Pesquisa comprova que Palmeira Ouricuri é extraída sem controle no semiárido alagoano
A fonte de recursos existente na região do semiárido alagoano corre o risco de acabar e afetar a renda de centenas de famílias
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Manuella Soares - jornalista
Acordar cedo, munir-se de ferramentas e sair de casa para o campo. Essa é a rotina de dezenas de famílias que moram nos municípios de Olho D’água das Flores e São José da Tapera, no semiárido alagoano. Elas sobrevivem da venda dos produtos extraídos da Palmeira Ouricuri, ou Licuri, como também é conhecida. Mas a extração desordenada da planta está causando consequências preocupantes na vegetação e pode colocar em risco a fonte de renda das famílias. O problema foi tema do trabalho dissertativo de mestrado, desenvolvido pelo ecólogo Ulysses Gomes Cortez Lopes, pesquisador do Arboretum da Universidade Federal de Alagoas.
Durante a pesquisa, ele visitou dez comunidades sertanejas para observar as diferentes formas de utilização da palmeira e identificar as áreas de ocorrência do extrativismo, na contramão do potencial econômico que poderia ser desenvolvido na região do semiárido de Alagoas. “A Licuri é uma palmeira que apresenta relevada importância ecológica, social e econômica, visto que seus frutos e sementes são comestíveis e fazem parte da dieta de animais silvestres e de grupos humanos. Mas foi constatado um extrativismo predatório, porque as pessoas utilizam continuamente os recursos da palmeira, especialmente suas folhas, mas não manifestam preocupação em plantá-las”, explicou Ulysses Cortez.
De acordo com o estudo, a partir da observação do fluxo do extrativismo na região, foi possível identificar os povoados que mais consumiam ou forneciam as folhas da palmeira. As comunidades de Salgadinho, Baixa Grande e Torrões, em São José da Tapera, são as que mais utilizam os recursos da palmeira. Já as comunidades Bananeira, em Olho d’água das Flores, e Marruá, em São José da Tapera, são caracterizadas na pesquisa como os povoados que mais fornecem as folhas e é onde o extrativismo predatório tem sido mais acentuado.
Risco iminente
A ação humana que está mudando o cenário da região, com as atividades extrativistas nas plantações nativas da palmeira Licuri, além das depredações, queimadas e supressões comuns no local levaram o ecólogo Ulysses Cortez a realizar experimentos que possibilitassem acelerar a germinação das sementes da palmeira. “Constatei, entretanto, que a melhor forma para germinação das sementes da Licuri é semeando seus frutos in natura, cujos resultados poderão ser norteadores para a conservação das populações nativas existentes no semiárido”, ressaltou o pesquisador.
“A ausência de programas de preservação das populações nativas e o extrativismo predatório da espécie, além da degradação gerada pela pressão antrópica, tem sido a causa de um acentuado declínio dessas populações, daí a importância dos experimentos realizados”, concluiu.
Perfil e contrastes
A pesquisa realizada pelo ecólogo chegou às conclusões baseadas em alguns fatores socioeconômicos que determinam o perfil das famílias que extraem a palmeira ouricuri de forma predatória. Os dados apontam que a renda familiar de todos os entrevistados era inferior ao salário mínimo vigente no país e, mais da metade deles não têm qualquer grau de escolaridade. “Essa amostra populacional representou indivíduos com idades variando entre 15 e 72 anos, dos quais 90% eram mulheres e 10% homens, evidenciando que o uso dos recursos da palmeira Licuri é uma atividade predominantemente do gênero feminino nas localidades de estudo”, observou Ulisses Cortez.
Durante o trabalho desenvolvido nas comunidades do sertão de Alagoas, o ecólogo da Ufal analisou também o lado social relacionado à matéria-prima que é fonte de renda para 95% das famílias estudadas. “Muitas não possuem terra própria, então precisam extrair o material de outras propriedades distantes. As mulheres chegam a pagar dois reais e cinquenta centavos pela compra da saca de folhas da palmeira, cuja retirada causa-lhes um enorme esforço físico, porque elas chegam a caminhar até três horas por dia para levar o material para casa”, destacou, relatando ainda o sofrimento delas quando levavam as palhas na cabeça, no ombro ou numa carroça puxada por um jumento.
O pesquisador questionou sobre o conhecimento da planta e se surpreendeu com as respostas. Segundo Cortez, todos os entrevistados conheciam a palmeira, usavam para algum fim, mas não sabiam informar a respeito do surgimento da Licuri. “Observa-se que, de fato, há um desconhecimento ou despreocupação no que se refere ao aparecimento das palmeiras, porém, esse fato não caracteriza desinteresse ou indiferença, pois, quase a totalidade dos entrevistados disse conseguir dinheiro com a venda dos produtos elaborados com os recursos dessa planta”, comentou.
Utilidade
É bem expressiva a utilização da Ouricuri. Além do uso na confecção de objetos utilitários e artesanato como vassouras, esteira, chapéu, cortina, bolsa, tapete, cesta, porta-copo, porta-objetos, caixas, porta-guardanapo, espanador, e outros itens, resultado da criatividade das mulheres alagoanas, seus recursos também servem de alimento e remédio. As folhas são ainda usadas como cobertura de casebres e os frutos caem bem como objetos de ornamentação.
Sagrado
Apesar de todo risco de extinção da planta na região do semiárido alagoano, as famílias que sobrevivem dela ainda não se deram conta do que pode acontecer se não houver preservação. O maior paradoxo disso tudo é a condição de sagrado que as mulheres dão à palmeira. O ecólogo Ulysses Cortez percebeu uma exteriorização de religiosidade na relação das pessoas que sobrevivem dessa matéria-prima, com o vegetal.
Os depoimentos relatados na pesquisa comprovam: “O Licuri é sagrado por ser útil para a sobrevivência das pessoas”, disse dona Maria Izabel. “É através do Licuri que eu vivo. Então, é mais do que sagrado para mim”, confessou dona Jucilene da Silva. “O coqueiro Licuri dá a sombra, dá o fruto, dá a palha; é coisa de Deus, da natureza e, por isso, é sagrado e nos ajuda muito”, concluiu a dona Maria das Graças.