimento das águas do oceano Pacífico. Segundo o professor de meteorologia, o El Niño extremo provoca seca rigorosa no nordeste brasileiro e enchentes no sul. Já quando prevalece La Niña, que é um resfriamento das águas do oceano Pacífico, a tendência é de mais umidade no sertão, o que garante um ano de mais chuva.
Acontece que este ano, estes fenômenos estão tendo um comportamento fora dos padrões registrados pelos meteorologistas ao longo de um período climatológico, que é de 30 anos. “Desde o final do ano passado que o oceano Pacífico está em conflito. As chuvas estão fora do padrão em todo o país e as previsões ficam muito mais difíceis, já que o clima está fora do 'comportamento' conhecido”, pondera o meteorologista.
Apesar desta indefinição, alguns indicativos alertam que a seca registrada esse ano pode se agravar ainda mais em 2013. “A estação da chuva ficou bem abaixo da média esse ano. Ao longo do tempo, registramos esses anos secos em sequência, como 1982 e 1983, 1997 e 1998. São exemplos clássicos de secas rigorosas. Como 2012 tem as mesmas características, devemos nos preparar para uma estiagem ainda maior em 2013”, alerta Humberto.
Mas Humberto diz que existe outra influência que pode ser positiva e minimizar a situação, que são as ondas atmosféricas que provocam ventos mais fortes no Atlântico Sul. “Esse ano, a Bacia do Atlântico também foi desfavorável em trazer nuvens de chuva até o sertão nordestino, mas pode ser que no próximo ano, as águas estejam mais aquecidas e os ventos amenizem as previsões de seca influenciadas pelo Pacífico”, ressalta o meteorologista.
Laboratório da Ufal desenvolve pesquisas e serviços
As pesquisas orientadas pelo professor Humberto Barbosa são realizadas no Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (LAPIS), unidade do Instituto de Ciências Atmosféricas da Universidade Federal de Alagoas, voltada para atividades de pesquisa, assistência tecnológica e treinamento de recursos humanos para a recepção, processamento, interpretação e integração de imagens dos satélites da série Meteosat.
A partir da análise das imagens, os pesquisadores fazem o monitoramento ambiental e desenvolvem metodologias para avaliar a cobertura vegetal do solo. “O monitoramento do impacto ambiental é uma nova metodologia desenvolvida aqui no Lapis. A partir dele podemos observar que a desertificação avança na caatinga”, alerta Humberto.
O pesquisador explica que seca é um desastre natural, assim como as enchentes ou os terremotos. “Mas é um desastre silencioso, lento, e por isso, causa menos comoção social. Esse é o risco, porque nem sempre a sociedade percebe a extensão dos problemas causados pela seca e que atinge um grande número de pessoas”, reflete o pesquisador.
O meteorologista ressalta que ainda existe um descompasso muito grande entre o monitoramento dos fenômenos climáticos e as ações efetivas para minimizar os efeitos da degradação do semiárido brasileiro. “Atualmente, são 200 mil quilômetros quadrados de terras degradadas e, em muitos locais, imprestáveis para a agricultura. Somando-se a área onde a desertificação ocorre ainda de forma moderada, a área total atingida pelo fenômeno sobe para aproximadamente 600 mil quilômetros quadrados”, explica Humberto.
O professor informa que no Lapis da Ufal existe um conjunto de dados meteorológicos e ambientais fornecidos pelo sistema EUMETCast da EUMETSAT (European Organisation for the Exploitation of Meteorological Satellites).
“O sistema tem o objetivo de distribuir dados observados da superfície, da atmosfera, metas, dados e produtos para diversos tipos de usuários, sobretudo imagens METEOSAT Segunda Geração (MSG), em tempo real, para tomada de decisões conscientes em várias áreas, incluindo saúde pública, energia, agricultura, tempo, água, clima, desastres naturais e ecossistemas”, destaca o pesquisador.
Humberto Barboza informa ainda que a tecnologia de recepção EUMETCast é baseada no uso de componentes comuns e disponíveis no mercado, o que permite ampla adoção do serviço por um custo baixo. “Uma estação de recepção completa pode ser comprada e instalada por três mil a quatro mil reais.
Estes sistemas de observação remota produzem imagens das condições atmosféricas que são indicativos dos sistemas atuantes, como, por exemplo, a temperatura de topo de nuvem e as composições coloridas RGB, utilizadas para a identificação e o monitoramento da severidade dos sistemas meteorológicos, ou a temperatura da superfície terrestre e o índice de vegetação da diferença normalizada, utilizados para o monitoramento de áreas agrícolas, de biomas nativos e para o monitoramento climático de secas e estiagens”, relata Humberto Barbosa.