Dissertação aborda o grotesco na literatura de Rubem Fonseca

A pesquisa interpreta o rebaixamento do homem, a partir dejetos produzidos pelo corpo


- Atualizado em
Fellipe Ernesto pesquisa o repugnante na Literatura
Fellipe Ernesto pesquisa o repugnante na Literatura

Jhonathan Pino – jornalista

Não é raro nos depararmos com a expressão “é necessário ter muito estômago para lidar com a situação”. Talvez ela seja apropriada para a leitura desse texto, que aborda uma pesquisa feita sobre a obra de Rubem Fonseca, realizada por um aluno da pós-graduação em Literatura Brasileira. Ao analisar três contos do livro Secreções, Excreções e Desatinos (2001), Fellipe Ernesto procurou entender como se dava a utilização do grotesco na produção artística.

Conforme Fellipe, expressões como "merda" e "foda" são apenas algumas presentes na obra de Fonseca, como manifestações simbólicas da vida. “Essas excreções têm importância no cotidiano dos personagens, que têm suas vidas submetidas ao gosto e prazer pelos excretos, relacionando o homem com o baixo corporal, através das associações e conexões que estabelecem”, defendeu na dissertação.

O mestrando detalha que no conto "Copromancia", as fezes aparecem como objeto de questionamento sobre a incapacidade e a imperfeição do homem ao defecar; em "O Corcunda e a Vênus de Botticelli", é entendido que a saliva é representativa da sedução entre as referências de imagens da literatura e da pintura, como cópias e simulacros; e o conto "Vida" apresenta os gases intestinais como a necessidade do personagem em encontrar a felicidade no odor do excremento.

Essas são algumas das conclusões feitas pela pesquisa, sob a orientação da professora Ana Claudia Aymoré, como parte do campo de Estudos Literários. No entanto, o objeto de pesquisa é comum ao grupo “Crimes, Pecados e Monstruosidades: o mal na literatura”, que conta com docentes e estudantes das universidades federais de Minais Gerais (UFMG) e de Sergipe (UFS).

Esse grupo dialoga com questões ligadas à temática em comum com o meu trabalho: a presença do mal na literatura; ou, no caso do trabalho específico, a transgressão de imagens e objetos nos textos de Rubem Fonseca, repleto de crimes e pecados contra o homem e os valores sociais”, explica Fellipe.

Interpretações sobre o grotesco 

Foram analisados três contos, em que cada um deles possui um tipo de excremento e uma imagem para estudo: as fezes, a saliva e os gases intestinais. “As fezes são para o narrador protagonista de "Copromancia" a sua satisfação em decifrar a sina da pessoa que defeca; ao mesmo tempo em que o interesse pelas fezes é dado a partir da morte da sua mãe, profetizada para oito dias depois, e dada a partir do número oito nas fezes”, interpreta o autor. 

Nessa análise, o excremento acaba ganhando a leitura do símbolo do infinito (∞) e a possível concretização da morte do narrador protagonista em oito dias. “Coisa que não sabemos dizer se ocorre, pois o conto termina no dia anterior e na espera do fúnebre evento da morte do personagem”, completou. 

Em "O Corcunda e a Vênus de Botticelli", o excreto é a saliva, com um narrador protagonista que evoca a referência do Corcunda de Notre Dame em relação com a deusa Afrodite, e se utilizando da poesia para atrair sexualmente as mulheres.

Enquanto no conto "Vida", “os gases intestinais são para o narrador protagonista o objeto fonte do prazer e que lhe trará as sensações de algo bom e agradável, próximo do sentimento de felicidade, no breve momento em que contempla o odor”, interpretou o mestrando. 

Em comum, os contos fogem da abordagem sobre a violência e o caos urbano, temas frequentes no conjunto da obra de Rubem Fonseca. No entanto, o enfoque continua sobre os valores sociais, colocando como objeto de criação aquilo que a sociedade evita falar em público – o repugnante – mas sem perder a qualidade literária. 

Há sempre uma relação do homem com os excretos corporais, a deformação do corpo ou o órgão genital, e que ao escrever um conto utilizando-se dos dejetos na relação com as personagens os textos evidenciam a sua natureza de nos escandalizar sobre coisas que nos cercam”, expôs o mestrando.