Pesquisadora carioca apresenta primeira vacina contra esquistossomose

Miriam Tendler faz explanação da pesquisa para os estudantes


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A pesquisadora Miriam Tendler, criadora da primeira vacina contra a esquistossomose, ministra palestra da Universidade Federal de Alagoas | nothing
A pesquisadora Miriam Tendler, criadora da primeira vacina contra a esquistossomose, ministra palestra da Universidade Federal de Alagoas

Myllena Diniz – estudante de Jornalismo

Após 35 anos de estudos, pesquisadores brasileiros criaram a primeira vacina de combate à esquistossomose, também conhecida como “barriga d'água”, segunda doença parasitária mais grave, atrás apenas da malária. A coordenadora da pesquisa, Miriam Tendler, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), ministrou palestra sobre o desenvolvimento da vacina Sm14 para alunos de Química e de Biologia da Universidade Federal de Alagoas, no Campus A. C. Simões, em Maceió.

Entre os acadêmicos da instituição alagoana, a pesquisadora fez balanço de todo o processo de desenvolvimento do material capaz de revolucionar os procedimentos de combate à endemia encontrada em mais de 70 países. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, cerca de 200 milhões pessoas estão infectadas com a doença em todo o mundo e 800 milhões estão em situação de risco. No entanto, Tendler revelou as dificuldades em consolidar projetos brasileiros no cenário competitivo mundial.

Para ela, os obstáculos são ainda maiores quando as pesquisas não atendem à demanda da indústria farmacêutica. “Eu tenho muito orgulho de dizer que esse é um projeto totalmente brasileiro, financiado pelo Brasil e capitaneado por pesquisadores daqui. Nós tivemos que cavar nossos próprios caminhos para conseguir esse resultado. Além disso, a esquistossomose compõe o quadro de doenças negligenciadas, porque é comum em países pobres. Os grandes laboratórios não têm interesse em criar vacinas para enfermidades típicas da pobreza, do terceiro mundo, pois não trazem lucros significativos e, normalmente, ficam atreladas a programas governamentais”, ressaltou a cientista que comandou a experiência no Laboratório de Esquistossomose Experimental da Fiocruz, no Rio de Janeiro.

A inovação e a ousadia são as grandes características da pesquisa, que apesar dos obstáculos, conseguiu destaque internacional e reconhecimento da OMS, principal agência de promoção da saúde mundial. Após décadas de experiências e de entraves políticos, foi aprovada a 1ª fase de testes clínicos da vacina, aplicada em 20 seres humanos. A 2ª etapa do projeto está prevista para 2013, quando a vacina será testada no Estado da Bahia e na África, regiões com grandes zonas endêmicas.

Bivalência

A vacina Sm14, cujo nome é baseado no verme Schistossoma mansoni – parasita responsável pelo desenvolvimento da esquistossomose –, também apresenta eficácia no combate à fasciolose hepática, verminose que afeta o gado bovino destinado ao consumo humano.

Os animais infectados apresentam retardo no desenvolvimento, dificuldades na reprodução, e redução no ganho de peso e na produção de leite. Segundo Miriam Tendler, a problemática também tem sido preocupante para a saúde humana. “Atualmente, existem aproximadamente 300 milhões de cabeças de gado infectadas pela Fasciola hepatica. Mas, a fasciolose também é uma zoonose e os casos em seres humanos têm aumentado”, salientou.

Reconhecimento em Alagoas

O secretário da Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado de Alagoas, Eduardo Setton, também participou da palestra realizada no ambiente acadêmico e convidou a pesquisadora Miriam Tendler a articular ações em parceria com o governo de Alagoas, de modo a incluir a região nas próximas etapas de testes clínicos.“Vamos analisar que tipo de parceria efetiva nós podemos fazer para incluir nosso Estado nas etapas de testes clínicos da pesquisa. Para isso, também precisaremos do apoio dos professores da universidade, para que o projeto aconteça com a qualidade que se espera”, frisou.

Para a pesquisadora, as parcerias em áreas endêmicas são fundamentais para que as ações do projeto sejam potencializadas. “ É muito bom receber o reconhecimento de uma região endêmica, sem ter nenhum vínculo com o Estado. Como nós, que estamos envolvidos com a pesquisa, não vivemos nessas áreas, as parcerias são de grande relevância. Esse é um pedaço que falta ou que poderia ser acrescentado ao projeto", acrescentou.

A realidade, o envolvimento, o entendimento e a vontade de interagir das pessoas que vivem em zonas endêmicas é diferente. A aproximação com Alagoas e com outros Estados que querem participar é uma grande contribuição”, refletiu Tendler. Miriam também recebeu a Medalha do Mérito da República Marechal Deodoro da Fonseca, na segunda-feira (19), no Memorial à República. A honraria foi entregue pelo governador do Estado, Teotonio Vilela Filho, a mais sete personalidades.

A esquistossomose

Os caramujos da espécie Biomphalaria, encontrados em água doce, são os transmissores do parasita Schistossoma mansoni, verme que encontra o hospedeiro definitivo na espécie humana.Os indivíduos com esquistossomose podem propagar o número de infectados, já que os ovos do parasita são liberados com as fezes e a urina. Em locais onde não há sistema de saneamento básico adequado, o índice de contaminação de rios, de córregos e de depósitos de água parada aumentam. O contato das larvas do parasita com a pele humana é suficiente para que a população seja infectada. Na fase aguda da doença, os sintomas são vermelhidão e coceira cutâneas, febre, náusea, vômito e diarreia. Já a fase crônica se manifesta com o aumento do fígado e do baço, além de hemorragias. O caso mais grave da doença pode levar o indivíduo à morte.