Ufal em Defesa da Vida presta solidariedade à família de Paulo Bandeira
Segundo Ruth Vasconcelos a impunidade aumenta o sentimento de desamparo de famílias que perderam parentes de forma violenta
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Lenilda Luna - jornalista
A sociedade alagoana acompanha mais um caso emblemático da violência em Alagoas. O professor Paulo Bandeira foi assassinado barbaramente, queimado dentro do carro, encontrado em um canavial, no dia 3 de junho de 2003. Ele havia denunciado desvio dos recursos do Fundo Nacional da Educação, na cidade de Satuba. As suspeitas recaíram sobre o então prefeito da cidade, Adalberon de Moraes, acusado de ser o mandante do crime. Dez anos depois, Adalberon e os militares suspeitos de executarem o assassinato finalmente estão sentados no banco dos réus.
No primeiro dia de julgamento, a coordenadora do Programa Ufal em Defesa da Vida, Ruth Vasconcelos, foi prestar solidariedade à Cilene Bandeira, esposa do Paulo Bandeira. "É um gesto de humanidade, porque é isso que diferencia os seres humanos, a capacidade de se colocar no lugar do outro, de imaginar a dor de uma mulher que há uma década espera a punição dos assassinos do marido. Podemos imaginar o quanto é difícil para quem teve a experiência de perder alguém amado e ter que esperar tanto tempo para ver a justiça sendo feita, vendo os suspeitos circularem livremente pela mesma cidade. Esse sentimento de desamparo faz com que as pessoas vivam a desesperança, e desacreditem na capacidade do Estado proteger os cidadãos e punir os agressores. Essa insuficiência do Estado aumenta a dor da perda", refletiu a socióloga.
No auditório do tribunal do júri, Ruth pode constatar a mobilização social em torno deste caso. Entidades representativas da educação realizaram caminhadas e estão agora acompanhando o julgamento, ao lado dos familiares do professor assassinado. "Estão lá representantes do Sinteal, da Adufal, alunos e professores. Isso tem uma importância fundamental para que o caso de Paulo Bandeira seja visto como exemplar, para que os cidadãos não se sintam sozinhos ao lutar pela justa aplicação dos recursos públicos, como fez o professor. Mas, imagino a dor de pessoas que não têm a possibilidade de se fazer ouvir, porque vivem na invisibilidade por sua condição social. É doloroso saber que muitas pessoas vivenciam essa dor em silêncio, na solidão de suas casas; um silêncio muitas vezes provocado pelo medo ou simplesmente porque não têm acesso as redes sociais. Outros casos em que nem sequer um inquérito foi aberto", ressaltou Ruth.
A dor da impunidade
É principalmente para dar voz às pessoas que tiveram parentes assassinados e não alcançaram Justiça, que o 12° Ato Ufal em Defesa da Vida tem como tema “A dor da impunidade: o que os números não revelam”. Os cidadãos que passaram por essas situações dramáticas são convidados a preencher um formulário relatando o caso e pontuando em que etapa de investigação ou processual ele se encontra, ou se não houve nem ao menos um inquérito policial. "Precisamos fazer com que a luta contra a impunidade mobilize a sociedade, e não apenas os parentes das vítimas; por isso, estamos convocando toda a sociedade alagoana a se pronunciar, no site da UFAL, sobre o que pensam e sentem em relação à impunidade”, destacou a coordenadora.
A socióloga pondera que a punição dos culpados é fundamental para recompor o tecido social que fica “completamente esgarçado” diante de um ato cruel no campo da criminalidade, particularmente, quando o direito à vida é violado. "Temos que estimular as atitudes civilizatórias entre nós; o oposto à civilização é a barbárie, na qual tudo passa a ser resolvido pela força e a “justiça” é feita com as próprias mãos. Nesse contexto, onde as vítimas revidam, reagindo ao crime em forma de vingança, todos ficam igualados na condição de agressores. Essa fase do olho por olho, dente por dente já foi vivenciada pela humanidade e vimos que não é um caminho viável. Por isso criamos leis, tratados, códigos de ética e as formas de garantir o cumprimento das regras que valem para todos. Não podemos abrir mão dessas conquistas civilizatórias", alertou Ruth Vasconcelos.
Para a professora, a indiferença e a intolerância são dois grandes males vivenciados na sociedade e que ameaçam a própria dimensão de civilidade entre os humanos. "As pessoas que se submetem às regras sociais, que internalizaram as leis subjetivas e sociais, têm que conviver com alguns que não sentem sequer remorso ou culpa em usar meios cruéis para conseguir o que querem. Mas estamos tão aturdidos com tanta violência que alguns tentam se manter distantes disso, se tornam indiferentes. Isso é um equívoco, pois, sabemos que apenas pela solidariedade, compartilhando a dor do outro, podemos nos tornar mais humanos, superando definitivamente a barbárie. Precisamos estar juntos para nos fortalecer nesse processo", disse a professora.
Ciência com afeto
Segundo Ruth Vasconcelos, a universidade tem um papel fundamental nesta reflexão sobre o direito à vida e por isso defende uma ciência mais humanizadora. "Somos cientistas, mas não podemos fazer uma ciência desimplicada das questões sociais. É preciso ter uma existência acadêmica e social mais comprometida com a sociedade e os direitos básicos de todos os cidadãos. Se não for assim, para que serve o conhecimento? Eu acredito que a ciência com afeto poderá trazer muitos bons frutos, tanto para a academia como para a sociedade. Precisamos sair dessa objetividade fria, calculista, entregando nossas energias intelectuais e afetivas produzindo gestos amorosos aos que sofrem a dor da perda e, posteriormente, da impunidade. Esse laço social engrandece nossa humanidade", defendeu a socióloga.
Essa defesa de uma ciência com afeto, para Ruth, não se limita apenas às Ciências Humanas e Sociais. "Todas as Ciências, incluindo as exatas, que estão mais voltadas para cálculos e números, precisam se posicionar em defesa de uma sociedade mais justa, exigindo o respeito às conquistas éticas e morais da humanidade, ou voltaremos a uma existência selvagem onde ninguém está seguro. Tenho certeza de que ninguém quer essa regressão. Então, precisamos nos manifestar em defesa da vida, e isso requer que nos preocupemos conosco e com os outros", concluiu Ruth Vasconcelos.