Gestores da Ufal visitam presídio modelo de ressocialização
Objetivo é incentivar as relações institucionais com o projeto que é exemplo de dignidade e direitos humanos
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Manuella Soares - jornalista
Muros altos, grades reforçadas e longos corredores que aos poucos revelam o que existe de diferente no lugar. A vice-reitora da Universidade Federal de Alagoas, Rachel Rocha, e integrantes do Núcleo de Estudos sobre a Violência no Estado (Nevial) foram conhecer de perto o que a Superintendência Geral de Administração Penitenciária batizou de “Núcleo Ressocializador da Capital”, no Presídio Rubens Quintela. Lado a lado, guiando a visita, um agente penitenciário e um presidiário, ambos com o mesmo propósito: mostrar o bom exemplo de como tudo funciona.
A cada mês é eleito, entre os cem presos, um representante para ser o canal entre a direção e a população carcerária, numa via de mão dupla, na qual um ajuda o outro. Conseguir cumprir a pena nesse presídio significa passar por uma rigorosa seleção que analisa, além do tipo de condenação, o perfil psicológico e a estrutura familiar. Mas para fazer parte do Núcleo, acima de qualquer coisa, é preciso acreditar no projeto.
A base estrutural de administração segue um modelo espanhol que só chegou ao Brasil no estado de Goiás e em Alagoas, há um ano. Os policiais circulam sem armas ou qualquer tipo de dispositivo de segurança. “Nós entramos desarmados, mas a gente sabe do trabalho que faz. Não usamos da força física, trabalhamos na base do diálogo”, comenta Felipe Campos, gerente de segurança e coordenador no Núcleo.
As regras de disciplina são simples: Não usar palavras de baixo calão; não cuspir no chão; não fumar nas áreas comuns; manter os alojamentos limpos; entre outros itens que regem o respeito mútuo e ajudam a manter um ambiente mais agradável, no sentido literal da palavra. É que o conceito dos muros que cercam o presídio, se contrasta com a estatística positiva de um ano sem fuga, sem rebelião ou até princípio de tumulto que quebre a rotina tranquila dos custodiados.
As professoras Ruth Vasconcelos, coordenadora do Programa Ufal em Defesa da Vida e Elaine Pimentel, coordenadora do curso de Direito, ficaram atentas a todos os detalhes que servem de padrão para um caso de sucesso. “É uma demonstração de que quando existe uma noção de regras e um bom processo pedagógico, é possível, sim, ressocializar um sujeito. Essa experiência aqui em Alagoas me faz acreditar mais na aplicação de um sistema que garante os direitos humanos”, ressaltou Ruth.
Refeitório organizado, banheiros limpos e muito trabalho para evitar a ociosidade dos detentos. Mas em contrapartida, eles ganham o direito à educação, com aulas semanais, atividades físicas ao ar livre, momentos de recreação com jogos de tabuleiro, tratamento médico, odontológico e apoio psicológico. “Esse apoio é importante porque aqui não parece presídio, mas eles estão privados de liberdade. Eles gostam do atendimento porque eu não vou julgar, vou ajudá-los a saírem daqui diferentes”, conta a psicóloga Dalva Viera.
A coordenadora geral Fernanda Aranda acredita que não tem segredo. “Nós não estamos fazendo nada mirabolante, só cumprimos o que determina a Lei de Execuções Penais, garantindo a dignidade de cada um. Se a gente dá condições humanas, eles vão acabar adotando essa postura lá fora”. É a mesma lógica que pensa o presidiário Francisco Mota, líder do mês de agosto no Núcleo. “Nossa vida aqui muda 100%. Nas outras unidades prisionais, os presos são amontoados como lixo. Assim não vai reeducar ninguém. Já aqui, eu não vejo como presídio. Para mim, é uma escola onde eu aprendo todo dia, resgato o que deixei pra trás e me sinto gente”, revela, com lágrimas nos olhos.
Fábrica de esperança
O Núcleo Ressocializador da Capital funciona no prédio da antiga Colônia Agroindustrial São Leonardo, que foi toda reformada com mão de obra carcerária. A força do trabalho em conjunto fez crescer a “Fábrica de Esperança”, criada para gerar oportunidades de formação educacional e profissional, com o objetivo de reintegrar os custodiados à sociedade. Existem espaços para oficina de artesanato e bijuteria, curso de instalações elétrica e hidráulica, pré-moldagem, corte e costura, marcenaria e panificação numa padaria que produz cerca de 15 mil pães por dia. Com o trabalho, os reeducandos recebem o benefício da redução da pena e ainda são remunerados.
Após cumprir parte da pena, há a progressão para os regimes aberto e semiaberto. É quando eles começam a aplicar o que aprenderam na unidade prisional e necessitam de um emprego para retomar a vida. A Ufal é uma das parceiras dos convênios firmados pelo Núcleo com instituições públicas e privadas. Segundo a vice-reitora, Rachel Rocha, é apenas um pouco, do muito que podemos ser útil. “A Ufal tem muito o que aprender com esse Núcleo, porque a gente está perdendo a dimensão do humano, somado ao desencanto natural com o mundo. Fiquei muito impactada. A gente pode estreitar os laços para colaborar com esse projeto enquanto instituição educacional", disse a vice-reitora.