Pesquisador analisa dez anos de ocupação dos movimentos sem-teto em Maceió
Carlos Eduardo Nobre considera que o poder público continua segregando as populações de baixa renda à periferia da cidade
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Lenilda Luna- jornalista
Geógrafo, formado pela Ufal em 2006, Carlos Eduardo Nobre decidiu, durante o mestrado em Arquitetura, estudar a ocupação do espaço urbano numa perspectiva interdisciplinar. "Minha avaliação das ocupações lideradas pelos movimentos de sem-teto, no período de 1999 a 2009, é baseada em referenciais teóricos da arquitetura, da geografia e também da sociologia, já que os movimentos sociais são os atores deste conflito urbano. Os recursos analíticos para esse estudo foram o 'território usado' e a 'cartografia da ação", explica o pesquisador.
Carlos Eduardo estudou as ações de dois movimentos atuantes em Maceió na última década: a União de Movimento de Moradia de Alagoas (UMMAL), representante da União Nacional por Moradia Popular (UNMP); e o Movimento Terra Trabalho e Liberdade (MTL). Foram registradas seis ocupações ocorridas entre os anos 1999 a 2009, sendo três lideradas pela UMMAL e três pelo MTL. "Estes dois movimentos foram os mais presentes em todas as ocupações de espaços vazios registradas em Maceió no período analisado. As lideranças destes movimentos conseguiram mobilizar famílias que viviam em situação precária, considerada abaixo da linha de pobreza, em áreas de risco da capital alagoana", relata o mestre em Arquitetura.
O objetivo do pesquisador foi entender como os sem-teto, com suas ações de ocupação, protesto, resistência, buscaram criar um projeto alternativo de ocupação do espaço urbano que entra em confronto com os interesses empresariais e políticos. "Quanto mais central e valorizada é a área reivindicada pelos sem-teto, mais dura é a reação do poder público, que, apesar de um discurso aparentemente progressista, mantêm a prática de segregar essas camadas mais pobres da população à periferia da cidade", relata o pesquisador.
Segundo Carlos Eduardo, essa é uma problemática que deve ser refletida por toda a sociedade. "Quando tiramos famílias de áreas onde, mesmo em condições precárias elas mantinham uma atividade econômica, e as afastamos cada vez mais para conjuntos populares sem escolas, postos de saúde, áreas de lazer, transporte urbano, o que estamos fazendo é mergulhar crianças e jovens em uma situação de revolta, que acaba alimentando a criminalidade. Só quando este problema da violência extrapola os limites da periferia e afeta a cidade como um todo, é que nos dispomos a pensar sobre essa situação", alerta o pesquisador.
A legitimidade dos movimentos
O pesquisador entrevistou várias lideranças dos movimentos sociais que atuam no espaço urbano de Maceió e constatou algumas dificuldades enfrentadas por essas organizações. A educação precária e a falta de politização da sociedade alagoana acabam se refletindo nas lideranças. "Falta formação política para esses líderes. Muitas vezes eles atuam em situações específicas, de forma improvisada, sem compreender os conflitos de interesse político, que são questões mais complexas. Não temos em Alagoas muitos intelectuais que se dispuseram a atuar junto aos movimentos sociais contribuindo com a capacitação dos ativistas", pondera Carlos Eduardo.
Mesmo reconhecendo que os movimentos de sem-teto muitas vezes têm uma mobilização fluida e que se dispersam facilmente, o pesquisador considera que eles são representantes legítimos e devem ter suas reivindicações respeitadas. "Existem problemas de lideranças que são influenciadas por interesses partidários, que querem apenas tirar proveito eleitoreiro da luta por moradia, também existem aqueles sem-teto que, depois de finalmente conseguirem uma casa popular, acabam por vendê-la de forma irregular. Mas nada disso tira a legitimidade desses movimentos, que precisam ser tratados com mais respeito pelos gestores públicos", questiona Carlos Eduardo.
Possivelmente por conta destas contradições internas do movimento, alguns dirigentes recebem com certa desconfiança os pesquisadores que resolvem estudar esses conflitos sociais. Carlos Eduardo Nobre também teve que enfrentar essa resistência. "Os representantes da UMMAL reclamaram que alguns estudantes, ao fazerem entrevistas para elaboração de trabalhos acadêmicos, não apresentavam os resultados do estudo. Conversei com eles e assumi o compromisso de entregar uma versão do trabalho concluído para eles. Só assim os representantes aceitaram prestar depoimento", contou o pesquisador.
Direito à moradia
Na dissertação de mestrado, defendida em 2010, no Programa de pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Ufal, Carlos Eduardo defende que o combate ao déficit habitacional não vai ser resolvido apenas com construções populares, financiadas por recursos federais, sem avaliar as condições do local e os equipamentos de serviços e de lazer necessários para uma melhor qualidade de vida desta população. "Não é possível combater o déficit apenas com a construção de unidades habitacionais de baixo valor em áreas periféricas. Nesse sentido, o rompimento com a especulação, através do uso habitacional dos vazios urbanos em áreas infraestruturadas, possibilitaria uma melhor distribuição dos benefícios materiais e imateriais da cidade", destaca o pesquisador no trabalho.
O geógrafo registra como avanço, neste conflito gerado pela ocupação do espaço urbano que contraria os interesses da especulação imobiliária, o reconhecimento ao direito à moradia definido pela lei 11.124, de 16 de junho de 2005, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), cria o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS). "Esta lei contraria a proteção à propriedade de terrenos urbanos que servem apenas para especulação imobiliária e não cumprem nenhuma função social", ressalta Carlos.
Finalizando a pesquisa, Carlos Eduardo Nobre defende um planejamento do uso dos espaços urbanos que privilegie os interesses coletivos. "A política habitacional pode fazer parte de um planejamento territorial mais amplo que considere os vazios urbanos em áreas centrais da cidade e dos bairros como possibilidade de uso para combate ao déficit habitacional. Para tanto, é preciso inverter a lógica de apropriação desses vazios, subordinando o uso econômico e corporativo ao uso social e coletivo", destaca o pesquisador na dissertação.
O pesquisador critica a criminalização dos movimentos sociais e ressalta mais uma vez que as organizações dos sem-teto devem ser recebidas com mais respeito pelo gestor público. "Precisamos considerar as ocupações de vazios urbanos não como ameaça à urbanidade e a convivência social, mas como ação política que visa combater os problemas sócioespaciais vivenciado por grande parte da população que não tem acesso à transporte, emprego, educação, saúde, etc.", conclui Carlos nas considerações finais da dissertação.
Para consultar o texto completo da dissertação, veja o link