Acordo Ortográfico será obrigatório em breve
Acordo ampliará a cooperação internacional entre os oito países ao estabelecer uma grafia oficial única do idioma. A jornalista Manaíra Athayde, que iniciou o curso na Ufal e hoje vive em Portugal, relata como brasileiros e portugueses aguardam a obrigatoriedade
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Por Manaíra Athayde *
As novas estruturações gráficas entraram em vigor em janeiro de 2009, mas a regularização em cada país aderente ao acordo será aceita oficialmente até dezembro deste ano. Segundo o Ministério da Educação, as mudanças afetarão cerca de 0,5% do léxico brasileiro e 1,6% do vocabulário dos demais países.
A reforma ortográfica já havia sido aprovada em dezembro de 1990 por representantes de sete países que falam a Língua Portuguesa – Brasil, Portugal, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe. Em 2004, o Timor-Leste aderiu ao projeto dois anos após obter sua independência da Indonésia. Para entrar em vigor, o acordo precisava da corroboração de, no mínimo, três países, o que foi alcançado em 2006 com Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. O Parlamento Português aprovou o acordo apenas em maio de 2008.
O Acordo Ortográfico estabelece 21 bases de mudanças na Língua Portuguesa. Entre as novas regras estão o retorno das letras K, W e Y ao alfabeto para oficializar uma prática que já ocorre, especialmente com palavras de origem estrangeira, e a supressão definitiva do trema e dos acentos agudos de palavras paroxítonas cujas sílabas tônicas sejam éi e oi (como em jibóia, Coréia, jóia, que viram jiboia, Coreia e joia). Há ainda a eliminação dos acentos em palavras que terminam em éia e ôo (como em assembléia e enjôo, que passam a ser assembleia e enjoo). Altera-se também o acento diferencial de palavras como pólo e pôr (que viram polo e por) e as regras de hifenização propõem hífen apenas na junção de duas palavras em que a primeira termine e a segunda comece com a mesma letra (anti-semita vira antissemita e microondas vira micro-ondas, por exemplo). Existem ainda abundantes casos de excepções previstas no acordo, admitindo-se assim a dupla grafia em muitas palavras (como em António/Antônio, facto/fato, secção/seção, aspeto/aspecto, amnistia/anistia).
O Acordo no Brasil
O MEC divulgou um apontamento na página da Web do Governo Federal reiterando que o acordo ampliará a cooperação internacional entre os oito países ao estabelecer uma grafia oficial única do idioma. A medida também deve facilitar o processo de intercâmbio cultural e científico entre as nações e a divulgação mais abrangente da língua e da literatura.
Em entrevista ao iG Notícias, Mauro de Salles Villar, co-autor do primeiro dicionário contendo as novas regras e diretor do Instituto Antônio Houaiss, diz que o acordo é de extrema importância para os países lusófonos porque “O número de falantes da Língua Portuguesa estava decrescendo. Moçambique entrou para a comunidade britânica. Guiné-Bissau, para a francesa. Isso ameaçava o Português, a sétima língua mais falada no mundo – atrás do Mandarim, Inglês, Hindi, Espanhol, Russo e Árabe. Se o Português for diferente em cada país, se transformará em outras línguas. Muito aceleradamente perderíamos falantes”, explica.
Numa enquete promovida pela iG Brasil entre setembro de 2008 e fevereiro de 2009, dos mais de cinco mil votos, 49% se mostrou contra o acordo e 51% votou a favor do acordo, alegando a necessidade de actualizar a língua. A maioria dos meios de comunicação mais suscetíveis às transformações – as revistas, os jornais impressos e as mídias on-line – ainda não atendeu às devidas mudanças, apesar de noticiar as novas regras de grafia. As empresas de comunicação alegam que se as mudanças forem feitas abruptamente podem causar um certo estranhamento por parte do público, distanciando-o e até mesmo comprometendo a credibilidade do veículo.
Por outro viés, o tratado tem sido considerado por muitos como um acordo político ao invés de um acordo linguístico. Um movimento não-oficial chamado F.O.D.A.–O. (Fundação Organizada de Desobediência ao Acordo Ortográfico) surgiu com força no Brasil e tem angariado cada vez mais adeptos, especialmente por meio da Internet. Em blogs, nicknames, profiles já se pode encontrar alguma referência ao F.O.D.A.–O., com um nome não menos intencional e composto em suma por universitários. O integrante Ramon Felipe Wagner e aluno do curso de Filosofia da Universidade de Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) afirma que muitas pessoas vão de encontro ao acordo porque não o vêem como resultado de preocupações socioculturais, mas como uma iniciativa mercadológica a favor de editoras, que terão seus mercados consumidores ampliados. Outro argumento é que a paridade das regras não fortalece a língua, mas extingue as particularidades que tanto caracterizam cada povo, afinal a projecção de um idioma depende de muitos factores e o menor deles é a existência de divergências ortográficas tendo em vista âmbitos político-econômicos.
