Pesquisa revela problemas no Programa de Arrendamento Residencial
Mestre em Arquitetura detectou várias inconformidades entre o projeto e a construção no PAR em Maceió
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Lenilda Luna - jornalista
O sonho da casa própria mobiliza milhares de brasileiros. Diante da necessidade de as famílias sairem do aluguel e terem um lugar para morar, o governo brasileiro desenvolveu uma série de programas de financiamento da habitação ao longo dos anos. Um dos mais recentes é o Programa de Arrendamento Residencial (PAR), instituído pelo do Governo Federal, por medida provisória, em 1999, e depois regulamentado pela lei 10.188, de 12 de fevereiro de 2001, para atender a população com renda familiar de até seis salários mínimos.
O programa, promovido pelo Ministério das Cidades, executado pela Caixa Econômica e financiado com recursos do Fundo de Arrendamento Residencial, chamou a atenção do arquiteto e pesquisador Alexsandro Tenório Porangaba. Ele avaliou as construções, em Maceió, durante o mestrado em Dinâmicas do Espaço Habitado (DEHA), do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Alagoas. A dissertação, defendida em 2011, foi orientada pelo professor Alexandre Márcio Toledo. "O principal objetivo foi identificar tipologias de edifícios e analisar a qualidade funcional das habitações verticais do Programa de Arrendamento Residencial (PAR) em Maceió-AL, por meio da relação existente entre projeto arquitetônico e mobiliário, com foco direcionado na análise gráfica do projeto", informa Alexsandro.
Alexsandro explica que são dois padrões construtivos: PAR-1, com área útil mínima de 37m², e PAR-2, com área útil mínima de 35m². "Para tanto, os empreendimentos deveriam seguir rigorosamente as especificações mínimas de construção, mobiliário, equipamentos, espaços de circulação e baixo valor de construção, sendo esse último o item mais relevante na aprovação das propostas arquitetônicas", relatou o arquiteto na pesquisa. Justamente por ser uma construção de baixo custo, o arquiteto levantou a hipótese de problemas relacionados à incompatibilidade entre às especificações mínimas e o espaço construído e, dificuldade no desempenho das atividades domésticas.
Foram analisados 21 projetos arquitetônicos de edifícios verticais do PAR, onde o arquiteto constatou que, apesar de os projetos apresentarem um programa arquitetônico fixo, os resultados da análise funcional evidenciaram a existência de quatro empreendimentos que estão com área útil abaixo do mínimo recomendado pela Caixa. "As análises realizadas da composição do mobiliário e equipamentos comprovam que os cômodos mais inadequados em termos dimensionais e organizacionais são os quartos e sala de estar e jantar", revelou a pesquisa.
As análises dos espaços de circulação e atividade comprovaram que os cômodos mais adequados foram a cozinha e área de serviço, em contrapartida o banheiro foi o cômodo mais crítico, principalmente quandos e leva em consideração a necessidade de idosos, pessoas com enfermidades temporárias ou com restrições de mobilidade. "Acredito que os problemas funcionais identificados na pesquisa poderiam ter sido evitados antes da construção das unidades habitacionais caso fosse realizado pela Caixa uma análise mais precisa das compatibilidades entre os projetos e as especificações mínimas do PAR", ressaltou o pesquisador
Questionamentos quanto à qualidade
O pesquisador coloca em questão a qualidade dos empreendimentos, que apesar de serem de baixo custo, tem que garantir uma moradia digna e segura às famílias. "Observamos o cenário político no qual os programas habitacionais voltados à população de menor poder aquisitivo foram implementados e, sobretudo como os processos de licitação foram conduzidos perante os órgãos representativos, visando o baixo custo de construção e consequente perda de qualidade dos projetos. A demanda por habitações de interesse social vem crescendo significativamente no Brasil, e em contraposição, os espaços internos dessas habitações têm sofrido reduções consideráveis em seu dimensionamento, refletindo diretamente nas condições de uso da moradia", alertou o mestre em Arquitetura.