Alguns editores e livreiros portugueses ainda acusam o acordo de ser um “abrasileiramento” da Língua Portuguesa, visto o tratado como um facilitismo para as editoras brasileiras entrarem nos países africanos, ameaçando o mercado das editoras portuguesas nesses países. Mauro de Salles Villar comenta que desde o início das propostas que resultaram na reforma de 1990 e no acordo assinado recentemente, “houve uma reação muito forte em Portugal. Intelectuais e demais portugueses ficaram receosos devido ao medo de descaracterização da língua. As pessoas costumam não aceitar mudanças daquilo que elas dominam. Tudo o que é novo provoca essa ação. Assim, optou-se por algo menos ousado”, afirma. De qualquer forma, a resistência ao acordo tem sido significante, quer seja devido ao vínculo emocional e intelectual à forma corrente da escrita, quer seja por receio de não se saber escrever pelas novas regras.
O Acordo em Portugal
Em Portugal, depois de anos de polêmica, o Acordo Ortográfico de 1990 foi finalmente oficializado. A 16 de maio de 2008 a Assembleia da República Portuguesa ratifica o documento que é promulgado a 21 de Julho do mesmo ano pelo Presidente da República. No entanto, as dificuldades não acabaram aqui. Apesar de no Brasil o acordo ter entrado em vigor a 1º de janeiro de 2009, Portugal não tem ainda uma data oficial para a sua implementação. A lei aprovada prevê apenas um período de adaptação de seis anos.
Esta indecisão pode levar a retrocessos no plano de implementação do documento. Recentemente, o presidente do Instituto Internacional da Língua Portuguesa, Godofredo de Oliveira Neto, disse, em declarações à agência de notícias Lusa (a maior de Portugal), que a falta de consenso entre linguistas portugueses e brasileiros pode levar a um desacordo, mesmo que a vontade política exista.
Ainda assim não se pode acusar a sociedade portuguesa de nada fazer em prol da unidade linguística. O semanário regional O Despertar, de Coimbra, foi o primeiro orgão de comunicação nacional a adotar as novas regras ortográficas. O seu diretor, Lino Vinhal, refere que tal só é possível porque o velho semanário, com 91 anos, sempre se orgulhou de estar na linha de frente progressista. Ao regional, juntou-se o jornal esportivo Record, que também já utiliza uma mistura entre a grafia antiga e a postulada pelo novo acordo.
A sociedade portuguesa parece apreensiva com a introdução do novo acordo. Considerem-se as petições online que circulam de mão em mão. A petição contra a implementação do acordo conta, à data da redação deste artigo, com 98640 assinaturas, enquanto que a petição a favor da implementação do documento apenas com 1120.
E quais são as alterações que o cidadão comum terá de enfrentar? Provavelmente, o caso mais famoso será o das consoantes mudas. Diz o texto do acordo que “o c, com valor de oclusiva velar, [...] e o p, das sequências interiores [...] ora se conservam, ora se eliminam”. Isto é, “accionar” transforma-se em “acionar”; “colectivo” em “coletivo”; “concepcional” em “concecional” e “adopção” em adoção”. É, no entanto, permitida a dupla grafia nos casos em que haja oscilação de pronúncia. Nos casos em que a consoante é pronunciada, nada altera – em “bactéria”, por exemplo. Estas alterações causarão, certamente, um desconforto à vista lusitana, mas, muito provavelmente, daí não passará.
Mais grave será, talvez, a extinção do acento em palavras graves homógrafas. Isto causará a extinção do acento de “pára”, forma verbal do verbo “parar”, que se confundirá facilmente com a preposição “para”. Pode também causar problemas a supressão facultativa do acento no pretérito perfeito do indicativo dos verbos da primeira conjugação, ou seja, de acordo com o novo acordo ortográfico, “passámos”, terceira pessoa do plural do pretérito imperfeito, pode também ser escrito como “passamos”, ou seja, como a terceira pessoa do plural do presente do modo indicativo. Algo que pode causar graves erros de interpretação em obras literárias ou em documentos oficiais.
Vê-se que, apesar dos esforços para a união das grafias lusófonas, o Acordo Ortográfico tem ainda muitos obstáculos para ultrapassar em Portugal – desde a desconfiança da sociedade até à apatia legislativa.