O arquiteto reconhece a importância das políticas de habitação voltadas para as famílias de baixa renda, mas adverte que a proposta de construções com baixo custo não pode significar abrir mão da qualidade e segurança. "Nas minhas avaliações, surgiram as perguntas: será que a redução dimensional dos espaços internos das habitações de interesse social tem possibilitado os usuários mobiliar adequadamente e desempenhar as atividades domésticas sem que estejam suscetíveis a acidentes? Sendo o baixo custo de construção um dos fatores mais importantes para que as construtoras pudessem ter seus projetos aprovados para financiamento pelo PAR, os projetos arquitetônicos foram revisados com critério dentro das especificações mínimas que o próprio banco recomendava?", questionou o pesquisador.
Diante destes questionamentos, a pesquisa foi desenvolvida e amadurecida durante todo o período do Mestrado em Arquitetura e Urbanismo da Ufal. O principal foco do trabalho foi a avaliação dos projetos arquitetônicos, para saber se eles estavam em conformidade com as normas e especificações mínimas da Caixa. Alexsandro Tenório teve acesso aos projetos digitalizados dos empreendimentos já construídos em Maceió nos anos de 1999-2009, registrados na Gerência de Filial de Desenvolvimento Urbano – GIDUR/Caixa. "Além disso, foi realizada uma entrevista informal com o responsável pelo setor para saber como é que os arquitetos da Caixa realizavam as conferências dos projetos", informou o arquiteto.
Projetos repetidos e problemas de adequação
Uma das constatações de Alexsandro Tenório, durante a pesquisa é a repetição dos projetos, sem modificações entre os vários condomínios observados. "O exemplo mais significativo reserva-se aos projetos do PAR-2. Dos seis construídos em Maceió, apenas um possui projeto diferenciado, os demais se diferenciam uns dos outros unicamente pelo nome do residencial, variação na implantação nos lotes e no número total de unidades construídas. Desse modo, os problemas de funcionamento ou inadequação dimensional constatados num desses empreendimentos se estende aos demais", ressalta o pesquisador.
Além da falta de adequações, os resultados obtidos a partir das análises comprovaram a existência de habitações subdimensionadas, ou seja, abaixo dos padrões mínimos. Dos projetos que deveriam possuir no mínimo 37 m² de área útil (PAR-1), dois estão com 35,7 m² e um está com 36,6 m²; dos seis projetos que deveriam ter no mínimo 35 m², um possui 34,6 m². "Essas diferenças impactam no funcionamento da habitação como um todo, mesmo se tratando de pequenas áreas", explicou Alexsandro Tenório.
Segundo o arquiteto, os projetos também falham no sentido de garantir conforto aos moradores. As dimensões dos cômodos dificultam a disposição dos móveis. "Houve um certo descuido por parte dos projetistas em representar e inserir determinados móveis na habitação. Além disso, todos os projetos analisados apresentaram incompatibilidades de especificação e dimensionamento de móveis e equipamentos com as especificações da Caixa. O banheiro e a área de serviço foram os cômodos que mais apresentaram problemas em relação ao dimensionamento mínimo para a inserção do mobiliário e equipamentos exigidos", denunciou o pesquisador.
Alexsandro Tenório destaca que, mesmo sendo construções de baixo custo, se houvesse um maior cuidado por parte dos projetistas, a distribuição do espaço poderia ser mais funcionais e mais adequado à circulação dos moradores. "Concluímos que os problemas funcionais presentes na habitação do PAR são decorrência do não comprimento às especificações mínimas de construção, mobiliário e circulação adotadas pela Caixa. Do jeito que foram projetados, esses apartamentos correspondem ao mínimo necessário para boa vivência na habitação", destacou o arquiteto.
Para o arquiteto, a responsabilidade das inadequações dos projetos não se limita às construtoras e projetistas, mas também recai por sobre a Caixa, por ser a instituição responsável pela aprovação e liberação para construção. "Diante do que foi evidenciado na pesquisa, nossa proposta de melhoria na habitação se refere basicamente ao cumprimento das especificações mínimas que foram, em boa parte dos projetos analisados, negligenciados. É preciso que os projetos habitacionais sejam pensados não somente levando em consideração o valor do custo total da obra, mas principalmente considerando a composição familiar e suas reais necessidades de espaços, para que as atividades domésticas sejam desenvolvidas corretamente, desde o membro mais jovem até o mais idoso da família", concluiu o pesquisador.